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domingo, setembro 23, 2007

A semana, todo dia



Pouco importa, a mim, o quanto dura uma semana. Dizem que sete dias, mas que esse tempo foi o que consumiu o Criador na elaboração do mundo, de modo a fazê-lo habitat dos bichos e das plantas. E, nele, fez morar o bicho homem, sapiens desde sempre, como querem alguns religiosos, mas estúpido o bastante para não cuidar, como devia, de sua casinha.

O mundo é a casa do homem. O mundo, este nosso, a Terra, casa das águas doces e salgadas, dos gelos polares e dos cumes dos morros, morada dos vegetais indefesos e dos bichos, uns agressivos o bastante para ameaçar os menos ágeis; e o homem, ágil o bastante para se safar, mas sem a inteligência intuitiva que preserva tudo aquilo de que pode vir a precisar, um dia.

"Trinta poetas declamam / porque é segunda / e é Leblon. // Trinta outros de nós, não poetas, / comportadamente ouvimos bossa / e é Leblon".

Não sei quanto dura uma lua, porque os conceitos confundem-me. Uma lua é uma fase, ou o conjunto das quatro? Ou uma noite, apenas? Fui ao Rio ver os livros numa feira bienal. Ouvi falas poéticas, conversas de filosofia, grosserias de vendedores entediados; levei empurrões de meninos colegiais, vi um carro, ainda novo, caído e perdido total no aterro ao lado da ponte, na Barra, dois cadáveres e uma criança atônita ante a morte. Indiferente, o mar batia ondas na areia feito lavadeiras em beira de pedra de rios límpidos.

Era uma lua no céu, crescente em véu de névoa pálida a me negar o azul. Eram trinta os poetas no Leblon; eram trinta os ouvintes de Irinéia, amiga de Lília, minha irmã honorária. Montes escuros moldurados de clarão esparso, Redentor a nos dar bênçãos... Será? E as balas perdidas (ou achadas)? Não as vi, não as ouvi. Como sempre. Graças!

"No Rio, a semana estende-se / para além dos domingos. / Não são trinta apenas, os dias. // Só é semana de música. / E de poesia, porque é Rio / e é Leblon".

Trinta horas de poesia, trinta dias de sonhos, trinta ouvintes cantantes perplexos porque não se pode filosofar em português popular. Será? Não...

Letras e letras, ai! Quantas? Para quê? Disse Monteiro Lobato que "um país se faz de homens e livros". Mas com que livros se faz uma nação? Livros de fórmulas culinárias? Mezinhas (com Z, sim) medicamentosas ensinadas pelas avós dos nossos mais velhos? Livros de nos elevar a auto-estima, desses que exaltam nossos prováveis predicados? Ou contações levianas de histórias duvidosas, de caminhantes errantes a brincar de heremitas ou andarilhos abençoados?

Certo é que não... Livro de sabedoria, diria o Jávier Godinho (e havia leitores a escrever-lhe pedindo o nome desse livro, tsc, tsc... Jávier, pacientemente, respondia que não falava de um livro especificamente, mas de qualquer livro que contivesse bons ensinamentos).

Semana bendita, esta; semana de não sei que dias tantos, mas um período de contatos e visitas, vistas e bênçãos de música e poemas cheios, todos eles, de boa poesia. Versos ouvidos em silêncio, versos concebidos no estertor das multidões incertas, no burburinho dos camelôs e passantes ligeiros em busca da vida, seja lá qual for o compromisso que pede pressa...

E aí, então, entendo a frase do homem de gris à minha frente, no banco: "Por que velho tem pressa? Temos todo o tempo que queríamos ter quando moços. Bom mesmo é

esperar, ouvir, pensar... E aprender. Se não aprendermos, morremos".


É verdade... Tenho algumas semanas para entender isso aí.

14 comentários:

Madalena Barranco disse...

Ah, Luiz, eu havia acabado de entrar no seu blog em busca do crônica da semana, quando chegou seu e-mail! Aí, comecei a ler e senti o cheirinho do mar misturado à doçura de um rochedo que ousa ser Pão de Açúcar, ouvi os passos apressados das pessoas pelos corredores da bienal e das páginas dos livros virando histórias e de repente... Você parou à minha frente. Você estava alvoroçado, mas feliz por estar na bienal, para depois fazer o que gosta mais: escrever contando tudo para seus leitores. Beijos.

