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sexta-feira, junho 25, 2010

Bola redonda, letras tortas


Bola redonda, letras tortas



Há quarenta anos, João Saldanha convocou o que muitos ainda têm na conta de o mais bem selecionado de todos os escretes (ninguém se lembra?) dentre os que envergaram a famosa camisa amarela. A vocação para o arbítrio consolidara-se um ano e meio antes, quando se editou o Ato Institucional nº 5, e deu o ar da mais pura “graça” quando, em dezembro de 1969, a junta trina militar convocou o general Médici para o terceiro plantão da primeira ditadura por revezamento da História (não me lembro de outra).
O regime endureceu: se antes era de violência e perseguição, desde o tal de AI-5 a coisa ficou turva, escura feito os momentos seguintes ao crepúsculo em noite de Lua Nova. Prisões, sequestros, torturas, humilhações, assassinatos nos porões dos quartéis e delegacias, perseguições nos ambientes de trabalho e um procedimento maluco, que era a “cassação dos direitos civis”, tornou-se ferramenta de morte-em-vida para centenas de brasileiros. Bastava que alguém (geralmente, algum medíocre louco por aparecer) acusasse um desafeto de “esquerdista” ou “comunista”. Assim, o delator era premiado com o cargo do denunciado, em grande parte das vezes. Outros deduravam por mero prazer e a oferta de comendas multiplicou-se.
João Saldanha teve a petulância de responder a uma insinuação do “césar” de Bagé (atentem: dos cinco generais que se revezaram no posto de “presidente” do tal regime militar, três eram gaúchos de nascimento; os outros dois, cearense e carioca por nascimento, foram forjados em escolas e quartéis do Rio Grande do Sul. Coincidência?). O “presidente” Médici mandou dizer que gostaria de ver Dadá Maravilha no Escrete de Ouro, e Saldanha respondeu que jamais dera palpites na formação do ministério... Saldanha também era gaúcho.
Foi o bastante! João perdeu o emprego e Zagalo foi chamado às pressas para ser o técnico do tricampeonato.
Agora, outro gaúcho está no comando da Seleção Canarinho. Saldanha era jornalista esportivo; Dunga, o zangado, foi jogador do nosso Esquadrão e vem se destacando como um bom treinador (como Saldanha). Lula não tentou se impor no trabalho de Dunga. E Dunga já lhe negou a mão em cumprimento, justo na recepção em Palácio, no dia em que a delegação brasileira rumou à África do Sul. Agora, o que se vê é uma queda-de-braços entre Dunga e a Rede Globo.
Não gosto de ver tratamento grosseiro dispensado por entrevistados a jornalista. “Esprit de corp”? Talvez. Também não gosto de ver policiais e guardas civis agredindo professores que lutam pelo direito de ganhar duas vezes e meio o salário mínimo. Que país é este? Sim, que país é este? (Notem que grafei “este”, e não “esse”, como teimam em dizer nossos coleguinhas televisivos.
Mas é triste vermos o Dunga xingar jornalistas. Só mesmo três dias depois recebi a versão contrária, a que fortalece Dunga: a presença invasiva de equipes jornalísticas, escudada no poder da Organização monopolista na Copa da África, vêm buscando minar o trabalho do treinador Dunga. Os repórteres e técnicos que se tornaram alvos diretos são, em suma, a ponte entre ele e os que impõem o jeito de sacar notícias e imagens da Seleção Brasileira.
Para nós, humildes e felizes torcedores, cheios da esperança do Hexa, fica o “macro”, ou seja, as imagens, falas, comentários, entrevistas, os jogos e a chatura de meia dúzia de falantes a atropelar a língua de Saramago: já criaram uma regência maluca para se referirem a derrotas: um time perde “do” outro; há cerca de uma semana, criaram a segunda: um time  venceu “do”, “de” e “da”... Estou de ouvidos atentos, a qualquer momento alguma equipe vai empatar “da” outra.
Aonde anda o Professor Nogueira? Os atuais comunicadores esportivos da mídia eletrônica violam a memória de outro Nogueira, o Armando, excelente jornalista, exímio poeta! Ele era do tempo em que, para se falar em rádio e tevê, o profissional precisava, antes, ser alfabetizado...
Enfim, dói-me escrever antes do jogo Brasil e Portugal. Espero ver uma das melhores pelejas (hoje estou gastando vocabulário antigo, hem?) desta Copa! E, é claro, espero que o nosso time (enfim, um vocábulo em voga) vença a equipe de Cristiano Ronaldo. E que o México dê muito trabalho a Don Diego Maradona, o lado hilário deste certame.


Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com. 

7 comentários:

Lila Boni disse...

Passando p te ler e te deixar um super beijo!
Bom final de semana!
Parabéns pelos teus escritos!
Adorooooooooo !!!!

Marília Nubile disse...

Perfeito, Luiz de Aquino!
Um belo texto multidisciplinar.
Ao rolar a bola com letras "certas", você ministrou uma grande aula. Poderia ser aproveitado pela turma do ENEM, para assim, melhorar seus conhecimentos gerais.
Um abraço.

Multiethnic disse...

Ficamos, então, num 0X0 silencioso. Não perdemos "de", não vencemos "de". É uma pena. Mesmo errando, se vencêssemos "de" Portugal, eu ficaria "fliz", como se digita no messenger.

Maria Helena Chein disse...

Lu,
boa sua crônica, muito boa!
Assuntos para se pensar. Pois é, e sobrou
para Dona Fátima, toda altaneira e metida, o
zum-zum da Globo X Dunga.
Bjs.
MariaHelena

Simone Araújo (de Lisboa) disse...

Amigo Luis,

Não consegui postar o meu comentário no seu bloguinho,depois de tantas palavras levadas pelo vento.Preciso de mudar de computador ou de cabeça.Enfim,que ganhe o melhor.Beijinhos.Obrigada pelo seu carinho com minha maínha.Sabe que ela faz 87 anos em 14 de Julho?O mesmo mes que o seu ternurento pai.Mais 1 beijinho.

Nicácia Carvalho Severino disse...

Luiz de Aquino,
Não poderia deixar de ler seu artigo, até mesmo porque o tema é super interessante e o ponto de vista também. Tive uma surpresa agradável, novamente se lembrou dos professores, como vc já havia dito, sempre que pode defende essa categoria. Obrigada. Quanto ao Dunga, está igual a seleção, ataca e defende. E, na minha opinião,
tem feito belíssimos gols.

Nicácia Carvalho Severino

Madalena Barranco disse...

Querido Luiz, vir ao seu blog faz bem aos meus olhos, que leem seu jeito bom de escrever a vida, assim como, uma bola rolando feliz sobre o gramado em busca do grito de gol, preso a todas as gargantas brasileiras.
Beijos, com carinho,
Madalena
P.S.: eu adorei seus poemas publicados no livro digital Saciedade dos Poetas vivos - 10. com meu beijo especial para o poema "Porque não quero"... Você está certo, querido, o beijo do Sol é o melhor bálsamo.