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domingo, março 02, 2008

Será falta de jeito?

Veiga, Rosa e os prefácios

Nas décadas de 60 a 80 do século passado, um jornalista destacava-se, em Goiânia, pelos textos impecáveis de artigos, crônicas e reportagens: Anatole Ramos. Tal como Carmo Bernardes e João Bennio, era desses goianos nascidos em Minas Gerais e trazia na essência, além dessa facilidade de estar em Goiânia, uma diversificada bagagem cultural.

Nascido na década de 20, sargento especialista da Aeronáutica, foi mobilizado pela Força Expedicionária Brasileira e mandado à Itália. Costumava dizer que era um falso combatente, pois jamais deu um tiro sequer naqueles combates. Mas não escondia que era um dos que municiava os aviões-caça de tantas glórias.

A FEB foi extinta antes mesmo que os pracinhas desembarcassem no Brasil. E, na mesma medida, ou numa outra emitida em data igual ou muito próxima, o governo agonizante de Getúlio Vargas forçou a baixa das fileiras de todos os sargentos com menos de nove anos de caserna. Entre eles, Anatole Ramos. Mas Getúlio não deixaria a sargentada na rua. Não era à toa que o chamavam o "pai dos pobres". Assim, os militares dispensados foram absorvidos em ministérios, autarquias e empresas públicas federais. Anatole Ramos escolheu (ou foi designado para) os correios.

Foi assim que veio parar em Goiás: transferido. Encontrou uma Goiânia ainda bucólica, com cerca de 200 mil habitantes. Formou-se em Direito e Letras Vernáculas e faltava-lhe um quase-nada para graduar-se também em jornalismo, mas deu-se conta de que estava se aposentando: "Formar-me em jornalismo para quê? Já sou jornalista". E dos bons. Dos ótimos!

Mas não era só. Perambulava pelos textos com uma impecável maestria e, na minha opinião, era na crônica que ele "nadava de braçada". Como crítico literário, era único. Justamente por isso, era o guru de todo candidato a escritor nesta terrinha. Foi campeão goiano de prefácios enquanto viveu (faleceu em 16 de abril de 1994, por conta de complicações causadas pelo diabetes). Até eu mereci dele um prefácio e vários outros textos críticos que muito me orientaram (e corrigiram), estimulando-me sempre. Num desses prefácios, justamente para Cora Coralina, ele escreveu que o autor pede um prefácio imaginando que o escriba convidado lhe enriquece a obra, mas o prefaciador desfruta, ele sim, de uma carona na obra alheia.

Conto isso tudo para recordar, homenageando, o homem rico do Bairro Feliz. Não, não... Ele não era rico de dinheiro, mas tinha por fortuna essa qualidade incomum entre os bem-nascidos: a competência para bem orientar e, assim, construir amigos e admiradores. Jamais deixou sem resposta um leitor que lhe escrevesse; jamais deixou sem ajuda um escriba incipiente que o procurasse. Era o nosso grande padrinho literário.

Sempre que ouço falar em prefácios, recordo Anatole. E, a ele, junto outro grande amigo que se foi, também, para a "mansão dos bem-aventurados": José J. Veiga. Qualquer leitor de Veiga sabe que seus livros não têm prefácios. E ele não escrevia prefácios para ninguém: "Não gosto de prefácios", disse-me ele, e exemplificou com uma história sua mesmo:

– Mostrei ao João Guimarães Rosa os originais de "Cavalinhos (de Platiplantos)"; ele demorou a me devolver. E eu pensava no que dizer, caso ele me trouxesse um prefácio. Mas isso não se deu, pois, ao me devolver as folhas datilografadas, João me disse: "Demorei porque fiquei com receio de que me pedisse um prefácio, e eu não gosto de prefácios".

Nós, os que já palmilhamos alguns trechos na senda das letras, somos sempre procurados para escrever prefácios, orelhas e quaisquer outros comentários. Eu tento fugir dessas obrigas, pois não me sinto com autoridade para discorrer sobre obra alheia. Prefiro, sim, comentar como leitor comum. Mas tenho amigos de letras que se arrepiam e têm urticárias emocionais quando um novato se aproxima com o pedido (muitas vezes, sem proximidade para tanto):

– "Prefaceia" meu livro...

7 comentários:

Mara Narciso disse...

O prefácio, leigamente falando, é a apresentação da obra. Para quem já é consagrado( um dia não era), a dispensa do comentário é possível, mas para um iniciante, mesmo incomodando os famosos, não tem como dispensá-lo.

Anônimo disse...

É, eu gosto de prefácios.
E também gosto de orelhas, lombadas quadradas...

Vejo o prefácio sempre como um presente, que se dá, não se pede. Mas quem hoje dia dá, sem que se peça? Poucos e raros.

Quanto a Letrados com urticárias à pedidos de novatos, muito me entristece saber. Pois este, hoje, Letrado, um dia foi novato, ou algum nasceu pronto e recitou invés de chorar?

