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sábado, setembro 11, 2010

A língua por ofício

A língua por ofício


Manhã de todos os dias, segunda a sexta; pareço o marido da piada, que não abre mão do controle remoto da tevê. Jornal de manchetes numa, tanto no local quanto no nacional; mundo-cão goianiense, com ligeiras incursões ao interior, se a notícia contém tráfico, assassinato, estupro, roubo etc.; ênfase total para o futebol.

Um bom momento é a interferência de Alexandre Garcia a analisar fatos. Esta semana, ele foi excelente ao comentar a expansão do poder de consumo das classes “menos favorecidas”, mas destacou a questão da educação. E o fez muito bem, lembrando a Constituição de 1988 e o voto do analfabeto. Um vacilo oficial: deu-se ao analfabeto o direito de voto, quando o certo seria dar ao cidadão o direito à leitura e à escrita, permitindo-lhe o crescimento pessoal em suas várias nuanças.

Estendendo o comentário, Alexandre Garcia lembrou que, em 2006, a nação brasileira concedeu apenas 2% de seus votos ao candidato à Presidência da República que tinha a educação por bandeira (o senador brasiliense Cristóvão Buarque). E fez referência aos analfabetos funcionais – que uma jornalista conceituou como quem apenas desenha o próprio nome. Alexandre foi mais exato, sem ditar explicitamente os que sabem ler as palavras escritas mas não entendem o que lêem;  falou em “gente que não sabe a diferença entre isso, isto e aquilo”.

Acabei de acordar: tenho batido nessa tecla há anos! Ao definir assim o analfabeto funcional, Garcia atingiu pelo menos nove entre dez de seus colegas de tevê, sejam eles jornalistas (repórteres, âncoras, produtores, apresentadores etc.), atores e tantos mais quantos sejam os que aparecem na telinha. O mesmo acontece com os de rádio, e ainda (lamentavelmente) com os da escrita. Dia desses da semana passada, chamada de primeira página de um jornal diário continha cinco erros graves envolvendo ortografia, regência e concordância, em menos de quatro linhas em uma só coluna – o que deixa qualquer estilo sem qualidade alguma.

Oradores políticos e acadêmicos, em qualquer ambiente, resolveram adotar falas “politicamente corretas”, com um novo e antipático vocativo – “todas e todos”. Lembra o Sarney, quando presidente, dirigindo-se a “brasileiras e brasileiros”. Prefiro as falas de Getúlio Vargas, que se dirigia aos “trabalhadores do Brasil”. Sem se preocupar com desempregados e vagabundos, o vocativo do velho caudilho gaúcho (parece que caudilho gaúcho é redundância, não?) era um apelo para que todos trabalhassem.

Esse “todas e todos”, porém, não é doença brasileira, não. Recebi uma gravação em voz feminina, enviada pelo poeta Rubén Cesar Reyna (argentino) em que a locutora tenta ensinar que “todas e todos” exclui pelo menos os “gays” eventualmente presentes na plateia, bem como lésbicas, transexuais etc. e tal. E daí a moça descamba para outra anomalia que eu pensava ser nacional – inventar uma forma feminina para palavras terminadas em “ente”, “ante” e outras parecidas. Lá, como aqui, andam dizendo “presidenta”, violando as regras do bom castelhano, tal como se estupra aqui o bom português. A moça exemplifica dizendo que ninguém fica “dementa” nem se é “estudanta”, muito menos “eleganta”. Aproveito a rima e chamo de anta (com licença do maior mamífero da América do Sul) quem assim tenta mudar a língua pátria.

Na tevê e no rádio, no Brasil, nossos colegas confundem isso e isto, falam circuito como se escrevêssemos cirqüito (com trema) e fazem uma salada de salmão com feijão preto cozido e arroz-doce quando se trata de regência e concordância; isso é exclusividade dos jornalistas esportivos, principalmente os que têm salários maiores. E aí, a raia miúda, formada dos mal-pagos e maus estudantes, os que se formaram com vistas apenas a analisar jogos de futebol, seguem os “mestres” como se estes tivessem a envergadura de um Celso Cunha ou um Evanildo Bechara.

Por estas e outras críticas, já fui alijado de alguns canais de informação daqui e de outros cantos (as pessoas com preguiça de estudar têm muito tempo e disposição para a vingança). Mas não gosto de cantor fanhoso nem instrumento desafinado, logo dispenso, também, os que vivem da voz e das escritas e não respeitam o seu principal instrumento de trabalho (e de sobrevivência, pois). Daí o meu aplauso a Alexandre Garcia, que sabe onde está a ferida e não receia remover a casca necrosada.

Espero que as direções das emissoras tenham mais critério ao escolher profissionais, preferindo os que tragam melhores qualidades do que apenas “animar uma galera”. E que, uma vez empregados, esses profissionais tirem tempo para se aprimorarem no conhecimento da língua, bem como na dicção, já que vivem disso.

Célia Valadão e eu


Finalizo convidando os amigos, especialmente os leitores, para a solenidade do dia 16 próximo, na Câmara Municipal de Goiânia, quando receberei da vereadora Célia Valadão um título que me é muito valioso: o de cidadão goianiense. Afinal, vivo aqui há 47 anos...


* * *


Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras. 
E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com. 

18 comentários:

Pedro Du Bois disse...

Luiz, parabéns pela cidadania. Merecida, com certeza. Abraços, Pedro.

Pedro Du Bois disse...

Luiz, parabéns pela cidadania. Merecida, com certeza. Abraços, Pedro.

Marley Costa Leite disse...

Hehehe... gostei!!

Romildo Guerrante disse...

