Como conviver com o título de
Patrimônio da
Humanidade?
Ao longo de 56 anos de jornalismo, convivi com fatos antagônicos que rendiam algumas edições dos jornais, com as inevitáveis manifestações da chamada opinião pública. O bom senso profissional sempre nos recomendava o acompanhamento racional dos fatos, num trabalho exaustivo de remover o joio que comprometia o trigo. É que, em jornalismo, existem também os profissionais que amam fomentar polêmicas – e até mesmo inventar fatos para adubá-las ou fermentá-las.
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Esse
movimento sobre o risco de a Cidade de Goiás perder o título de Patrimônio da
Humanidade cutuca uma preocupação de todos nós, goianos (tanto os de nascimento
quanto os de escolha).
Não
é a primeira vez que grupos tradicionalistas da Cidade de Goiás manifestam esse
receio – e entendo respeitável tal preocupação. Porém, é sempre indispensável
fuçarmos um pouco nas ações, nas conversas e nas intenções de tais pessoas,
haja vista a motivação pessoal ou de grupo – de cunho material ou patrimonial –que descamba para os ciúmes mais que ideológicos, os ciúmes das tradicionais
oligarquias.
Vejo
agora, nesta manhã de 22 de setembro (2023), matéria do Jornal Opção
(https://www.jornalopcao.com.br/goias/iphan-reafirma-que-cidade-de-goias-pode-perder-titulo-de-patrimonio-cultural-532553/)
em que se consultaram pessoas selecionadas para questionar a tal legislação
emergencial da Prefeitura de Goiás que visa a enfrentar e regularizar
condomínios já existentes e já funcionais. O título outorgado pela Unesco custou
muito trabalho, lutas, esforços pessoais com inegáveis sacrifícios (impossível
não recordar Brasilete Caiado), o que nos convence de que ninguém quer o
cancelamento do título.
Em
meio à grita que se avolumou, encontro um texto do arquiteto e urbanista
Walfredo Oliveira:
"Devagar
com esse andor. Existem inúmeros casos de cidades históricas ao redor do mundo,
cuja expansão se houve de modo mais contemporâneo ou atual. Marrakech, com a
parte histórica ora destruída, é um destes casos. Como os proprietários de
imóveis na parte tradicional da cidade são em menor número, talvez possa ser
produtivo planejar uma expansão para abrigar pessoas até com interesse nas
atividades turísticas, que não consigam habitar o centro histórico. A posição
logística do Município, espécie de portal do fértil vale do Araguaia, também
região de extensas pastagens, pode motivar o assentamento de moradores, digamos
assim, mais modernos. O meio do caminho parece razoável: basta criar taxas mais
altas para a expansão e/ou instituir um sistema de subsídios cruzados, em que
um sobrepreço dos novos imóveis, pudesse subsidiar a reforma e manutenção da
parte tradicional. Me desculpem, mas parece inconveniente ou impossível tratar
um centro urbano, mesmo que tombado, como uma espécie de museu".
Estranhei
o fato de o Jornal Opção não ter ouvido opiniões contrárias a esse movimento –
ou elas não existem? Parece que se preferiu escolher pessoas afinadas com o
pensamento dos conservadores vila-boenses, certamente viventes ou proprietários
no centro histórico. Acredito nos argumentos de Walfredo Oliveira. Afinal,
nenhuma cidade Patrimônio da Humanidade deve ser congelada, vetando
assim seu crescimento e, inevitavelmente, as ações da gestão municipal com
vistas a harmonizar as relações dos antigos moradores com as novas paisagens
urbanas dos adventícios, bem como do fluxo turístico inevitável, posto que
milhões de brasileiros querem conhecer "a terra de Cora Coralina" e
saber de um Patrimônio da Humanidade que expressa a história
social, política e artística do Centro-Oeste brasileiro.
Noutra
matéria, de 21 de setembro, o JO noticia que o prefeito Aderson Gouveia (https://www.jornalopcao.com.br/goias/prefeito-suspende-lei-que-beneficia-condominios-ilegais-na-cidade-de-goias-ambientalistas-seguem-pedindo-revogacao-532477/) suspendeu os
procedimentos da Lei Complementar n° 7, para novos estudos e discussões acerca
do tema, numa demonstração de boa vontade.
Aguardemos.
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Luiz de Aquino é membro da União Brasileira de Escritores de Goiás e da Academia Goiana de Letras. |
Um comentário:
Gostei do seu posicionamento analisando de forma ampla, sem preconceitos e mostrando que o assunto requer uma visão e posicionamentos visando os dois lados, sem prejuízos de algum.
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