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segunda-feira, agosto 29, 2016

Bares e saudade







Bares e saudade



Houve o tempo da juventude, em especial os tempos de solteirice jovem, porém responsável, em que minhas noites equivaliam ao período das 20 ou 21 horas até as primeiras das solenes madrugadas, quando o corpo pedia cama e a responsabilidade, o despertar antes das 7 horas para o batente bancário.

Houve o tempo do magistério, mesclado com a universidade em curso e o período bancário entre 12 e 18 horas, com aulas matinais e noturnas e por pelo menos nove horas-aulas de sábados – este foi um tempo de sóbrio hiato, evidentemente. Mas o período de maior ocorrência nas lides jornalísticas era da boemia inevitável, pois o jantar se dava nas chamadas altas horas, quando todas as matérias já eram “descidas”, páginas fechadas, situação geral checada com diagramação, composição e a certeza de que as impressoras estavam lubrificadas, ajustadas e já ligadas para os cadernos previamente fechados (como o de Cultura, de finalização precoce).

A cidade não oferecia outro lazer senão o bar, a esquina, alguma festa em comemoração a aniversários, casamentos e outros afins. E os bares eram a marca mais evidente de Goiânia nas décadas de 70 e 80 daquele século em que nascemos nós todos com mais de 16 anos neste 2016. Os bares eram a nossa sala de visitas, o ambiente familiar e festivo de moças e rapazes – a ponto de acontecer, de modo pacífico e ordeiro, pelas ondas da Tamandaré e adjacências, um movimento de viva voz – mas em tom de conversa, não de protesto – em busca de “um bar para maiores de 30 anos”.

Numa movimentação “evolutiva”, o agito da Tamandaré com seus bares e restaurantes, que ao se fecharem davam vez aos pegas de carros e motos, migrou para outros pontos. Surgiu uma espécie de “footing” motorizado na extensão da bela avenida Ricardo Paranhos – nome de poeta catalano, visual de cedros e as luzes da noite feliz dos que não tinham medo das madrugadas, pois que andar em grupos inibia os raros assaltantes.

Ah, os ladrões da noite! Eram muito diferentes dos punguistas dos ônibus. Eu, repórter com missão específica de cobrir as delegacias naqueles anos finais de ditadura, conhecia praticamente todos os praticantes do que hoje simbolizamos com um duplo Perdeu!. Eles circulavam os pontos das cercanias dos bares e abordavam bêbados sem-noção e namorados distraídos. Tomavam dinheiro e joias, casacos e calçados e, às vezes, levavam documentos, cheques e cartões de crédito – naqueles tempos, pouco usuais.

Aquela juventude, hoje, chega perto dos 60 anos ou já passou dos 70 e mesmo 80 primaveras. Mas há as lembranças, as saudades e, para a alegria de agora, alguns reencontros para papos memoriais! Éramos grupos quase que definidos, alguns com afinidades – como jornalistas e escritores, poetas e pintores, músicos e poetas e, circulando entre todos, uma lista infinda de admiradores das artes, cantores de mesas (que faziam coro a muitas das canções de época, com nítida preferência para Andanças e O Bêbado e a Equilibrista, sucessos que interrompiam conversar, beijos e desatenções para fazer backvoice, respondendo ao cantor na parte de entoar o refrão 

– Amor... Me leva, amor...

... ou, no “hino da anistia”, participando em uníssono 

– E um bêbado com chapéu coco 
 fazia irreverência mil...




Pois é, meu amigo Roos de Oliveira! Saudade de Bira Galli ainda cabeludo, de Tagore vivo, de Marieta Teles Machado com aquele sorriso contagiante, Yeda refinando um verso, Aidenor saboreando um gole e exaltando a poesia, Gustavo Veiga cantando De Dois, Fernando Perillo, Pádua, Bororó, Fafá (ela sumiu!)...

Roos! Já não há mais bares como os do nosso tempo... Mas esta lágrima, ah! É como as que nos benziam o rosto na esperança da Liberdade!



*****



Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

2 comentários:

Rosy Cardoso disse...

Esta lágrima,é como as que nos benziam o rosto ...Poeta!poeta! !!!
Vivaaaaaaaaaahhhhhhhh amei...Também conheci um "pouquinhozinho disso"

Antônio Carlos Machado Teles disse...

Luiz, muito linda a sua crônica de domingo, sensível e poética. Obrigado pela lembrança carinhosa que você tem da Bequinha (Marieta Teles Machado). Grande abraço do
Antônio Carlos