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domingo, dezembro 30, 2018

Escola para o futuro




Educação inovadora



Desde os turbulentos e plúmbeos anos de 1970, quando me expurgaram das lides do magistério, voltei-me para duas ocupações que, cada uma em suas peculiaridades, supriram em mim o frustrado sonho de infância de dedicar-me ao ensino: a literatura e o jornalismo. Articulista e cronista em periódicos desde 1967, não foi difícil absorver a prática da coleta de dados e fatos, da redação, do copidesque e da revisão (hoje, totalmente em desuso – e o resultado é a péssima qualidade dos textos que nos ferem olhos e ouvidos), além da fotografia e da diagramação.

Uns tempos antes da minha estreia em livro, há exatos quarenta anos, eu já retornara às escolas. Não como professor, mas como convidado para discorrer sobre literatura e, com o passar do tempo, sobre vários outros temas que, indiscutivelmente, se inserem no complexo da formação dos cidadãos.

Há três anos, arrisquei: voltei às salas de aulas como professor. Senti-me motivado e empolgado, mas esbarrei em limitações do meu intrínseco equipamento de comunicação: meus ouvidos não colaboraram e desisti do retorno.

Refiro-me ao Colégio Vicare, em Hidrolândia, iniciativa arrojada dos meus queridos amigos Sirlene Gonçalves Xavier e Luiz Fernando Martins. A nova escola surgiu como uma súbita ilha vulcânica no mar bucólico da cidadezinha simples e acolhedora em que resolvi morar. O colégio surgiu com equipamentos de alta tecnologia, de modo tal que seus alunos, em era de informática, se sentem bem ambientados.

Periodicamente retorno à escola e sempre sou surpreendido com excelentes novidades. Da vez imediatamente anterior, Sirlene mostrou-me uma novidade: adotou-se ali a prática da Meditação, num empenho inusitado em Goiás, caminhando para nivelar o Vicare a escolas do mesmo nível de países de ponta, como França, Estados Unidos, Portugal e tantos mais.

Desta vez, a diretora do colégio conta que os petizes (gosto de palavras em desuso, sim) têm envolvido seus pais, ensinando-os a meditar, também. E esses pais narram o novo vocabulário dos pequeninos (de pré-escola e primeiros anos do Fundamental): “Eles repetem as minhas palavras para os pais”, emociona-se a professora e psicóloga Sirlene.

Na sequência, ela me conta da adoção do Método Construtivista como ferramenta pedagógica. Parte-se do princípio da interação, ou seja, o aluno não é uma caixinha vazia em que serão colocados conhecimentos. Ele já traz consigo o aprendizado de casa e de sua comunidade, portanto o aprendizado se dá em dois caminhos. Muito do que o professor teria a ensinar o aluno já sabe e o procedimento é, pois, como uma troca, envolvendo aluno e professor e os demais alunos.

Em suma, é uma prática em que não se passa conhecimento, apenas – troca-se. O propósito é, enfim, ensinar e aprender a aprender. O professor não é, simplesmente, aquele que ensina, mas um mediador do conhecimento nas ações de interação dos alunos. Trata-se de uma filosofia de ensino inspirada no educador Jean Piaget (1896/1980).

A argentina Emília Ferreiro, obteve, em 1971, em Genebra, sob orientação do próprio Piaget, seu título de PhD em Educação e, de volta à Argentina, publicou o livro Psicogênese da Língua Escrita, em parceria com Ana Teberosky, defendendo que “a aprendizagem se dá através do todo para as partes e que cada criança aprende em seu tempo”.

Após a visita, e pelo fato de Sirlene haver citado Rubem Alves (1933/2014) e seu livro “A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir”, fui à minha estante. Ali estava o livro, editado em 2001 (devidamente dedicado a mim, em autógrafo de R.A.); nele, o mineiro de Boa Esperança (que viveu em Campinas, SP, até o fim de seus dias), discorre sobre a Escola da Ponte. Desse livro, de apenas 120 páginas, extraí referências para um trabalho de pós-graduação, nos primeiros anos da década passada. Claro, claro... comecei a relê-lo (gosto muito de releituras e de “dialogar” com as anotações que fiz na primeira leitura).

Emociona-me, também, ver o Vicare firmar-se em tão pouco tempo, marcar-se nesse empenho pela elevação da qualidade de ensino. Uma cidade como Hidrolândia, berço do cantor, instrumentista e compositor Ton Zêra, e dos escritores José Mendonça Teles e Marieta Teles Machado, poderá despontar-se, num futuro breve, como polo de boa educação, a despeito do empenho oficial em substituir escolas regulares por estabelecimentos sob gestão da Polícia Militar.

Entendo que tal medida é uma confissão de fracasso das autoridades que transferem escolas da tutela da Secretaria da Educação para os comandos policiais. Em lugar da militarização (fala-se que a mais tradicional escola de Hidrolândia será entregue à PM nos próximos meses), as autoridades têm o dever de investir com dedicação no sistema público civil de ensino.

Mas o que esperar de um prefeito que mandou encaixotar os livros da Biblioteca Marieta Teles Machado? E a população sequer lhe cobrou isso.

Bem! As dores morais ante o descaso das autoridades constituídas e a militarização do ensino em detrimento do estímulo à crítica e ao conhecimento amplo sem limites são compensados, em mim, pelas notícias sempre alvissareiras que me chegam do Vicare.

Ainda bem!


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Luiz de Aquino é escritor, membro da Academia Goiana de Letras.


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