Saramar disse...

Que beleza, Luiz (e, confesso, inveja , mas boa).
Essa sensibilidade que você coloca em tudo que relata provoca muita emoção.
O bom dos poetas é saber sempre provocar a beleza em tudo o que escrevem.

beijos, boa semana para você.

Unknown disse...

Belo texto , Luiz, escrito com a alma. Momento perfeito de lirismo e reflexão. É sempre preciso navegar, como disse Fernando Pessoa, já que viver é de uma imprecisão danada.
Bom dia!
Chico Perna
Goiânia - GO

andrea augusto - angelblue83 disse...

Tá de brincadeira que vc veio ao RJ, foi a Bienal e não me ligouuuu, me avisou, nada?????? Fala sério!!!
Tô de mal com vc, viu? :(

bjimm

Anônimo disse...

Que bom ler a tua crônica, como sempre ótima, e saber que pra você (como pra mim) o Rio continua lindo e que a ida a show foi também igualmente curtida. Perdi mais esta Bienal, mas a tua descrição é tão exata que parece que eu estava lá. Ano que vem não perco e quero ir com você. Beijoca, irmão. Lília

Anônimo disse...

me mande um e-mail nairte@gmail.com...

Anônimo disse...

Oi, Luiz, muito bom ler e viver na leitura tudo o que você passa. No momento,feito pássaro preso na gaiola, consegui viajar ao seu lado e perceber como a vida é maravilhosa. Beijos.
Lidia Magarão.

Anônimo disse...

Amigo Luiz (com z) de Aquino.
Sabe, amigo, sou carioca da gema, mas por causa de tanta violência resolvi vir morar em Cabo Frio.Cidade Linda também,aliás de toda a região dos lagos, a minha preferida.
Hoje, lendo a sua crônica, me bateu uma saudade incrível da maravilhosa cidade em que nasci,lá realmente não dá para se contar os dias,as luas,não dá para se ouvir barulhos de balas perdidas ou achadas,não dá para ver somente as coisas erradas, o melhor mesmo para quem visita o meu querido Rio de janeiro é sentar,pensar,sentir,sonhar,viver,para não morrer.
Um grande abraço e muito obrigada por gostar do Rio de Janeiro.

Anônimo disse...

Cada dia mais poeta; simplesmente maravilhoso! Você me fez relembrar o Rio e Goiania, quando estive nessa bonita cidade a passeio. Parabéns!

Sinvaline disse...

Olá amigo, isso é um olhar poeticamente falando...

bjs
sinvaline

Anônimo disse...

belo blog! leremos com mais cuidado e tempo...
visitem-nos em www.poesiavertigem.blogspot.com
comentem sorriam e movimentem...

Anônimo disse...

Luiz...

Nenhum retrato seria mais perfeito dessa minha tão imperfeita Cidade Maravilhosa...
Nascer e viver, onde o Mundo inteiro faz turismo, faz com que vejamos o que as lentes sedentas de pontos turísticos, não alcançam.
Nem tudo é Maravilhoso...
Excetuando o Leblon. claro...rs

Saudações da carioca da gema.
Da clara.
Do ovo inteiro!

Soraya

Anônimo disse...

Eu odeio o Rio de Janeiro e tudo o que se relaciona a ele. Cidadezinha imunda, imoral, violenta ao extremo, população idiota, burra, imbecil. Moro aqui por obrigação de trabalho mas tenho certeza que um dia conseguirei me mandar para Cabo Frio, esta sim é uma cidade decente.

Luiz de Aquino disse...

Ah, Anônimo! Bem podia ter dito quem é você; é bom a gente se expor quando tece críticas severas (eu, pelo menos, não aceito passar por anônimo em circunstância nenhuma). Bem, é um direito seu não gostar do
Rio ou de qualquer outro lugar; eu gosto, apesar de todos os defeitos e de todos os problemas, que os vejo até mesmo nas mais bucólicas corrutelas. Gente burra? Onde não existe gente burra? Moral? Isso é muito relativo. Acho que não moraria mais no Rio (sou goiano e tive de retornar à minha terrinha), mas sempre que posso corro ao Rio para ver a paisagem, os amigos, ouvir o som da cidade. Graças a Deus, não ouvi (nem quero) tiroteios (e eles existem aqui em Goiânia, também).