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domingo, julho 29, 2018

Mundos Paralelos







Memórias de dois mundos


(Texto de apresentação para o livro
Mundos Paralelos
que saiu do prelo na últim
quinta-feira, 19/07/18, pela Kelps Editora).



Sei de mim, ou por mim, como a vida nos é servida em ciclos, em fases que atravessamos em seu próprio tempo. Minha infância foi povoada de feitos mil, aliás, os feitos possíveis numa minúscula cidade do interior de Goiás. Minhas lembranças remontam ao final da década de 1940, a época em que me tornei estudante para ser alfabetizado no colo da professora. E nunca me esqueci de muitos fatos – mas as contações orais de histórias nas noites, na rabeira dos borralhos, esses saraus marcam fortemente minha memória.

Vem de longe o meu gosto pela leitura e pelas canções. Esses gostares, aliados aos saraus a que me referi, são as bases do homem maduro que me tornei e acredito mesmo que posso ser, num futuro mediano, um velho contador de causos. Sim, um velho (daqui a alguns anos), porque contador de causos já o sou e isso se arrasta por um bom tempo.


Pois foi esta minha faceta que me prendeu a uma das histórias contadas, nas páginas das mídias sociais da Internet, por Bete França Jufer. Ela narra com candidez e ternura histórias de suas lembranças, coisas de uma jovem capital bucólica, uma Goiânia que, no decurso de sua infância e adolescência, marcava pouco mais de 20 anos desde a escolha do sítio onde se concretizou.

Bete França, feito moça, casou-se com Hanz e se tornou cidadã suíça. Gerou três filhos e, já iniciada no requintado ciclo do avonato, associou predicados ao aprendizado em casa e na escola, os bons exemplos dos pais professores, a experiência de mãe e mestra em terra nova-pátria para desaguar toda essa afluência num novo ofício – o da escrita em narrativas adoráveis!

Costumo dizer que só se é bom cronista quem tem a competência de “temperar” a narrativa com pitadas de poesia. E poesia, no caso, não se resume à forma, mas sim à essência do texto. Poesia, num conceito melhor elaborado, é a alma das artes – e dos feitos humanos. Bete Jufer é escritora de bom fôlego e refinado talento – isso o leitor descobrirá em pouco, mal inicie a leitura deste Mundos Paralelos. Ela sabe bem dar ao texto de suas narrativas os toques suaves da essência, como o alecrim nos assados ou o ponto ideal das ervas finas no bom molho.

As lembranças da vida nos anos de 50 e 60 (essas referências, em todo o livro, remontam, obviamente, ao século passado) unem-se às vivências e observações da autora ao ambiente de sua vida nos últimos 30 e poucos anos – as montanhas e bosques da Suíça, inevitavelmente pontilhados de gente: um povo de muitas marcas admiráveis por sua história, sua cultura variada e bela, seus costumes saudavelmente amadurecidos e que hão de nos servir de exemplos.

Estes aspectos, que me encantaram, hão de agradar também os leitores – entre os quais, eu sei, estarão amigos de infância e de juventude da autora, bem como os familiares... Enfim, os goianienses, nativos ou adventícios, que viveram a nossa cidade daqueles tempos de Cine Goiânia, Jóquei Clube, Rua 8, Ateneu e Liceu, Campinas e Setor Oeste, Instituto França e IEG... Ora, um emaranhado de locais e fatos que constituem a nossa saudade.

Da saudade, aprendi ainda moço, devemos extrair o que é bom – o que dói, há de permanecer nos umbrais dos arquivos a serem esquecidos.

Orgulha-me ter sido dos primeiros entre os privilegiados, isto é, os que puderam conhecer antecipadamente estas narrativas de Bete França Jufer. Obrigado, Bete! Você é bem-vinda a este mundo de escribas sonhadores, de saudosistas conscientes – e felizes!


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Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.

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