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terça-feira, outubro 27, 2009

Luiz Fernando Prôa: Pai!

Luiz Fernando Prôa: Pai!

Eu com o poeta Luiz Fernando Prôa,

em evento no Bar-Teliê, Ipanema.


Luiz de Aquino


O homem falando ao Fantástico chamou-me a atenção pela densidade do discurso. Era um pai em desespero, e meus olhos não acolheram a figura, somente meus ouvidos captavam a dor do homem. O dia seguinte, a segunda-feira, anteontem, 26 de outubro, marcou-se pelos comentários. Em todos os lugares, comentava-se do pai que chamou a policia.

Luiz Fernando Prôa é o pai do Bruno. Bruno, 26 anos, é músico. Há anos, depois de tomar gosto pelo álcool, experimentou outras drogas, entre elas as drogas “pesadas”. Consta que, no último sábado, ele matou, por asfixia, Bárbara Shamon Calazans, de 18 anos, sua amiga (ou namorada).

O fato mexeu profundamente comigo. Agradeço a Deus, todos os dias, por ter conseguido criar a Elia Maria, o Léo e o Fernando distantes das drogas e apegados a princípios morais embasados no respeito ao próximo. E todos os dias peço a Deus que mantenha o Lucas na mesma linha de conduta. Amém! Essas frases, ouço-as todos os dias de muitos amigos. E ouço também outros muitos amigos a pedir forças a Deus para que consigam trazer de volta alguma ovelha desgarrada.

Em todos os tempos, sabemos, houve o choque das gerações. Nós, os nascidos nas décadas de 1940 e 1950, pagamos caro por termos reagido com mais vigor. Realizamos a tal “revolução sexual”, com o inestimável apoio científico-tecnológico dos laboratórios farmacêuticos que nos deram a pílula anticoncepcional. Criamos novos ritmos, novas danças, novos costumes e acreditamos nos princípios revolucionários de Educação de Summerhill, rompemos, ao educar nossos filhos, com os limites tradicionais (e nada tínhamos para pôr no lugar). Agora, nossos filhos sentem que é preciso impor limites...

Bem, não é propósito desta tarde, momento de produzir a crônica de quarta-feira, chorar sobre o passado e as falhas. Todos falhamos: pais, amigos, educadores, executivos, operários, artistas, autores de textos e de músicas, médicos, policiais, membros da Justiça e do Ministério Público... Mas falharam mais ainda os governos, em todos os níveis e em todos os mandatos. O imediatismo das campanhas nos anos pares, a busca feérica pelo voto (e, mais ainda, pelas verbas sem saber de onde vêm) vendaram olhos e taparam ouvidos. Mas isso não é Brasil, gente! É mundo. Ou melhor, é Mundo! Esta geração de reis, de primeiros-ministros, de presidentes, de ditadores e até mesmo de religiosos com poder político é a grande culpada. Culpada por omissão.

E, assim, volto a tentar falar no motivo. Não quero buscar, na vida do Luiz Prôa, o momento do erro. O instante da omissão. O instante a mais de sono que possibilitou a fuga de Bruno. Prefiro recordar a emoção do Luiz ante a notícia da gravidez de seu primogênito, o momento em que se soube o sexo do bebê, as lágrimas do pai ante o choro do recém-nascido. Quanta emoção, meu poet’amigo! Quantos planos, quantos versos, quantos projetos de vida! Sei que muitos foram alcançados (afinal, Bruno é artista), mas num dado momento a luz piscou, fez-se um escuro ágil, quase imperceptível, e a escuridão marcou seu ponto. A gente, então, esquece os sonhos e planos. Arregaça as mangas e vai a luta, tenta trazer de volta o que se nos foge, como um pescador insistente a esticar e recolher a linha. Mas filho, meu Luiz Poeta-irmão, não é peixe... Nem sempre a nossa habilidade é vitoriosa. E, num momento de blecaute outra vez, acontece a tragédia.

Há alguns anos, troco informações e versos com Luiz Fernando Prôa. E um dia, há uns dois anos, tivemos um primeiro encontro, um sarau no Bar do Adão, em Botafogo, Rio de Janeiro. Alguém disse meu nome em voz alta, Prôa ouviu e reconheceu-me ali, ao lado. Anunciou-me para um poema e o poeta Cairo Trindade anunciou-me como “um poeta da Academia Goiana de Letras” (Cairo estava surpreso: não viu em mim o protótipo do poeta-acadêmico, sisudo e parnasiano).

