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segunda-feira, março 26, 2012

Datas e linguagem


Datas e linguagem


Continuam os crimes contra a língua pátria, e é triste ter de admitir que isso vem, principalmente, dos tais “formadores de opinião”, os profissionais que, há pouco tempo, eram considerados cultivadores da língua culta. Ah, Camões! Errar é humano, todos erramos, mas todos devemos cuidar de errar menos.

Sou do tempo em que professores tinham cultura geral. O tempo em que professores cuidavam bem de regência e concordância, escrevendo ou falando. Era o tempo em que os alunos gostavam de alcançar novas etapas. Era uma vitória chegar ao Ginásio; outra, passar para o Colegial, em suas modalidades Clássico e Científico, ou preferir um curso profissional, como o Normal, o de  Contabilidade ou os oferecidos pelas escolas técnicas. Os da formação acadêmica (o Colegial) almejavam as faculdades, que ofereciam poucos cursos mas ensinavam a pensar.

Naquele tempo, tínhamos poucas datas a festejar. Eram poucas as profissões destacadas com uma data especial, como os professores, os advogados, os comerciários, etc. Hoje, tem dia especial até para o dedo médio do pé esquerdo da galinha preta. Nessa onda, e falei sobre isso na semana anterior, temos duas datas, com um intervalo de uma semana, para festejar a Poesia (14 de março, a Nacional, por ser aniversário natalício de Castro Alves; e 21, a Internacional, por ser o início da Primavera no Hemisfério Norte).

Mas os “formadores de opinião” detestam poesia! Vai ver, poesia exige concentração (hoje, eles chamam isso de “foco”, que se aplica melhor para os profissionais da imagem com ou sem movimento) e força o pensamento; e forçar pensamento é algo que irrita os “formadores de opinião”.

No dia 21, quarta-feira última, liguei o rádio. Gosto de noticiários de rádio. O âncora da famosa estação goianiense enfatizou o Dia da Água e, naturalmente, seguiu a pauta nacional da mídia, mostrando problemas, negligências, medidas emergenciais que seriam desnecessárias se a prevenção acontecesse etc. e tal. Em dado momento, o moço “saiu” de Goiânia e anunciou a participação de colegas de outras cidades, enfatizando: “O problema atinge também o interior, quando vereadores sequer tomam conhecimento das dificuldades”...  Mudei de estação. Há anos que vejo os “formadores de opinião” substituindo “quando” por “ onde”, mas o coleguinha “pulou o corguim” ao fazer o caminho de volta, aplicando “quando” em lugar de “onde”.

Troquei de rádio, acompanhei a tevê. Ninguém fez qualquer referência ao Dia Internacional da Poesia. Os que se esqueceram do dia 14, adiaram qualquer iniciativa para o 21; chegando o dia, “focaram” na água e mandaram a poesia para as nuvens.

Pois é! Imprensa, “hoje em dia” (jovens adoram falar “hoje em dia”; parece que viveram os dias de ontem), se faz com a inevitável sucessão de escândalos. Mal nos damos conta de um fato escandaloso – que, por tal natureza, é sempre negativo ou negativista – um novo temporal se anuncia no horizonte e aquele que mal passou por nós é devidamente arquivado, encostado, esquecido, apagado.

Mas os crimes contra a língua, esses eu não consigo esquecer. Num programa de amenidades na grande rede de tevê, um moço apresentador falou ene vezes para a atriz entrevistada pôr e tirar “o óculos”, discorreu sobre “aquele óculos” e só faltou dar o preço “do óculos”. Senti que o moço, muito bem empregado porque a beleza física suplanta a qualidade de uma boa formação intelectual, inclui “óculos” no rol de palavras como lápis, tênis, pires... Vai ver, se lhe mostraram dois ou mais pares do equipamento de correção ou proteção visual, ele dirá que são “vários ocúloses” – não duvidem! (Tive de mudar a sílaba tônica...)

O jeito é nos conformarmos. Um confesso admirador de literatura e leitor apaixonado de poesia perguntou-me, via internet, quando faríamos “outro saral”.  Tentei ser educado, respondi-lhe de modo a incluir a palavra “sarau” em sua escrita correta, mas duvido muito que o suposto “leitor apaixonado” atente para a fineza. Fazer o quê? Coleguinha morena e linda, recém formada na profissão das notícias – e dos textos – perguntou-me “quantos chapéis” eu tenho.

Acho que vou plantar batatas!

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