Imagens: Internet |
Nada a lamentar!
Recebi, minutos antes de me pôr a escrever estas linhas, da
professora Graça Tostes (amiga de infância, aquele tempo feliz de nossas
lembranças, num recanto feliz do Rio de Janeiro – o meu inesquecível bairro de
Marechal Hermes), um interessante texto sobre o fim de algumas coisas muito
importantes hoje: os correios, o cheque, o jornal, o livro, o telefone fixo e –
pasmem, que eu fiquei pasmado! – a música.
Gutemberg e a prensa |
Há mais coisas, mas de menor peso no nosso quotidiano. Temos, todos os que lemos, um apreço inestimável pelo livro, considerado por muitos o mais perfeito design já concebido, pois preserva a mesma forma há cinco séculos. Mas quantos somos nós, os leitores, em todo o mundo? E ainda que, juntos, formemos uma percentagem pequena na humanidade viva, temos de admitir que somos muito mais hoje do que há 500 anos.
Mas a música? Será que desaparece mesmo? Não acredito. As
artes são manifestações espontâneas do bicho sapiens, a gente estuda para saber
mais e para produzir cada vez melhor, para evitar repetições etc. O texto a que
me refiro vem com a linguagem de Portugal – a construção das frases, os verbos
flexionados sem gerúndios, e o telefone celular chamado de telemóvel são fortes
indicativos.
Na Europa, sabemos, a música popular, por exemplo, não tem
transformações há muito tempo; e do lado de cá do Oceano Atlântico – isso me
foi despertado por um amigo há 35 anos – somente nos EUA e no Brasil a música
passava por evolução (naquele tempo não vislumbrávamos que as gravadoras viriam
impor à sociedade a música digerível pelo intestino, sem gastar tempo no
estômago para ser notada pelo cérebro).
Entendo os argumentos de sustentação listados pelo autor do
texto – omitido na mensagem via Net, como é comum. Um desrespeito a quem pensou
e escreveu, argumentando, despertando a discussão que agora me envolve. Os
correios desaparecem porque já não se escrevem mais cartas; o jornal, porque os
jovens não lêem jornais, os adultos informam-se em noticiários eletrônicos e os
jovens trocam informações entre si, sem critério seletivo do que informar e
receber, o que os conduz a guetos de isolamento que podem sugerir o retorno à
barbárie – ao menos à uma barbárie calcada na tecnologia dos tablets e celulares (ou telemóveis).
O livro... Bem, sobre esse já expus o que penso. Os aparelhos
de tevê, ou televisores (a que chamamos, na intimidade, de televisão), também
já começam a sumir de cena porque os portáteis de agora juntam câmeras (de foto
e cinema), telefone, receptor de tevê e computador. No Brasil, ao menos, o
complexo a que chamamos de correio tem incorporado serviços que o tornam uma
superagência prestadora de bens variáveis.
Tudo bem, mas
por que nos preocuparmos? Há cem anos, começava a desaparecer da lista de
profissões e empregos a figura indispensável (para a época) do acendedor de
lampiões – e os lampiões de gás (a gás) foram tema de belíssima valsa de Zica Bérgami
(1913-2010), gravada pela divina Inezita Barroso. Os bancários (fui um deles por 30 anos) também estão
desaparecendo, pois os bancos inventaram um modo de fazer com que o cliente
“trabalhe” no lugar dos antigos profissionais.
O tempo muda,
o homem muda, o mundo muda, a vida muda. Substituímos sempre as coisas, as
profissões e os apetrechos que criamos para “facilitar” nossas vidas. Triste
mesmo é pensar que o homem, na busca pelas facilidades, perca referências no
intrincado processo de aprimoramento social, fechando-se cada vez mais em si,
ignorando seus iguais e caminhando de volta para a caverna – cheia de luzes e
tecnologia de ponta, mas cada vez mais fechada, essa caverna... É que o futuro
já chegou!
* * *
6 comentários:
Muito boa! Mas como você mesmo disse é o futuro que chega a galope. Para os que o esperam, melhor que saibam conviver com isso e para nós que pouco dele viveremos, melhor ir acostumando.Um abraço amigo. Ridamar
Muito boa a sua crônica.Parece-me que antes de Pessoa,Hannah Arendt
teria dito-a pátria é a nossa língua Entrevistado por Jô
Soares,Martinho da Villa,um gênio,foi enaltecido por estar dominando o
francês muito bem.C`est lentement,trés lentement...E o Jõ
continuou-voc~e fala outras linguas.E Martinho-Jô todos só falam uma
lingua-a da sua nação,nos comunicamos nas outas
linguas.Certo,Martinho,aprendemos a verbalizar na mesma época em que
alicerçamos a nossa personalidade,nos dois primeiros anos de vida.
Liberato
Excelente crônica. Mostra bem como vivemos hoje, internet tomando lugar do convívio social. Pessoas que desaprenderam a ler um livro encadernado.
E quanto à musica... era tão boa, que me lembro, com muita clareza de uma manhã de inverno (nos anos 50 ainda tinha inverno), fria e nebulosa: em Pontalina, minha terra natal, ainda criança, saí para buscar o leite no curral e de algum rádio ouvi a Inezita Barroso cantando Lampião de Gás. Era tão lindo que jamais me esquecerei daquela manhã e do Lampião de gás! Como sempre, Poeta, você mexe e remexe no baú das recordações. Será que nossos netos terão coisas tão bonitas que recordar?
Este é um tempo líquido, plastificado, que se acomoda com a dinâmica das mudanças irresistíveis. A comunicaçào eletrônica, em tempo real, torna obsoletas as cartas, os bilhetes, os recados manuscritos e com suporte no papel. É um tempo de velocidade e mudanças. No último século, o Brasil mudou mais do que nos quatro séculos anteriores, na esteira das mudanças mundiais. Há que se estar atento para que as mudanças vertiginosas não comprometam as possibilidades de o homem ser feliz. Itaney Campos
Assustador, porém previsíveis esses desaparecimentos. Muitas profissões e serviços acabaram, como o consertador de máquinas de escrever, o sapateiro, o alfaiate. Dizem que os médicos também serão dispensados. Quanto a música, embora no momento esteja claramente deteriorada, ainda vai renascer e durar para sempre.
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