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segunda-feira, dezembro 17, 2012

“Poetas muito ruins?...”


Um tema recorrente: qualidade do que se escreve e do que se lê, as preferências de leitores e de críticos, o que fazer para se formar leitores… Bem, pensando nisso e discutindo isso com uma jovem professora de Letras, ocorreu-me visitar meus guardados. Achei esta crônica, de fevereiro de 2005.



“Poetas muito ruins?...”



Há poucos anos, num filme, o personagem do ator Robin Williams era professor numa escola rural norte-americana. Ele põe no quadro um poema e diz: “A maioria das pessoas não gosta de poesia, acha a poesia uma coisa chata”. Um aluno confirma: “Mas poesia é coisa chata, sim”. E o professor, para espanto da classe e das platéias: “Você tem razão. E sabe por quê? Porque a maioria dos poetas é muito ruim”.

Existe poeta ruim? Dizem que não, que existem poetas e não-poetas: cantor ruim não é cantor, bailarino ruim não é bailarino e jogador ruim é perna-de-pau. O fio de um talento pode ser percebido desde cedo, mas desenvolver o talento implica muita dedicação, estudos, treinos ou práticas – enfim, os muitos nomes que damos ao exercício da persistência. As escolas facilitam, porque as escolas “metodificam” o aprendizado. Se não há escolas para a prática, o jeito é se tornar autodidata e criar, então, o método. Quem imaginaria, ante a Seleção campeã de 1958, que um dia teríamos escolinhas de futebol? Engraçado: já existiam as escolas de samba.
Escolas de poesia não existem – mas existem as oficinas. O poeta Aidenor Aires, bacharel de direito e procurador de Justiça, além de professor de Letras (Português e Literatura), não pôde ser pago por ministrar oficina de Poesia em órgão de Estado porque o Tribunal de Contas entendeu que ele não tinha título de “professor de poesia”. Ele riu – achou melhor que acionar judicialmente para receber uma migalha, que paga de professor, ainda mais em oficina de poesia, é mais ridículo que esmola de rua. Eu, que sou tido como precipitado em emitir alguns conceitos, perguntei: “Mas o Tribunal de Contas é um órgão esdrúxulo: é tribunal, mas seus membros não têm formação acadêmica para a magistratura (não necessariamente).

“A maioria dos poetas é muito ruim”. Recordei meus professores de Português nos extintos Ginasial e Clássico, todos estimuladores de nossos talentos embrionários. Jamais vi uma Maria Helena Silveira, no Colégio Pedro II, ou um Aldair Aires e Ecléa Campos Ferreira a desestimular a índole de redação dos alunos. Mas sei de professores por aí que anulam tanto seus alunos que alguns deixaram até de ser leitores. E tais professores – pasmem – são engrandecidos por uns poucos ex-alunos que lhes perdoam esse crime em troca de um silêncio cúmplice, sabe-se (ou se sabe muito bem) por que motivos.

Já curtia o Clássico quando senti – ninguém ensinava – que a linguagem da poesia tinha nova roupagem nas últimas décadas. Havia a bossa-nova na música brasileira, a Semana de Arte Moderna de 40 anos atrás ainda ecoava forte e o CPC da UNE estava aí, acontecendo (antes que o golpe de 1º de Abril de 64 o fechasse). A arte não se limitava a campos em flor nem ao “beletrismo” – a arte se vestia de sangue, de sexo, de dor e de fome, se necessário, também. Foi meu amigo José Pinto Neto quem me deu a primeira bronca: “Rapaz, pára com isso de tantas reticências. Que poeta é esse que não sabe o que diz?”. Foi o bastante para que eu fugisse, também, das interrogações. Escrever sobre as dúvidas é fazer coro com a platéia, quando é esta quem deve fazer coro com o poeta. Claro!

Aos poucos, e à falta das escolas específicas, vamos aprendendo, com muita leitura e participação, perguntas e respostas, viagens e contatos por carta, telefone, Internet e quaisquer outros modos de troca literária.

Mas persistem os que se vestem do antiquado conceito de que “poesia é terapia, é catarse” e outros que-tais. Muito se queixa das comissões julgadoras em concursos, mas julgadores, muitas vezes, param na primeira página, no primeiro parágrafo, na primeira linha. No último sábado, um jovem poeta me mostrou excertos de um poema que se dispensa a partir do título. O (a) autor (a) já mostrava, no título, a “pérola” que qualquer leitor de bom gosto deixaria correr pelo ralo do descaso: “Será que sou um ser?”. O olhar sem leitura, sobre o papel, vislumbrava um infindável pontilhar de reticências.

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Um comentário:

Pedro Du Bois disse...

Muito bem situado o seu texto, caro Aquino. Parabéns. Abraços, Pedro.