Luiz, os locutores de futebol pegaram o espanholismo do verbo "seguir" e o alastraram pelo país. Dia desses ouvi no rádio: "O trânsito segue parado".

Romildo Guerrante disse...

Luiz, os locutores esportivos pegaram o ranço do verbo "seguir" em espanhol e o disseminaram pelo país. Dia desses ouvi no rádio o seguinte: "O trânsito segue parado".

Anônimo disse...

Brasileiros e brasileiras nada mais justo que o titulo de cidadão de Goias a Luiz de Aquino.
Eric Tirado Viegas

Osair de Sousa Manassan disse...

Excelente crônica, Luiz. Ainda devo parabenizá-lo pelo título, merecido, mas talvez o faça pessoalmente no dia da solenidade.
Um grande abraço!

Mara Narciso disse...

Tenho dificuldade em definir por este e esse, pois lamentavelmente perdi esta aula que fazia parte da Linguística III do Jornalismo. Tento reduzir essa minha carência, e erro sim, pois não tenho corretor de texto, mas não sou fechada a mudanças, especialmente aquelas para melhor. Então, espero um dia chegar a escrever com maior correção.

Sônia Marise Teixeira disse...

Valeu, poeta!
Beleza aquela paulada na excelentíssima senhora que vem insistindo no
Presidenta, uma certa avó do Pac, muito ignoranTA....Fico por aqui.
bj

Sônia Marise Teixeira disse...

Valeu, poeta!
Beleza aquela paulada na excelentíssima senhora que vem insistindo no
Presidenta, uma certa avó do Pac, muito ignoranTA....Fico por aqui.
bj

Madalena Barranco disse...

Querido Luiz, parabéns pelo texto que defende a expressão do ser humano: o idioma.

E um grande abraço pelo título de cidadão de sua cidade querida! Ah, não poderiam lhe acrescentar ao título: cidadão goianiense das belas letras?

Beijos, Madalena

Fabiano disse...

Finalmente alguém que tem coragem de falar! É tanto erro gramatical que aprontam por aí, tanto assassinato da nossa língua, que colocamos em xeque a validade das estatísticas sobre analfabetismo.

Antonio Carlos Machado Teles disse...

Oi, prezado Luiz, peço desculpas...

...e lamento não ter voltado a falar com você naquele evento da Rua 23. E agradecer a menção ao meu nome quando falou da antologia e da minha tão saudosa Bequinha. Como havia bastante barulho, só depois o Valdivino Braz me esclareceu o que vc falou sobre a fotografia. Vou ver se a encontro e mando fazer uma cópia que lhe enviarei com muito prazer. Sou seu fiel leitor de todos os domingos e gostei muito de A Língua por Ofício. Você reparou também o tanto que os repóteres (e as rádios nas propagandas) falam gratu-í-to? Tb é de doer. Parabéns pelo merecido título de cidadão goianiense que vai receber. Os escritores têm mais é que serem homenageados sempre. Um grande abraço.
Antônio Carlos

Maria Helena Chein disse...

Oi, Lu, li sua crônica A Língua por ofício. Contestar tantas verdades, quem há de?
A educação, o analfabetismo, os políticos são temas inesgotáveis. "Água mole em pedra dura tanto bate
até que fura." Você não dá moleza, hein?

Telefonaram-me da Câmara Municipal, estarei lá batendo palmas para você, claro. Ei, vou receber com
outros companheiros uma placa, fiquei feliz. Você e a Célia Valadão, os autores dessa homenagem, não é?
Eta menino peralta.

Um beijo para você.
Maria Helena

Silvia Neves disse...

Luiz de Aquino,

Feliz Aniversário! Desejo-lhe vida longa, saúde, prosperidade e muita disposição para continuar com suas composições memoráveis cheias de inspirações poéticas e harmonia rítmica. Desejo-lhe, também, lucidez para que tenhas discernimento diante das mazelas sociais, a fim de denunciá-las, no intuito de clarear a mente de todos seus leitores. Goiânia agiu sabiamente ao lhe conceder o título de Cidadão Goianiense! Além do seu aniversário estou na torcida para que a cerimônia de amanhã seja repleta de harmonia e felicidades! Tim...Tim...

Parabéns!
Um abraço,
Sílvia Neves

Cláudia Pereira disse...

Não sei poetar,
mas desde que o vi,
e mesmo sem ver,
soube-me a letra...
dei-me a voar.

É raso o vôo meu
lento meu caminhar
É vaga a minha rima
latente mesmo é-me o amar.

E assim, entre letra e sonho
Entre o ver-te
E o imaginar,
A pena, às vezes solto
E veja-me:
a poetar.

Parabéns, amigo querido!

alejandro mejia disse...

Grande Poeta Luiz de Aquino!
Mais do que merecido o Título de Cidadão para você que é, de há muito, um construtor da cultura em Goiás. Parabens!
Alejandro Mejia

Mariana Galizi disse...

Luiz, grande ativista das bandas daí, que ecoam nas de cá rs.
Realmente é lamentável perceber que leva-se tempo para constituir uma língua e tão pouco para destruir... não bastasse a reforma "gráfica" para contrariar as raízes sócio-linguísticas, numa tentativa grotesca de uniformizar escritos, que nada difeririam se mantivessem em si sua personalidade... ainda ridicularizam termos por puro capricho, com a única excessão a qual ainda sonho em dizer-me dona de tal louvável título: poeta. De resto... são só restos.
Garcia aludiu um bom parêntese no que chamam de necessidades, é fundamental e urgente preencher esta enorme lacuna (que fingem não enxergar), com mudanças efetivas na postura educacional.
Agradeçamos ao som dos bravos, que insistem numa mudança palpável, que não abandonam o barco. Parabéns.