E há muitos bons novatos!
Talvez melhores novatos, do que foram ontem, os que hoje do alto de seus pedestais, lhes prefaceiam, ou se coçam...

Ahhh, Letrados, Renomados ou nem tanto...
Como ansiaram, e se envaideceram – estes "desmemoriados" – por um prefácio...
Quantas vezes insinuou seu desejo, o que hoje em dia se faz mais descaradamente?

Se a obra merece, Caríssimo ou Excelentíssimo ou Digníssimo Letrado, prefaceia, vai.

Quem sabe este livro novato, faça alguns leitores se recordarem de que você não jaz, ou gere a curiosidade de conhecer a sua obra através da dele...

Saudações editoriais.

Soraya Vieira

Anônimo disse...

Se não tenho os pés, pra que quero os sapatos?
Se não não tenho livros, pra que prefácio?
Voce mesmo disse um dia: " Quem faz o prefácio pega carona com o escrtitor"

Anônimo disse...

É, em quase todas as situações, o novato é discriminado e na maioria das vezes excluído.
conheço pessoas extremamente talentosas, sofrendo discriminações e pré-conceitos e foro do mercado de trabalho pelo fato de ser novato. Pode?
país ingrato este não?
exclui os novatos e abandona os mais velhos, os idosos.
quanto ao assunto prefácio, para que serve?
para nos convencer de que a obra vale a pena?

Abraço a todos.

Netum disse...

e vá se preparando meu amigo poeta ... um dia se vier a lançar um livro de charges e cartuns ... certamente vou querer um seu heheheeh

Anônimo disse...

PREFÁCIOS SÃO IMPORTANTES

As opiniões nem sempre são conforme ao que se espera delas. Como leitor constante do escritor e poeta Luiz de Aquino, vez por outra comento seus textos e quase sempre os elogio, pois pensamos com afinidade e sintonia. Desta vez, no entanto, sou forçado a discordar inteiramente de crônica “Veiga, Rosa e os prefácios”, publicada domingo no DM.
O prefácio é importante em um livro, pois se trata da diversidade de conceitos e opiniões. Quando um escritor “novato” (não entendo o que a crônica quis dizer com isso) pede um prefácio a quem se acha veterano, não está à procura de palavras açucaradas e nem de elogios à sua obra. Ele quer, sim, uma opinião nova sobre o que escreveu, muitas vezes no intuito de evoluir e, futuramente, compor uma obra melhor.
Não sei quanto à aversão de Guimarães Rosa no que concerne a prefácios, porém de José J. Veiga tenho autoridade para falar. Quando lancei meu livro “Travessia”, vencedor da extinta Bolsa de Publicações Cora Coralina, no ano 2000, publiquei junto um prefácio de Veiga.
Obtive esse preâmbulo da obra por acaso e sem pedir nada a ele. Foi o seguinte. Quanto ele veio pela última vez a Goiás, visitou Pirenópolis, ocasião em que o conheci e lhe dei carona até a vizinha Corumbá, onde lhe prestaram justa homenagem. Nesse trajeto, contei-lhe que havia escrito uma novela sertaneja e ele pediu para ler. Depois que foi embora para o Rio de Janeiro, levando na bagagem meus originais inéditos, escreveu-me espontaneamente um prefácio pouco elogioso da obra, onde apontou erros e sugeriu modificações. E eu publiquei na íntegra seu texto.
Desta forma, quem pensar da crônica do Aquino? Ou José J. Veiga abriu uma imensa exceção a mim, pessoa que nem conhecia, ou não tinha lá essa animosidade toda contra prólogos, conforme noticiado na crônica. Prefiro ficar com a primeira versão.
Recentemente, o escritor José Mendonça Teles escreveu poético prefácio para meu novo romance, e até se deu ao trabalho de publicá-lo na crônica semanal que escreve em jornal deste Estado. Também já recebi prefácio espontâneo do saudoso escritor Bernardo Élis.
Por tudo isso, sou obrigado a divergir desse grande cronista. Em matéria de literatura, ninguém é suficientemente maduro ou perfeito. Todos estamos sempre em processo de criação evolutiva. Somente depois que um autor morrer, poderemos afirmar que ele chegou ao ápice de sua composição literária. Antes disso, sempre haverá um nível acima para galgar. Somos todos incipientes no duro ofício de ajuntar palavras, e, portanto, devemos nos ajudar com solidariedade e zelo.
Louvo Anatole Ramos, José Mendonça Teles e tantos outros humildes operários das letras, pela paciência, desprendimento e altruísmo para com o próximo, qualidades que fazem deles escritores imensos e imortais.

Madalena Barranco disse...

Amigo Luiz, concordo em que os prefácios são para orientar o leitor! Mas, ainda há muitos escritores que querem elogios e esses, certamente, não escreveram um bom livro... Beijos.