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sexta-feira, abril 20, 2012

Ghost Writer… Diab’é isso?



Ghost Writer… Diab’é isso?


A tradução desavisada, simplista, seguindo a ordem original das duas palavras induz-nos a imaginar um médium espiritualista a escrever mensagens psicografadas: fantasma escritor. Invertendo-as, considerando a ordenação dos termos nas frases em inglês, temos “escritor fantasma”, que nada tem a ver com o sobrenatural nem com o chamado “plano superior”, mas, sim, com alguém real, concreto e indispensável – o redator capaz de substanciar os discursos de empresários e políticos desprovidos da capacidade aparentemente simples da escrita.

Simples? Sim: para quem domina o texto e não teme a folha em branco – no dizer dos escribas com mais de 40 anos, gente que se valia dos lápis,  das penas e esferográficas, ou ainda das hoje saudosas máquinas de escrever. Atualizando, digo que se trata das pessoas que não se assustam ante a tela vazia do computador e que, com a mesma habilidade – muitas vezes, maestria – das cozinheiras dos casarões, dos hábeis bateristas das bandas de blues e rock n’ roll e dos artistas do traço e das cores.


Dizem que quem cuida de finanças ou de gestão de bens e pessoas, quem vive a vida a tocar a melodia astuciosa de Maquiavel e Shakespeare, ainda que apenas por ouvir dizer (quem os leu é, geralmente, capaz de também escrever) não desenvolve o talento das boas construções em letras. E, estendendo o valor da leitura, atrevo-me a dizer que os grandes artistas do som e das imagens são tão maiores quanto mais horas – ou dias, meses e anos – tenham consumido no exercício de leitura variada. Haja vista Tom Jobim, Francisco Buarque de Holanda, Villa-Lobos, Ari Barroso e centenas ou milhares de outros, como também Cândido Portinari (que foi também poeta), Amaury Menezes, Maria Guilhermina, Dinéia Dutra, Alcione Guimarães... “Ah, pára!” – diria o personagem Crô, da novela Fina Estampa, recentemente finalizada na Rede Globo, criação do talentoso Agnaldo Silva. Claro, eu paro, porque não tenho espaço para nominar tanta gente!


Pouquíssimos entre nós, os escribas, pôde evitar o exercício de ghost writer nos empregos em que nos defendemos da fome e das contas a pagar. Como é possível que alguns não gostem de ser aqui denunciados, falo apenas por mim, que redigi praticamente de tudo para a voz ou a assinatura de chefes “apressados” ou por demais “ocupados”, sem tempo para escrever. Desde breves memorandos, cartas comerciais, ofícios, discursos, textos para jornais e revistas, algumas eventuais cartas pessoais – nos campos da amizade, das famílias e até mesmo dos amores clandestinos – e ainda trabalhos escolares (ajudei muitos contadores, professores, advogados, administradores, economistas e outros profissionais a obterem seus diplomas; jamais me fiz remunerar por isso, escrevi-os pelo prazer de ler, pesquisar e redigir, e muito raramente ouvi um “muito obrigado” por algum desses trabalhos, que entregava prontos para serem entregues).


Não há muito tempo, comentei com um político local sobre a autoria de um artigo de longo fôlego, assinado por um então deputado federal. Afirmei, com conhecimento de causa, ser signatário do texto o único político goiano habituado a escrever seus artigos; o meu interlocutor não gostou, disse que ele também era autor de seus textos. Tanto melhor! E descobri, tempos depois, que aquele a quem atribuí a autoria dos próprios textos havia copiado, sem citar-me, longos trechos de um discurso que proferi na Academia Goiana de Letras, inserindo-os em fala sua no  Congresso Nacional.

Mordi a língua! E, recentemente, ao contar isso numa roda de professores, ouvi de uma jovem pedagoga:

– Pensava que eles só se apropriavam de verbas públicas!

* * *


4 comentários:

Anônimo disse...

Um dia escreverei crônicas tão bonito assim.

Osair de Sousa Manassan disse...

Deliciosa crônica. Identifiquei-me por ter vivenciado essas experiências de escritor fantasma... O "mandatário" pedia ao seu secretário de comunicações e, este pedia a mim. Não raras vezes ouvia o "digníssimo" elogiar o texto ao seu secretário que nem ficava vermelho.
São muitas e deliciosas histórias nesse terreno fantasmagórico.
Parabéns pelo tema e conteúdo, Luiz!

Mara Narciso disse...

Estranha experiência da qual não tenho. Chico Buarque falou disso no seu livro Budapeste. Quem sabe faz ao vivo, quem não sabe, faz de conta que sabe. Coragem monstra essa sua, de confessar essa fraude, Luiz. Espantada, vi que você escancarou a verdade, como é do seu feitio. A confissão do pecadilho era necessária, até para a finalização magistral. Tremam os incompetentes!

Maria Dulce Loyola Teixeira disse...

Luiz de Aquino, sempre com crônicas que nos acrescentam boas coisas.
Sinto uma enorme frustração quando vejo tantas pessoas pouco se importando com a nossa cidade e com a história, usam o nome de pessoas ilustres em monumentos, praças, ruas e depois, sem nenhuma cerimônia, trocam, fazem o que bem entendem. Nem sei o que é isso, pois vai além da falta de conhecimento da história, é descaso, descomprometimento com o que é sério.
Vi com tristeza aquele episódio das medalhas com o nome de Pedro Ludovico, entregue de qualquer forma e a qualquer um, pensei até em escrever algo, mas desisti, porque não é só com ele esse desrespeito, muito mais pessoas ilustres são usadas para promoção de quem usa seus nomes para fazer alguma coisa com o único objetivo de aparecer, não fazem um estudo detalhado, não se inteiram do que vem sendo feito. Por exemplo, tem se falado tanto em um Memorial dos Pioneiros de Goiânia para reunir toda a documentação relativa à transferência e o início de Goiânia, por que continuam espalhando essa documentação? Retalham a história em vários pequenos museus e casas de cultura sem atingir o objetivo. Ora, se o assunto é Goiânia reúna tudo e coloque à disposição do público, façam o sonhado Memorial, como existe em todo lugar, exemplo mais perto é o Memorial do JK em Brasília.
Algumas pessoas têm livre acesso aos jornais e tudo que escrevem é publicado como verdade e necessário, poderiam se engajar para um movimento em prol da preservação da história de Goiânia, da Praça Pedro Ludovico (Cívica) e quando pensarem em algo, que seja feito com um estudo de custos e benefícios, vendo se não está sendo repetitivo ou repetindo os erros.
Não estou criticando a grande maioria séria que quer o melhor para a cultura, mas infelizmente, cada vez que vejo um fato como a distribuição da medalha do Dr. Pedro, penso nas ofensa que causam aos homenageados, pois foi assim, e muitos amigos nos ligaram indignados, é uma pena que, embora, o reconhecimento a Pedro Ludovico seja imenso, alguns desavisados ou descuidados fazem coisas desse tipo.
Desabafo com você que é um grande escritor e preservador da identidade dos goianos.
Abraço da amiga,
Maria Dulce Loyola Teixeira