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sexta-feira, fevereiro 15, 2013

Se é de casa, não presta


Fotos: Internet
Desfile na Sapucaí, Rio de Janeiro, este ano: a campeã Unidos de Vila Isabel


Se é de casa, não presta (*)



Enfim, chegada a Quarta-Feira de Cinzas, o brasileiro começa a trocar votos de Feliz Ano-Novo! Mas o rescaldo do carnaval não se limita ao começo efetivo do novo exercício fiscal, político, profissional etc. As primeiras notícias da semana, que começa na quarta, e da manhã (que começa ao meio-dia), referem-se ao balanço parcial dos acidentes rodoviários – muitos deles, verdadeiros desastres, com feridos graves e até mortos. E as chamadas para o julgamento das escolas de samba que desfilaram na Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro.

Na esfera regional, notícias da terra. E para nós, replêis de cenas dos quatro dias nas principais cidades do interior em que o carnaval de fato acontece, em alguns deles com a heresia da inserção de ritmos estranhos, como o sertanejo comercial que virou marca de Goiás ou o axé baiano – novidade para o carnaval de Salvador que as comunidades menos aquinhoadas com o talento dos compositores locais adotam como atrativo.

Excelentes nomes da música feita em Goiás: Luiz Augusto, Xexéu e Amauri Garcia

Meu amigo Amauri Garcia, compositor de mão cheia, cantor de rica voz e jornalista competente, queixou-se no Facebook que, em Caldas Novas (minha querida terrinha), pontearam algumas bandas goianas, mas a mídia autorizada a transmitir os “folguedos momescos” (às vezes sou dado a evocar expressões e falas em desuso) de Goiás. Houve chamadas e, depois, cobertura da apresentação do mineiro Alexandre Pires, mas nenhuma referência – nem antes, nem depois – à banda do festejado Xexéu ou aos sambistas Heróis de Botequim, entre outros.

Reforcei o grupo que se solidarizou com a queixa do parceiro de Luiz Augusto (a dupla, que não é sertaneja, é detentora de vários prêmios, inclusive de amplitude nacional); a queixa veio em razão do pouco caso que setores da mídia local dedicam aos artistas da terra. O que eu disse? Que não é só na música, pois se perguntarem a qualquer pessoa o que está lendo, a resposta jamais contempla autor goiano ou radicado aqui.

Ao meu comentário, alguém estampou as letras kkkkk, sem palavras, debochando ou vangloriando-se do que eu disse. Soou-me como o velho conceito, dominante em Goiânia, de que se é de casa, não presta. Não ligo, como ligo para vaias. Nunca consegui vaiar ninguém, e vaia é o único som que, por mais turbulento, não me alcança.


A poetisa Leda Selma

A contracapa do CD; lá
dentro, os créditos
Agora mesmo, acabei de ver um vídeo em que polêmico radialista que já passou por aqui apresenta-se como autor da música “Voa”, de Leda Selma com melodia de Ivan Lins, no CD “A cor do pôr do Sol”. O cidadão, com cara de pau desmedida para assumir autoria que nunca foi sua – e é muito fácil de se provar isso – não se peja. Declama o poema, depois canta-o cinicamente... E, ao fim da entrevista (está no Youtube) declama um poema de Vinícius de Morais (ou Moraes, para os conservadores) e diz ser de Fernando Pessoa...

Sinal dos tempos! Temos, em Goiás,  o que há de mais fino em MPB atual; sei que o gênero marca presença, ainda, em muitos pontos do país. Temos em Goiânia um contingente respeitável de músicos roqueiros e até mesmo do riperrope (estes não gostam que eu escreva assim), mas a chancela do sertanejo, ao tempo em que valoriza e fortalece o segmento, prestigia também a maior parte do que se faz e que carece de boa qualidade; no dizer de um crítico musical, é algo como o cachorro-quente – um alimento sem qualquer valor nutritivo, mas fácil de se fazer, que se encontra nas esquinas e de consumo rápido: mata a fome sem alimentar.


* * *

 (*) Neste título, e sob este tema, rememoro a máxima de Nelson Rodrigues, parafraseando-o: O goiano tem um complexo de vira-latas; no nosso caso, parece-me incorrigível (ao menos por enquanto). L.deA.

5 comentários:

Mara Narciso disse...

Esse mal é endêmico em todo o país. Temos o slogan "Cidade da Arte e da Cultura", para Montes Claros, e ainda hoje, enquanto entrevistava o proprietário de um sebo, para a Revista Plataforma, um artista plástico reclamava da má valorização das suas obras. A nossa luta é a mesma, havendo sempre alguns heróis e estóicos altruístas, que largam as suas vidas, para promover a arte local. A Rádio Unimontes, da Universidade Estadual de Montes Claros, tem um programa muito interessante, uma hora, todos os sábados, que valoriza o compositor local, tocando músicas de vendagem pequena, porém de grande qualidade. Que tal propor fazerem isso aí? O negócio é parar de importar o que não é bom, e no boca-a-boca falar bem do que é nosso.

Leda Selma disse...

Luiz, visitgei seu blog, li suas crônicas mas, como sempre, não soube deixar o comentário, o que faço agora. Pois é, poeta, seus textos, como sempre, têm a força da verdade, a marca da lucidez e o peso da denúncia, mesmo sutil. Sua visão crítica sempre suscita reflexão, aprofundamento, discussões e isso desperta consciências. Fiquei chocada com a loucura do tal radialista esportivo, polêmico e inconsequente, que, em entrevista à jornalista Adriana Spinelli, arvorou-se em autor do meu poema VOA (de 1998, constante em vários de meus livros, em antologias nacionais e internacionais, traduzido para o inglês, espanhol e francês e publicado em revistas na França, Bélgica e USA) musicado e gravado, após minha autorização, por Ivan Lins. Inacreditável a mentira ridícula do tal indivíduo.

Obrigada, Luiz, por denunciar, em sua crônica Se é de casa, não presta, essa tentativa de usurpação, essa desonestidade com cara de cinismo. Lêda Selma

Getúlio Targino Lima (presidente da Academia Goiana de Letras) disse...

Caro confrade Luiz de Aquino: Fui ao blog. E, como sempre, pude me deliciar com o produto de sua mente privilegiada. Crônicas como : " Na ponta dos dedos", " O ódio supera o respeito", " "Leodegária de Jesus" e " Se é de casa não presta" comprovam o quanto se pode e deve testemunhar, com a crônica, a respeito de tantos momentos, sentimentos e grandezas ou fraquezas humanas, com a coragem suficiente para dizer e dizer bem, no momento certo sobre coisas e gente, evitando o passar de lado do levita... Vou continuar me deliciando caro confrade, seja pela forma artística do texto, seja pelo conteúdo, porque você vai continuar escrevendo...

Elias Antunes disse...

Olá Luiz,

Sempre leio suas crônicas inteligentes e vivazes com bastante interesse.

Abraços,

Elias Antunes.

Roberta - Livros Medicina disse...

Adoro a forma com que você escreve, vou continuar sempre lendo suas matérias. Não sou nenhuma especialista mais informação é sempre bem vinda.