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sexta-feira, fevereiro 10, 2017

Duas crônicas

Hoje, trago dois textos, um com notícia literária, o outro com um desabafo em torno de feitos mal-feitos desta semana, no Brasil e... na Rússia.





1) Os últimos dias – primeiro 
passo de Bela Dias


Ando triste com certas coisas da moda.

Como os gêneros musicais que, à custa de elevados e mal-intencionados financiamentos, removeram das mídias a MPB, oferecendo produtos de consumo rápido e descartáveis. Ou a linguagem péssima que toma conta da fala das novas safras de profissionais de nível superior, e ainda as doenças provocadas pelo aedes aegypti.

Ah, sim! Mas, infelizmente, temos ainda o câncer. Que está na moda há alguns anos – ao lado da dengue, da zika e da chikungunya (e, não bastassem os receios, medos e desesperos, volta também a famigerada febre amarela). O câncer atua, nestes tempos, tão intensamente que não conseguimos mais, numa parada para relembrar, quantificar os parentes e amigos que perdemos pela doença arrasadora, incontrolável.

Mas é assim que caminha a humanidade – convivendo com as maldades, como as guerras e os jogos sujos da política (em qualquer lugar do mundo e em qualquer tempo – e não apenas no Brasil, como pensam os que costumam ter preguiça de pensar).

Além das maldades, convivemos também com o mau uso da inteligência – daí as críticas constantes às pessoas que atropelam a linguagem, a gramática e o bom senso em suas falas. E esta, infelizmente, é uma praga que, nos últimos anos, assolou o Brasil e ouvimos descalabros verbais a todo instante, pronunciados por bacharéis de alta graduação, de professores, de profissionais da comunicação e até mesmo do próprio ensino.

Bela Dias, a jovem autora de Os últimos dias.
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Vem daí a alegria que me invade quando converso com jovens de boa fala e informações salutares – como as que resultam em textos admiráveis, na oralidade e na escrita. Imagine-se, pois, o prazer que experimentei quando recebi, com um pedido de comentários, o livro Os últimos dias, da escritora Bela Dias. Falo de uma jovem que ainda não chegou à marca dos vinte anos, ou seja, se fosse atleta seria qualificada como “subvinte”.

Bela Dias trabalhou um tema da moda (não imaginam como sofro ao aplicar esta expressão para algo funesto como as doenças) – o câncer. Não bastasse, ela nos traz uma história de um menino e uma adolescente acometidos do mesmo mal, ambos em tratamento num hospital especializado. Mas, boa escritora (ou, como ela diz de si mesma, uma contadora de histórias), trouxe-nos a adolescente rebelde, solitária em seu gosto pelos estudos e intransigente com as pessoas comuns. Conhecer uma criança dez anos mais nova, de personalidade diametralmente oposta resultou no fortalecimento da menina para encarar o tratamento e, também, para processar mudanças drásticas em si mesma.

O livro de Bela Dias: vale a pena lê-lo!
Fiquei, sim, feliz com o que li, compreendi que “estou vendo” o nascer de uma estrela das letras – como outros que vi nascerem também e que, hoje, marcam sua presença na galeria das pessoas dotadas de bom texto. Bela Dias sabe captar histórias, absorvê-las, cuidar delas e modifica-las para, enfim, traduzi-las para a grafia, gerando certamente contos e novelas, romances e – não duvido nada – alguns outros gêneros literários, como a crônica, a poesia, o roteiro etc.!

Gostei de perceber a capacidade dessa jovem autora em criar a personagem, dar-lhe características físicas e psicológicas, dotá-la de procedimentos e falas marcantes, como fez com a Princesa Jujuba e seu Pequeno Príncipe. E a movimentação das personagens, o andamento da história, a riqueza de informações em diálogos simples e ágeis – tudo evidenciando sua mente criadora e ansiosa, sem dúvida!

Antevejo essa escritora – caso não tome desvios – crescendo muito rapidamente, trazendo-nos novas e excelentes histórias em quaisquer das linguagens literárias. E hei de procurar sempre saber de Bela Dias e de seus novos escritos.


Luiz de Aquino 


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2) A História na contramão


Motim na PM do Espírito Santo; na Rússia, o Congresso aprova uma lei que autoriza maridos a agredir fisicamente suas mulheres. E o presidente Temer sequer se constrange em repetir Dilma e tenta nomear um cidadão sob suspeita para seu ministério.

