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quarta-feira, outubro 14, 2009

Livros dos outros


Luiz de Aquino


Meus amigos, ando de boca torta de tanto falar em livro. Sim, em livro, e não em livros. Ando falando muito no meu mais novo, de crônicas ao redor e no meio de Pirenópolis, minha amada Meia-Ponte (juro que preferiria chamá-la sempre assim, ao modo antigo). Mas resolvi, hoje, engavetar meu umbigo e olhar em torno e para o alto. E é olhando para o alto que me coloco, sempre, no meu lugar: mais embaixo. Ou no “baixo clero”, como me defini, há alguns anos, com relação aos notáveis da Academia Goiana de Letras.

“Baixo clero” é como a imprensa, e os próprios, referem-se aos deputados de menor destaque no Congresso Nacional. Parece-me que o termo não se aplica a senadores, talvez por serem em muito menor número. Na AGL, com apenas quarenta membros, não seria o caso, mormente por se entender que, ao chegar ao sodalício (palavra de pouco uso nas ruas e na mídia, mas muito comum entre academias de letras), o escriba já tem, ao menos em seu meio de ofício, alguma notoriedade por conta de seus méritos literários.

Na prática sabemos que a retórica não equivale ao que o público e a crítica conceituam. E aí há um caso raríssimo de coincidência, críticos e populacho se entendendo. Há poucos anos, o público leitor brasileiro estranhou a eleição de um escritor que, no discreto rigor do consumidor de letras, não reúne qualidades. Antes, esse mesmo público rejeitara a eleição de um empresário jornalista, de um cirurgião famoso e, antes ainda, de alguns políticos de altíssimo coturno (literalmente, para um deles), desde a década de 1930. Mas, fazer o quê? Academias são clubes fechados, com pouquíssimos eleitores. Estes é que escolhem quem quer para chamar de “pares”. Raramente são ímpares...

Láureas à parte, tenho aqui, nas mãos e ante os olhos, alguns livros deliciosamente belos. Não me refiro ao esmero editorial, que acho muito importante também, mas ao sabor, ou seja, ao conteúdo de seus textos. Sim: conteúdo de textos. Porque um livro contém textos, mas textos podem ou não conter qualidade. Estes os têm, sim. Refiro-me a “Minha Perna e Maria”, de Ivair Lima, misto de psicólogo e repórter, meu amigo dileto. Não digo que ele é bom por ser meu amigo, mas podem apostar que por ser bom é que ele é meu amigo. Gosto, sim, de pessoas com qualidades. Qualidades artísticas, mas principalmente qualidades morais (e não me refiro a duvidosas qualidades morais, como as de falsos religiosos; refiro-me a um cidadão de bem e a um escritor primoroso na condução dos fatos imaginários, na construção de personagens marcantes e na feitura de versos contagiantes).

Tenho também estes do arquiteto, professor etc. e tal Elder Rocha Lima: “Apologia das mãos” explora um tema por demais tratado em teatro, poesia, conto, romance e manuais de medicina, mas o poeta do imagético arquitetônico brinda-nos até mesmo com a bênção: “A imposição de mãos é um gesto que praticamos sobre outra pessoa para aliviá-la de algum sofrimento físico...”, e se essa abordagem incomoda a alguns fundamentalistas do cristianismo, pois o autor registra que o ato tem origem na Índia e no Tibete, ele destaca a Bíblia Sagrada, com registros dos evangelistas sobre o modo de Cristo abençoar. Outro livro dele na minha cabeceira é “Utopia - o discurso e a prática”. E, por último, o que mais me chama a atenção para a leitura imediata: “Guia Afetivo da Cidade de Goiás”. Este, além do conteúdo de texto em que o título, por si, recomenda a obra, há ilustrações de bico-de-pena pelo autor, talentoso e competente artista plástico. Uma obra de referência, sem dúvida, e um livro que enriquece qualquer estante e consciência.

Por fim, o “Fuso de prata”, de Alcione Guimarães. É um livro indispensável para os amantes do conto. Do bom conto, aliás. Há contistas de todos os matizes neste país continental. Em cada Estado, os escritores constituem-se num pequeno universo que traduz a alma telúrica, o ambiente social, o “habitat” dos nativos cuja cultura se mescla de boa comida, figurino adequado e letras e artes possíveis. Alcione destaca-se, nas últimas décadas, como das mais expressivas e talentosas artistas dos pincéis e cores. Há poucos anos, surpreendeu-nos com “Zuarte”, um livro de poemas que me convenceu de que um artista tem, sim, duas linguagens (ou mais!). Os poemas e os trabalhos de pintura, no mesmo número, significavam a expressão da autora em duas linguagens. Todos aprendemos muito com ela, naquele livro. E “Fuso de Prata”... Bem, é um belo livro, eivado de passagens poéticas, como nessa pequenina definição do encontro inevitável e forte: “Seus olhos e os meus... nossos olhos... falam. Perdidos em uma lembrança imperceptível como se se conhecessem e se esperassem há longos anos”.

Diante desses livros, lendo-os, parando para deliciar-me de cada frase, fica em mim a eterna pergunta: porque os leitores de Goiás, quando perguntados sobre o que estão lendo, respondem sempre com obras traduzidas e, lá de vez em quando, produzidas nas regiões nacionais de maior expressão econômica?

Os goianos precisam ler mais goianos. E deixar de lado a vergonha besta de admitir que é possível gostar do que fazemos.

Luiz de Aquino é escritor e jornalista (poetaluizdeaquino@gmail.com), membro da Academia Goiana de Letras.

5 comentários:

Jacque disse...

Olá poeta, amigo Luiz Aquino!
Eu me coloco na fila dos que estão precisando ler o que se produz de belo e inteligente aqui em nosso Goiás. Faz tempo que eu não saboreio um bom livro. As dicas que você está nos passando pode ser um bom início. Quero ler, como lhe disse antes, as crônicas de Pirinópolis! Aliás, parabéns pelo novo rebento! Carinho.
Jacqueine Santana

vidaesonho disse...

Oi Luiz, posso dizer que depois que passei a ler seus textos, estou fascinada, tenho dó de quem não lê, penso que todos deveriam ser leitors de bons livros e não apenas meros ledores, a leitura edifica e enriquece alma, reafirmando o que eu disse no outro comentário que eu seria uma eterna admiradora sua, pois quanto mais te leio mais te admiro... Parabéns.... vc merece...

josé roberto balestra disse...

Parabéns, Aquino. Um arremate perfeito, com direito a puxão de orelha goianamente sutil! abs

A Aprendiz disse...

Texto de primira grandeza. Assim como outros que li aqui.
Bom descobrir verdadeiros escritores assim perto dos que vivem "mais embaixo" no mundo dos blogs.
Bjs

Mara Narciso disse...

Você tocou numa caixa de marimbondos não precisamente civilizados. Vai haver choro e muita queda de braço. Mas é preciso que reflitamos sobre em que estamos nos tornando.Cada um entende exagero à sua conveniência.