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segunda-feira, maio 29, 2017

Pérolas midiáticas

Pérolas midiáticas



“Um posto de combustíveis às margens da rodovia”. – Fim de semana ou final de semana? – “O nome das vítimas”. – “Empreendedorismo”. – “Acabativa”.

Grande parte das excrescências linguísticas que lemos ou ouvimos não está apenas na mídia – jornais e revistas, noticiários de rádio e tevê e nas peças publicitárias presentes nos veículos citados e também em “folders”, bâneres e flyers, além do que se vê em outdoors e vidros traseiros dos ônibus urbanos etc.

Sim, muitas coisas absurdas são ouvidas nos cursos e palestras ministrados no meio empresarial – ou de negócios. Uma das que mais me intriga, e é das preferidas pelos “coaches”, é “acabativa”. A ideia é “conclusiva”, isto é, a “outra ponta” da iniciativa – mas a “explicação” desses “trainers” geniais equivale a dos que condenam a expressão “final de semana” – quando aplicamos um adjetivo substantivado em lugar do substantivo “fim”. Estes “sábios” argumentam assim: “Se não existe inicial de semana, não há como ser correto final de semana” (este exemplo, colhi-o do professor Pascoal Cipro Neto, na Rádio CBN, estes dias).

Pois bem! Os “gênios” que inventaram “acabativa” como substitutivo de “conclusiva” devem ter estudado na mesma escola. São estes, também, os que gostam de ilustrar suas palestras e cursos com “cases” (que enchem a boca para falar “queises”, sem talvez se atinarem para o fato de que temos uma palavra antiga e bonita – caso – que quer dizer isso mesmo – caso). Mas como explicar isso a essa gente?

Os coleguinhas que falam “num ponto às margens da rodovia” não atentam para isso – estradas, como rios, têm duas margens, e tal ponto está em uma delas. Usa-se, com propriedade, “às margens” quando de referência à vegetação dos dois lados da estrada – ou do rio, por exemplo. Uma repórter carioca referiu-se a uma cidade “às margens da baía de Guanabara”. Ora, baía e lago têm orlas, e não margens. E, para os goianos, Aruanã fica à margem (direita, ou seja, o lado goiano) do rio Araguaia, e não “às margens”, pois o lado de lá é Mato Grosso.

Outro vício que incomoda tanto quanto cheiro de cigarro queimando é “o nome das pessoas”. Dá-me a impressão de que todas as pessoas têm o mesmo nome. Mas, convenhamos, o que esperar de quem não sabe que “onde” não é sinônimo de “quando” ou “então” – a primeira palavra é advérbio de lugar, e as outras duas, de tempo.

Outro neologismo que incomoda é “empreendedorismo” (ah, mas “empoderamento” é pior!). Se bem atentasse, quem propôs esse termo devia considerar que a referência é ao ato de empreender, e não a um improvável ato de empreendedor. Então, o certo seria “empreenderismo”.

A questão é que, há meio século, ainda éramos analfabetos ou medianamente escolarizados, na maioria. Hoje, somos diplomados e até mesmo mestres e doutores – mas conheço doutores que falam e escrevem errado e, se alguém lhes mostra um erro, respondem com “minha área não é a língua portuguesa”.

Não desistamos, porém! Se ignorarmos esses ignorantes, ainda que pós-diplomados, habilitamo-nos a tolerar os crimes dos drogados que matam por cinco reais num assalto de rua ou – pior ainda – a roubalheira que, há até bem pouco tempo, tínhamos por “crimes de colarinho branco” (antítese aos macacões azuis dos operários). Podemos vir a tolerar as falcatruas denunciadas nos conluios dos políticos com os que se apresentam como detentores de “expertises” na arte de burlar o Erário, ou aceitaremos por normais os trambiques dos políticos com seus patrocinadores.


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

Um comentário:

Sueli Soares, professora e advogada. disse...

Boa noite, querido Luiz!

Enquanto leio, vou lembrando dos anglicismos que você cita e meu saudoso pai tanto odiava. Por preguiça ou pobreza cresceu assustadoramente o uso de neologismos na nossa "pátria amada". Acho que empreendedorismo é alguma doença que só afeta os empreendedoristas e o empoderamento está atribuindo poderes ilimitados, como epidemia. Não se assuste, se amanhã ouvir um doutor em finanças soltar um sonoro "erário público, às margens" do Rio de Janeiro.