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sábado, julho 23, 2011

Respeito aos vizinhos

Respeito aos vizinhos



Fatos da semana… em qualquer ano. Escolho 1969, e o dia é 20 de julho, de férias escolares, noites frias e a vida urbana ainda incipiente em Goiânia, então com cerca de 400 mil habitantes. Comia-se comida caseira, ou roceira (restaurantes eram locais de lazer), fins de semana eram para os clubes e as festinhas familiares (campineiros não deviam vir a Goiânia; goianienses não deviam ir a Campinas); o bar da moda era o Bebedouro, na contra-esquina da Rua Três com a Avenida Araguaia. Bons estudantes ingressavam em escolas públicas, os demais castigavam os pais com as mensalidades escolares. Os filmes em evidência, que aqui chegavam meses depois de estrearem no Rio de Janeiro e em São Paulo, eram A Primeira Noite de um Homem e Ao Mestre com Carinho.

No dia 20 de julho, o mundo parou diante dos aparelhos de tevê: o homem pousava na Lua. Se não me falham os neurônios, era domingo. Eu lecionava Geografia em dois colégios estaduais – o Dom Abel, no Setor Pedro Ludovico, e o Liceu de Goiânia, no centro. Fartei-me de revistas, jornais e publicações em riquíssima policromia, distribuídas no escritório goiano da Unisys, órgão de divulgação do governo dos “irmãos do norte”.


Ah, mas não recordo isso por mero saudosismo, não! O “nosso satélite” era chamado, também, como o “astro vizinho”, ou corpo celeste mais próximo... E cultivava-se a ideia da solidão total no satélite (meninos! Satélite é um astro que orbita em torno de outro; as geringonças de alta tecnologia que o homem, desde a década de 1960, lança ao espaço próximo são os “satélites artificiais”). E por acreditarmos nesse vazio, “fomos” lá sem o receio de sermos considerados invasores e, nesse caso, haveria o risco de uma rejeição nada amistosa.


Vizinho, pois, é a palavra!

Vizinho merece respeito. Como disse, se a Lua fosse povoada por, digamos, gente parecida com a gente, a Apolo XI teria sido bombardeada no espaço; ou, se conseguisse chegar perto, e com isso liberasse o “módulo lunar”, o Eagle, este não pousaria em paz; e se o conseguisse, seus ocupantes seriam presos e possivelmente um deles seria sacrificado para estudos.

Harmonia possível, quando ninguém abusa...





Estar bem com os vizinhos é regra fundamental de cidadania. Nada de jogar detritos no quintal do próximo; mas, também, nada de expandir os sons de seus potentes aparelhos para infernizar os ouvidos dos ocupantes da casa ao lado. Agora mesmo, autoridades ambientais do Estado e de vários municípios buscam ações conjuntas para conter os abusos. 


Muitas vezes, os vizinhos agredidos preferem fingir que não ouvem; há os que até saem de casa... Dia desses, cometi a má educação de recusar um almoço para o qual fora convidado porque meu sistema nervoso não aceitou o abuso do vizinho dos anfitriões: à porta da casa ao lado estacionaram um carro, abriram-lhe as portas, enfeitadas com alto-falantes de muitas cores e espalharam por toda a vizinhança o som agressivo de músicas modais, de propósito consumista de fácil aceitação, ofendendo os de gosto mais apurado – que, infelizmente, sempre são minoria em qualquer lugar.

“Os incomodados que se retirem”, diz o clichê antigo, cunhado certamente por quem se sentia seguro por integrar a maioria de mau gosto em qualquer circunstância. Senti-me incomodado, retirei-me. Na varanda da casa ao lado, alguns jovens refestelavam-se, orgulhosos do carro do visitantes e de sua parafernália sonora. Sentiam-se como Aldrin e Armstrong, os astronautas que pousaram na Lua.


Só que, na Lua, não morava ninguém; ninguém se ofendeu; ninguém se sentiu invadido ou molestado.

Já nas cidades brasileiras... Ah!


* * *



6 comentários:

Romildo Guerrante disse...

Meu caro poeta, som alto, nem Sinhá Moça, do Chico. Agora mesmo acabo de chegar à janela e dar um grito com os moleques do cortiço vizinho à minha casa, aqui em Santa Teresa. Estavam largando um funk desses de letras pornográficas e umas cinco ou seis garotinhas de no máximo 8/10 anos se rebolavam na calçada.
Me atenderam. Voltei ao trabalho, dia frio e chuvoso, não dá pra nada mesmo exceto trabalhar. Bom para criar.

Mirian Oliveira disse...

Prezado Luiz,
Excelente crônica. Atual e pertinente. Um abraço fraterno, direto de Brasília.

Mara Narciso disse...

Uma boa metáfora para ensinar aos maus vizinhos como se convive de forma educada e socialmente aceitável. O meu lema sempre foi viver e deixar viver, mas na teoria e na prática. Não sei impor nada a ninguém. Você, Luiz, acabou dando uma volta ao nosso satélite, envolveu a todos, e ainda nos ensinou muita civilidade.

Na janela disse...

Boa noite, Luiz!
Totalmente solidária a ti nesta recusa em ferir os ouvidos da forma como frequentemente nos é imposta desrespeitosamente, especialmente com escolhas musicais (se é que se pode chamar de música) de gosto tão duvidoso.
E obrigada pela possibilidade de evocação de 20 de julho de 1969. Eu era menina-moça (seja lá o que isso signifique) e as lembranças que me ocorrem agora são doces, não exatamente pelo fato do homem ter pousado na Lua (e a Lua prá mim será sempre em maiúscula!), mas pela noite fria, quentão para aquecer e, especialmente, a incomum concentração de pessoas reunidas em frente à TV da minha casa. Saudades afetuosas de algumas delas que já viraram estrelinhas.
Enfim, escorre emoção!
Um grande abraço
Marlene

Fátima Maria (de Pirenópolis) disse...

Caro amigo e grande poeta Luiz!

À cada poema seu que leio, é uma emoção diferente que experimento. Você possui o dom de transformar almas. A minha alma se enche de uma leveza, de uma gratidão, de um carinho tão grandes, que demora a se dissipar. Abençoado seja esse filho de minha terra, cheio da mais intensa luz do amor que inunda sua alma e escoa pelos seus dedos.
Grande e forte abraço! Obrigada por existir dessa forma encantadora.

Ah! Estou no facebook. Adocionei você e o acompanho.

Fatinha.

Klaudiane Rodovalho disse...

Luiz, ,
Sua crônica, sempre impecável. Vizinhança é um tema que nos traz muitas histórias e reflexões, meus avós contavam sobre brigas que se estendiam por gerações em função de desentendimentos de divisas de terras. A Lua foi uma conquista primorosa, poética, nos mostrou a pequenez que somos diante de nosso vizinho, o Universo, com suas infindáveis galáxias e possibilidades.
Não entendo a arrogância humana... um equipamento de som a ponto de nos incomodar com músicas primitivas. Somos muito pequenos, pena que eles não sabem, não conhecem e não têm a sensibilidade de desligar suas caixas acústicas potentes para observar e sentir a imensidão em que estamos inseridos. Olhar a Lua, observar as estrelas, escutar o silêncio e se deixar descobrir na mágica imensidão do céu!