
Dores, Caldas Novas, Goiás.
Janela para o ontem
Na mocidade, era aquilo de esperar a noite apurar o tom mais escuro: prenúncio da autora. E esperar, com os olhos densos de madrugada, a barra do horizonte ganhar tons de garra e mistério ante que a luz abortasse o dia. Então, era só caminhar com passos tensos para casa, na ânsia do sono ao travesseiro de conforto irresponsável e bom. A isso, chamávamos pegar o sol com a mão.
Que gosto, aquele! Uma noite inteira entre poucos amigos, todos na mesma faixa de idade. Ou imaturidade. Namoro ingênuo em caminhadas vagas em torno do jardim da praça... Se o namoro já se consolidava, deixávamos nossa beleza menina num banco de jardim a contemplar a lua a imaginar nosso romance incomparável.... Ah! Nessa idade, todos os romances são incomparáveis, desde que seja nosso.
A praça esvaziava-se por completo antes que fosse dez horas. Os pais da época eram brabos e exigentes, as moças deveriam se casara donzelas e jamais confessariam ter experimentado contato com “as coisas dos homens” senão enquanto dançavam um bolero caliente com um “namorado firme”, e desde que não houvesse por perto pai, mãe ou irmão. Era o tempo em que os primogênitos nasciam “de sete meses”, medindo mais de cinqüenta centímetros. Tempo de moços ingênuos, quando beijo na boca não era vulgar, ainda. Tempo em que não se depilavam os púbis e calcinhas e sutiãs eram chamados de peças íntimas.
Saudosista, de novo, dir-me-á Fleuri Viegas. Coisas dos dias, estes últimos do ano; coisas dos dias, estes que me acometem após a marca dos sessenta anos. Sou dos que ainda se atrevem a cometer mesóclises, mas sei que só o faço porque burlo a vigilância indevida dos revisores radicais e futuristas. Afinal, estou falando de passado, uai!
Final de tarde em horário de verão tem sabor de sol rascante, como os banhos de córrego na infância. Da infância, vem-me Celso Cunha Bastos e revivemos meninice entre goles suaves de vinho e pasta, dividindo lembranças com análises de Wilson, mais moço que nós. Afinal, é fim de ano. Há quantos anos não banho o corpo em cursos dágua? Córrego, riacho, cachoeira, poço... Nem nas ondas atlânticas salgadas. Criei em mim uma paranóia por conta da poluição; incomodam-me os odores no ar e as cores das águas. As calçadas das ruas contaminaram-se de cocô de cachorro, tomei nojo dos sapatos. Aplausos ao pôr do sol, em
Ipanema, Rio de Janeiro, 29/12/2007.
Há quantos anos não pego o sol com a mão? Isso me fazia bem, tanto no Arpoador, no Rio, quanto no Morro do Frota,
Pirenópolis, Goiás, beijada nas
duas margens do Rio das Almas.
Perdão: qualquer horizonte, do alto, tem lampejos de feitiço e alegria! Adoro olhar o horizonte de cima para baixo.
Sol nascente... Nome de bairro muitos anos não vejo o sol nascer; e, das últimas vezes, vi-o no modo inverso: era o dia ao começo, e não a noite ao fim. Agora, acordo tarde: prefiro dormir quando a madrugada vai a meio. Acordo, olho com tristeza minhas paredes que carecem tinta nova; vislumbro as molduras como quem olha o ontem. “Como dói”, definiu Drummond ante o retrato de Itabira. Evoco meu poema:
Instantâneo
É assim: imagino cenas,
mudo-te em mim
e tenho saudade do futuro.
Saudade mesmo? A esta altura da vida e do calendário, o futuro tem sido sempre previsível. Mas, enfim, e para não fugir aos costumes, deixo beijos de alegria e fé nas mãos dos que constroem e nos pés dos que já não caminham: Feliz 2008, Humanidade!