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domingo, setembro 17, 2017

Versos e vida


Versos e vida


Certa vez, famoso político local convidou a Goiânia a fina-flor (?) de seu partido e, numa festança badalada nos salões do mais festejado hotel da cidade, lançou um livro, sob tema político, engalando as ações de seu partido e banalizando os adversários e as ideias que não se alinhavam nas propostas (eles dizem “programa”) da sua agremiação.

Em dado momento – e sequer considerando um grande número de escritores, especialmente poetas, na plateia – dirigiu-se ao “elenco” (políticos e economistas inventaram até um verbo, elencar, para significar “fazer lista de qualquer coisa”) dos “cartolas” dos votos e das vis promessas, como que os consultando:

– Digam-me os senhores, será que eu faço algo de importante, mas algo realmente muito importante, ou estou aqui repetindo o que fazem os escritores e os poetas, apenas lançando um livrinho comum?

Bom, é claro que eu estava lá. Sentava-me entre dois poetas que gostavam de receber os perdigotos dos políticos, desde que, com o “spray” da baba, conseguissem alguma verbinha (insignificante para os políticos, mas expressivas para os baba-ovos, como salários elevados em troca de pouco trabalho e viagens por alhures, sem que sua economia doméstica ficasse combalida).

Recentemente, presenciei um profissional coleguinha (jornalista, para quem não me conhece) entrevistando um figurão em voga – inevitavelmente, um político desses que, nos últimos dias, vemos “elencado” entre os oportunistas sem escrúpulos que assoreiam os gabinetes e comprometem os filões das medidas que solucionariam os problemas sociais e permitiriam melhor qualidade de vida para a ignara massa votante.

Incrível! Lembrei-me de Chico Anísio, num tempo em que ele fazia comentários aos domingos, no Fantástico. O governo resolveu sobretaxar os produtos considerados supérfluos e Chico, na sabedoria que fez dele o mais notável dos nossos humoristas, deixou bem claro que os cosméticos, as bebidas “de espírito” (uísque, pinga, cerveja e congêneres) não eram supérfluos para as famílias dos trabalhadores que viviam da produção agrícola que subsidiava a indústria, nem para as dos empregados nos transportes, nem para os comerciantes etc. – e teceu outros exemplos assemelhados.

Volto à entrevista com o “notável” escroque que já está entre os alvos da Operação Lava Jato (devia ser Lava-a-Jato, uai!). Em dado momento, o entrevistado chegou a qualificar como sem utilidades coisas como a preocupação com a Educação e, ainda mais, com as coisas da Cultura.

Parei para pensar e analisar, e não consegui evitar a analogia com o nosso deputado-escritor que receava “repetir os escritores” porque fizeram um livro que poderia ser “desimportante” como os livros que nós, poetas e ficcionistas, fazemos “à mão cheia”.

Ora, ora... Já produzi mais de vinte livros “inúteis”, já estimulei dezenas de novos escritores, já promovi incontáveis poetas e amo por demais gastar meu tempo curtindo e aplaudindo os coleguinhas músicos – instrumentistas, cantores, compositores, arranjadores – em suas ações.

Ou seja, eu sou um produtor de inutilidades e aplaudo, com força de músculos e alegrias de coração, as inutilidades em cores e formas, sejam em telas ou esculturas, aprecio sentir qualidades em textos de teatro e cinema, de novelas e xous – essas inutilidades que fazem de nós seres diferentes dos irmãos ditos irracionais, mas também filhos do Pai Criador.

Tenho respeito por alguns políticos, sim! Há trigo nesse joio... Mas antes e sobretudo, são coisas “inúteis” que fazem de nós, produtores e fazedores de arte, diferentes deles – esses políticos tão úteis e, agora, enquadrados entre os que, no tempo certo, verão o sol nascer xadrez.


*****


Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

6 comentários:

Beth Moiana disse...

Adoro suas "inutilidades"...

Carmem Gomes, escritora. disse...

Na verdade existe o anseio da sociedade por estas "inutilidades". Ė o que a faz respirar e lhe dá forças para separar o pouco trigo do meio de tanto joio existente nesse meio de "utilidades". Bela crônica, poeta!

Sueli Soares disse...

Sueli Soares, professora e advogada. disse...



Bom dia, poeta!

É sempre com renovado prazer que a cada semana leio suas crônicas. A "inutilidade" de hoje bate e não volta sobre a cabeça dos que conseguem interpretar um dos significados atribuídos ao termo popular "dar prego sem estopa". A velocidade com a qual as informações nos chegam, torna mais fácil separar o joio e o trigo, notada a olhos nus a escassez deste. Ontem, como faço todos os anos, visitei a Art Rio e constatei que as "inutilidades" lá expostas despertam a atenção de brasileiros pensantes, ausentes políticos.

17 de set de 2017 11:03:00

Zanilda Freitas, poetisa disse...

Infelizmente, os verdadeiramente inúteis são os que deveriam ser úteis para a nação, promovendo a cultura, a educação, a saúde e a segurança do povo brasileiro, mas já tivemos até presidente raspando no analfabetismo, fazer o quê? Parabéns pela sua excelente crônica, poeta!

José Fernandes (crítico literário, poeta, ex-presidente da AGL). disse...

Beleza de crônica, meu caro amigo e confrade, Luiz De Aquino Alves Neto!

Márcia Ferreira disse...

Adorei Versos e vida. Vi você atingindo um profundidade difícil de se encontrar nesta época de futilidades em mensagens que competem superficialidades. Parabéns.