Poxa! Se pensávamos que a casa da mãe joana era o ápice da esbórnia em todos os sentidos é porque não sabíamos nada dos bastidores das nossas casas legislativas, dos arranjos nos palácios executivos e por confiarmos cegamente nos incumbidos do cumprimento das leis.

Claro, claro! Assim como creio que há oficiais policiais militares que não concordam com a quebra total da disciplina no Espírito Santo, bem como sei haver políticos confiáveis e procuradores e magistrados que levam muito a sério sua função, creio também que nem todo marido russo bate na mulher, mesmo com uma lei escorchante como essa – e, pasmem!, consta que foi apresentada por uma mulher e obteve aprovação quase unânime (apenas um voto contrário e 300 e tantos a favor).

Mas o que nos interessa são dois pontos – o primeiro é o motim capixaba, o outro o forfait no Planalto.

Aquela cena de um comandante chegando ao portão do quartel e perguntando às mulheres se elas permitiriam a saída da tropa... que ridículo! Cena ensaiada e mal interpretada. Essa é a PM que, lá ou aqui, no Paraná e no Amazonas, em Pernambuco e em Rondônia não mede circunstâncias para descer a mutamba em professores, médicos, garis etc. – qualquer trabalhador, público ou privado, em manifestação. Mas suas doces mulheres, como que treinadas em atividades de guerrilha urbana, respondem categóricas que não, e o comandante, submisso, retorna à caserna, como que vencido.

Cadê o spray de pimenta, as balas de borracha, as bombas de efeito moral? Ah, contra “as de casa”, não... Isso é para o contribuinte que se desespera com os impostos cada vez mais escorchantes e os salários defasados – mas se a dor de barriga é dentro de casa, aí a polícia se faz inoperante, bola um motim sem honra nem glória, pois envolve suas companheiras – aquelas que, machismo à parte, mas romantismo à flor da pele, prometemos (os homens de bem) guarda, proteger, honrar e respeitar.

Uma declaração pareceu-me cheia de fundamentos: o governador capixaba Paulo Artung, ora licenciado por questões de saúde, qualificou essa operação de chantagem, algo que deixa a população refém da omissão policial e da ação criminosa.

Aliás, digam-me: entre os mais de 120 mortos até a manhã da sexta-feira (10/02) havia algum policial militar? Ou algum parente próximo, como cônjuge ou filho? Mas dentre os civis, as pessoas anônimas – essas que na imprensa, até a década de 80, chamávamos de “populares” – sim. E as casas de comércio saqueadas, o governo as indenizará? Não é justo, a conta virá para o contribuinte outra vez, esse ser que constitui a massa popular sem rosto, mas com os sacrificados bolsos sendo saqueado pelas autoridades para cobrir seus desmandos.

Não bastasse todo esse constrangimento e essa falta de vergonha na cara, configurado no empenho dos militares policiais em atribuir às suas mulheres a responsabilidade pelo movimento, conduzindo-as a propor negociação com o governo, um advogado desses militares pleiteou “anistia para os militares envolvidos” – o que, sem dúvida, configura confissão do grupo policial militar quanto à responsabilidade dos oficiais maiores no motim.

E virão os que se intitulam de militantes pelos direitos humanos propor que se exaltem as mulheres dos fardados e que elas não sejam punidas. Claro, claro... elas não são professoras nem enfermeiras, portanto hão de ser, sim, poupadas da ação truculenta dos profissionais repressores que, imagino eu, são doces maridos, carinhosos e compreensivos, muito ao contrário de como se postam nas ruas.

Afinal, nossos policiais militares não são russos.

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Luiz de Aquino é jornalista, professor e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.


2 comentários:

Ana Odette Danin disse...

Excelente. Expressa justamente o que penso sobre a atual situação.Infelizmente faço parte da minoria considerada ultrapassada que ainda acredita em "Ordem e Progresso"

Mara Narciso disse...

Acompanho boa parte dos seus pensamentos. Como médica, caso estivesse de plantão num dia de greve, tipo operação padrão, seguiria o juramento e contrariaria a minha classe. Quem serve em trabalhos essenciais sabia, sabe e virá a saber que PM e médico de plantão não faz greve. Se é por causa justa ou não, pouco interessa: é a lei. Acho ridículo uma tropa se esconder atrás da saia das mulheres. A encenação foi uma palhaçada, enquanto mais de 140 pessoas morreram.

Quanto à nova autora, imagino que deva ter contado um caso dela ou de um parente próximo. O câncer continua sendo um assustador protagonista. Assim nasce uma nova escritora, despertada por um drama. Penso assim.