Foi só o começo. Luiz Prôa conduziu-me a vários saraus poéticos pelo Rio afora: Santa Tereza, Teatro Gláucio Gil, o Bar-Teliê em Ipanema e ainda aquelas rodas de poesia em torno da estátua de Carlos Drummond de Andrade. Prôa é, de fato, um poeta e um ativista cultural incansável, sempre com a câmera em punho, fotografando e filmando, declamando e arregimentando o “poetariado” brasileiro para os saraus cariocas.

A dor, meu amigo, não é só sua. É nossa. É dos pais e mães que sofrem. É a dor dos pais e mães que perdem filhos por balas perdidas, por ação de ladrões, por efeito das drogas ou pelos acidentes de trânsito. É a dor dos que, como você, perdeu um filho para mais um subproduto da coca. A dor, meu querido Luiz Fernando, é nossa. É dor de poetas que se irmanam com você.

O triste é sabermos que a nossa dor não reduz a sua.


Luiz de Aquino (http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com) é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras.

19 comentários:

Edmar Oliveira disse...

Aquino, o texto ficou maravilhoso. Senti a dor que sentes por teu amigo Prôa.

ELIANA MATOS disse...

Gostei da sua cronica.Só que destaco um problema o da SAUDE MENTAL no Brasil. Sou assistente social desde 1968. Trabalhei na area medica na Psiquiatria. Por volta de 1977 já era grande o numero de internações por droga. Em minha opinião nada foi feito nesta area em termos preventivos. Ao redor das escolas publicas é comercializado o produto. Em termos de educação o que fazem? mORO EM CIDADE DE 100.OOO HABITANTES NÃO VEJO NENHUM PROGRAMA EFICIENTE NESTA AREA. A populaçãp deria debater mais este assunto antes de casos como este chegarem a vias de fato. Para meu parecer isto é consequencia de um sistema doentio de nossa sociedade.

Sinésio Dioliveira disse...

Estou campo daqueles que sentem a dor lida sem a ter, haja vista que eu precisaria estar realmente no lugar do pai do jovem que "matou a amiga (ou namorada)". Vale mencionar também outra dor (talvez até mais profunda que a do pai de Bruno), que é a do pai da moça morta. Bruno talvez saia desse abismo, já a moça não tem mais volta. Cada pai com sua dor, só que alguns enfrentando uma mais dolorosa. Bela e triste a sua crônica, Aquino.

Lidia Magarão disse...

Amigo Luiz de Aquino, emocionante o texto, principalmente para quem perdeu pra droga, há dois meses, um primo muito amado.

Anônimo disse...

Poeta,Parabéns! Belo texto.Muito triste o que aconteceu com seu amigo...Ireci Maria

Fundação Cultural Jornalista Osvaldo Lima disse...

Estão abertas até o dia 15 de novembro as inscrições para o XX Concurso Nacional de Contos José Cândido de Carvalho , realizado pela Prefeitura de Campos dos Goytacazes-RJ, através da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL).

A premiação total é de R$ 10.000,00, valor que será dividido entre os autores dos cinco melhores contos.

Regulamento e ficha de inscrição aqui.

Outras informações pelo telefone (22)2734-4600 ou pelo e-mail fcjol.literatura@gmail.com.

maria olimpia alves de melo disse...

Texto comovente. Que a esperança e a ilusão não o abandone.

Marluci Costa disse...

Mais uma vez seu texto fazendo a diferença. Por sinal uma intensa e comovente mensagem.
A forma como você abordou os fatos e as mazelas da nossa sociedade foi magnífica. O carinho com o pai Luiz Fernando Prôa, enaltecendo suas ações e qualidades, também. A tragédia continuou lá, mas claramente mostrada como um problema de todos nós.
Muitas palmas para você nesta crônica.
Marluci

Anônimo disse...

Meu caro poeta: assim como voce, rogo ao Pai Eterno todos os dias e noites que afaste de minha amadas filhas drogas e outras coisas nocivas. O teu relato-crônica nos faz mergulhar na alma e no coração do Pai Prôa. Embora não diminua sua dor nos leva a refletir e buscar copmpreender os mistérios da vida.
Emocionante, sincero. Verdadeiro. Um abraço fraterno
Paulo Rolim

Marisa Zaiden disse...

Sua crônica de hoje está perfeita.
Nós sabemos a dor de um pai quando vê seu filho andando descalço na estrada.

Maria Helena Chein disse...

