Datas e linguagem
Continuam os crimes contra a
língua pátria, e é triste ter de admitir que isso vem, principalmente, dos tais
“formadores de opinião”, os profissionais que, há pouco tempo, eram
considerados cultivadores da língua culta. Ah, Camões! Errar é humano, todos
erramos, mas todos devemos cuidar de errar menos.
Sou do tempo em que
professores tinham cultura geral. O tempo em que professores cuidavam bem de
regência e concordância, escrevendo ou falando. Era o tempo em que os alunos
gostavam de alcançar novas etapas. Era uma vitória chegar ao Ginásio; outra,
passar para o Colegial, em suas modalidades Clássico e Científico, ou preferir
um curso profissional, como o Normal, o de Contabilidade ou os oferecidos pelas escolas técnicas. Os da
formação acadêmica (o Colegial) almejavam as faculdades, que ofereciam poucos
cursos mas ensinavam a pensar.
Naquele tempo, tínhamos
poucas datas a festejar. Eram poucas as profissões destacadas com uma data
especial, como os professores, os advogados, os comerciários, etc. Hoje, tem
dia especial até para o dedo médio do pé esquerdo da galinha preta. Nessa onda,
e falei sobre isso na semana anterior, temos duas datas, com um intervalo de
uma semana, para festejar a Poesia (14 de março, a Nacional, por ser aniversário
natalício de Castro Alves; e 21, a Internacional, por ser o início da Primavera
no Hemisfério Norte).
Mas os “formadores de
opinião” detestam poesia! Vai ver, poesia exige concentração (hoje, eles chamam
isso de “foco”, que se aplica melhor para os profissionais da imagem com ou sem
movimento) e força o pensamento; e forçar pensamento é algo que irrita os
“formadores de opinião”.
No dia 21, quarta-feira
última, liguei o rádio. Gosto de noticiários de rádio. O âncora da famosa
estação goianiense enfatizou o Dia da Água e, naturalmente, seguiu a pauta
nacional da mídia, mostrando problemas, negligências, medidas emergenciais que
seriam desnecessárias se a prevenção acontecesse etc. e tal. Em dado momento, o
moço “saiu” de Goiânia e anunciou a participação de colegas de outras cidades,
enfatizando: “O problema atinge também o interior, quando vereadores sequer
tomam conhecimento das dificuldades”...
Mudei de estação. Há anos que vejo os “formadores de opinião” substituindo
“quando” por “ onde”, mas o coleguinha “pulou o corguim” ao fazer o caminho de
volta, aplicando “quando” em lugar de “onde”.
Troquei de rádio, acompanhei
a tevê. Ninguém fez qualquer referência ao Dia Internacional da Poesia. Os que
se esqueceram do dia 14, adiaram qualquer iniciativa para o 21; chegando o dia,
“focaram” na água e mandaram a poesia para as nuvens.
Pois é! Imprensa, “hoje em
dia” (jovens adoram falar “hoje em dia”; parece que viveram os dias de ontem),
se faz com a inevitável sucessão de escândalos. Mal nos damos conta de um fato
escandaloso – que, por tal natureza, é sempre negativo ou negativista – um novo
temporal se anuncia no horizonte e aquele que mal passou por nós é devidamente
arquivado, encostado, esquecido, apagado.
Mas os crimes contra a
língua, esses eu não consigo esquecer. Num programa de amenidades na grande
rede de tevê, um moço apresentador falou ene vezes para a atriz entrevistada
pôr e tirar “o óculos”, discorreu sobre “aquele óculos” e só faltou dar o preço
“do óculos”. Senti que o moço, muito bem empregado porque a beleza física
suplanta a qualidade de uma boa formação intelectual, inclui “óculos” no rol de
palavras como lápis, tênis, pires... Vai ver, se lhe mostraram dois ou mais
pares do equipamento de correção ou proteção visual, ele dirá que são “vários
ocúloses” – não duvidem! (Tive de mudar a sílaba tônica...)
O jeito é nos conformarmos.
Um confesso admirador de literatura e leitor apaixonado de poesia perguntou-me,
via internet, quando faríamos “outro saral”. Tentei ser educado, respondi-lhe de modo a incluir a palavra
“sarau” em sua escrita correta, mas duvido muito que o suposto “leitor
apaixonado” atente para a fineza. Fazer o quê? Coleguinha morena e linda, recém
formada na profissão das notícias – e dos textos – perguntou-me “quantos chapéis”
eu tenho.
Acho que vou plantar
batatas!
* * *
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