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quinta-feira, agosto 16, 2012

Era amor. Ou quase


Colégio Pedro II


Era amor. Ou quase

(Preciso esclarecer: esta crônica foi escrita em 2002 – daí a saudade datada de 38 anos. Já foi publicada em jornal e em páginas virtuais. Gostei do que vivi, do que senti ao lembrar e estou portanto, agora de relembrar).


Era 1961 e era outro o Rio de Janeiro. Com certeza, diria algum de nós se tivéssemos, hoje, aquela idade. Será que éramos outros, também? Sim, éramos: era outra a cidade, outros os tempos, outras as expressões coloquiais e nós próprios tínhamos outros conceitos – outras cabeças. O uniforme do Colégio Pedro II era calça ou saia, conforme o caso, azul marinho; camisa militar bege, gravata azul marinho, meias pretas para os meninos, meias brancas para as meninas. O emblema do colégio, ostentando uma barra para cada série do ginásio ou uma estrela para cada ano colegial, era aplicado no braço esquerdo. Sapatos sempre pretos, mas os cintos eram em cor de caramelo (para as meninas). No ano seguinte, trocaríamos as camisas militares por blusas brancas e a gravata, de início em azul claro, seria abolida. É quase impossível esquecer a sensação de grandeza de que nos apossávamos quando no quarto ano do ginásio. Tínhamos entre 15 e 17 anos, mas éramos todos convictos de ser adultos: apaixonávamos, freqüentávamos bailes, programávamos passeios e encontros – tudo numa postura de independência descabida, como se realmente decidíssemos nossos destinos.

O autor, aos 15 anos

Tive duas paixões, naquele ano. Uma era a mocinha magra e sardenta de olhos claros, morava em Madureira e se chamava Lea – pouco importa, agora, pois que o momento é de falar da outra paixão, a que, como todas as demais que vivi antes e depois e que pelas quais sempre achava que morreria, tirou-me o sono em longas e memoráveis noites. Chamava-se – chama, penso eu; e deve ser uma senhora muito bonita – Rosália Maria Cortes Perissé e morava em Santa Teresa, no número 41 da Rua Eliseu Visconti.

Tinha primas e uma irmã mais velha e formávamos grupos, moças e rapazes, para ir a bailes no colégio ou no Montanha Clube, na Tijuca. Festa acabada, pegávamos bondes e esperávamos o sol nascer da varanda de sua casa, debruçada sobre a paisagem maravilhosa de uma cidade que, se não é feitiço, é fetiche. Descia de carro do Corcovado, dia destes. Em lugar de retornar ao Cosme Velho – o imortal bairro de Machado de Assis –, preferi tomar o rumo de Santa Teresa, seguindo os trilhos. 

Largo do França, que dá acesso à Rua Eliseu Visconti. Santa Tereza - Rio.

A saudade fez uma fisgada desde a garganta até o baixo ventre quando li a placa esmaltada, campo azul e letras brancas, dizendo que aquele era o Largo do França e a minúscula rua em viés não era outra senão a Eliseu Visconti. Lembrei nosso último baile, a minha terceira investida, esperançoso de namorar Rosália. Então já era 1963 e eu voltaria para Goiás em julho. Janeiro de 1964, Paschoal Carlos Magno (diretor do Instituto Nacional de Teatro) promoveu a Caravana da Cultura e convidou Otavinho Arantes e sua trupe – lá fui eu, ao lado de Zanilda, Mário Alberto, Sidney Santos e tantos outros. Primeira parada: Além Paraíba, na divisa de Minas com o Estado do Rio. Rosália era de lá e assim que o ônibus parou perguntei a um moço se a conhecia. Coincidência: ele a conhecia, era seu primo, mas a moça partira naquela manhã para o Rio, ia cuidar de papéis no colégio. Na viagem de volta, esta semana, dois dias após o passeio pela trilha do bonde em Santa Tereza, avistei na BR-040 a placa indicando, seta à esquerda: “Além Paraíba”.

A saudade bateu de novo, outra vez doída, 38 anos depois. Houve, naqueles verdes anos, muitas paixões. Mas aquela, eu acho, era amor. Ou quase.


* * *


7 comentários:

Anônimo disse...

:)

Adriane Ribeiro Guimarães disse...

Belíssima crônica Sr. Luiz, um saudosismo delicioso e comovente. Tão bom voltar no tempo e rever, como num conto antigo, pessoas e lugares. Obrigado pelo lindo presente!

Adriane Ribeiro Guimarães

Paulo Rubem Valente disse...

Caro Luiz,

Sua ótima crônica (mais uma) me trouxe saudades, lembranças. 43 anos depois tenho certeza de que o meu era ou será que é? Amor.
Um grande abraço,
Paulo Rubem Valente

Sueli Soares disse...

Sinto, senti, sentirei... rsrsrs. Fatos!

Eliana Leal Matos disse...

Achei linda esta crônica, parece que o sentimento que tínhamos naquela época era o mesmo, diferente desta que vivemos, em que os meninos só pensam em ficar - e o amor, o romantismo não existe mais. Muito boa a crônica! Abs.

Maria Helena Chein disse...

Ah, Luiz, que delícia de crônicas! A do aniversário, com os
lindos 67 anos, e a dos amores de 38 anos atrás, no Rio de Janeiro.
Sua sensibilidade e sua memória são de dar inveja. Adorei os textos.
Beijos.
Maria Helena

Mara Narciso disse...

Impressiona-me a sua memória, especialmente para nomes e sobrenomes. Nessa mesma idade lembro-me de bem pouco, mas quanto às verdadeiras e demolidoras paixões, as duas principais foram reencontradas e devidamente reeditadas. Foi muito bom essa reprise proporcionada por uma época em que casamentos vêm e vão, e uma internet que interliga tempos, lugares, pessoas e temores. Bons tempos esses e ótimos tempos aqueles em que se podia apaixonar.