Luiz,
terminei de ler suas últimas crônicas. Em minha mente e no coração estão
pessoas valorosas, ou sofridas, ou que sentem culpa, mas todas nascidas de pai e mãe,
como você e eu: Alcione, grande escritora, além de artista das telas e tintas; Adélia Prado,
maravilhosa; Luiz Fernando Prôa, amigo que passa por um tempo difícil, e outras figuras
de grande importância. E você e os livros, seus 31 anos de amor pela escrita e pela fala
- parabéns- e a entrevista que não ouvi ainda...
Bem, Lu, esse bilhete "truncado" é só para dizer que li você.

Beijos. Como você emagreceu, menino!

Maria Helena

Nota minha: Este comentário está postado sob a minha entrevista na TBC (postada aqui em 29/10/2009), mas repito-a pela alusão ao Poeta Luiz Prôa.
L.deA.

Unknown disse...

Pois é, eu de pé na primeira fila, adoro suas crônicas.
Infeliz situação essa, infeliz de nós, dos que ficam, dos que vão, enfim, dos que direta ou indiretamente são tragados para o submundo das drogas.
Perdi dois amigos para esses "demônios metamorfos" (não é comparável a dor, é uma luta injusta), sou mãe e sou humana. Digo que quando me vi mãe conheci o amor, percebi Deus, ou o que seria mais próximo Dele, já que antes não acreditava muito no impalpável, é a Ele que peço, quando já fiz tudo o que podia, que olhe para minha pura Ana Clara, para que olhe por todos filhos, irmãos, pais, mães... sinto muito pela dor de seu amigo, e de fato, o que sentimos nao diminue sua dor. Mas fica meu abraço, meu medo, meu apreço.

Iraci Ciritelle disse...

8 tal ponto me comovo
Que sua dor absorvo!
Não deixe calar a voz
Que neste caos, orienta...
O quadro é assustador
Já não se encontra valor
Como percebo em você!


A mãe encontra consolo
No anjo que voo alçou...
Você tem a ferramenta
e o poder de expressão
Pra transformar a tragédia
e produzir reflexão!

O lapidar do diamante
se faz a golpe de buril
Não há de ser em vão
que esta menina partiu

Sei que não abandonarás
O filho que a vida lhe deu
Se a batalha foi perdida
A guerra recrudesceu!



Todos os pais de família
Do nosso imenso Brasil
fazem coro pra sua voz
Não, não se cale LUIZ

Nossa infeliz Sociedade
convive com o descaso
A este quadro aviltante
de descontrole e desmando
De violência alarmante!

Seja nosso grito de alerta
um freio a este desvario
Nós não queremos viver
Na mira deste fuzil!

Iraci Gonçalves Ciritelle

São Paulo

27/10/09

Iraci Ciritelle disse...

Este movimento da Sociedade há d ajudar a conscientizar os jovens qu estão iniciando com o pé neste pântano maldito, e os fará retorceder antes que seja tarde!
Nossa guerra tem que recrudescer.

Conceição Bentes disse...

Eu nao poderia deixar de vir aqui deixar meu abraço a voce poeta que não tenho a felicidade de conhecer pessoalmente, mas que me encantou com seu texto ao Prôa, meu querido amigo.
Sua frase dizendo que a "nossa dor infelizmente não diminui a dele" caiu na minha alma, calando minha voz.
Obrigada por voce existir

bjos

Conceição bentes

Luiz Fernando Prôa disse...

Luiz, meu querido, não tenho palavras, só emoção e agradecimento.
Muita luz para você e sua família.

Abraço apertado,

Prôa

Ana Lúcia Prôa disse...

Sou irmã do Luiz Prôa. Fiquei emocionada com o texto de Luiz de Aquino e muito, também, com a bela poesia de Iraci.

Muito obrigada pela força de vcs.

Abraços,

Ana

Sandra Silva disse...

Às vezes, somente no depois do depois é que a gente se da conta... E, aí... Aí... é deixar das últimas lágrimas regarem o chão. Ora, qual outra forma de, depois de outro tempo, fazer florescer novas flores de compaixão?

Minha ternura beija a testa de sua emoção.

Sandra Silva

http://almaempena-sannnsil.blogspot.com/2010/01/espectro.html

Sandra Silva disse...

Às vezes, somente no depois do depois é que a gente se da conta... E, aí... Aí... é deixar das últimas lágrimas regarem o chão. Ora, qual outra forma de, depois de outro tempo, fazer florescer novas flores de compaixão?

Minha ternura beija a testa de sua emoção.

Sandra Silva

http://almaempena-sannnsil.blogspot.com/2010/01/espectro.html