A UTI e O Pequeno Príncipe
Desde a década de 50 do século passado, o
pequeno livro de Saint-Exupéry dominava o gosto de crianças e adultos. Houve um
tempo, lá pelos anos 60 e 70, em que frases da obra eram decoradas a muito
sacrifício pelas candidatas a misses pelo Brasil afora – era o tempo em que
toda menina-moça (hoje, adolescente) sonhava com os desfiles, as produções em
pele e cabelos, os maiôs que evidenciavam corpos esculturais . A preferida era
“Tu te tornas eternamente responsável por tudo aquilo que cativas”. Mas sempre
ficava claro que elas, de fato, não leram...
Na minha memória ficou marcada uma das
historinhas do Pequeno Príncipe, que vem a ser o diálogo dele com o Rei. Foi
assim:
O
principezinho procurou com olhos onde sentar-se, mas o planeta estava todo
atravancado pelo magnífico manto de arminho. Ficou, então, de pé. Mas, como
estava cansado, bocejou.
– É contra a etiqueta bocejar na frente do
rei, disse o monarca, Eu o proíbo.
– Não posso
evitá-lo, disse o principezinho confuso. Fiz uma longa viagem e não dormi
ainda...
– Então,
disse o rei, eu te ordeno que bocejes. Há anos que não vejo ninguém bocejar! Os
bocejos são uma raridade para mim. Vamos, boceja! É uma ordem!
– Isso me
intimida... eu não posso mais... disse o principezinho todo vermelho.
– Hum! Hum!
respondeu o rei. Então... então eu te ordeno ora bocejares e ora...
Ele
gaguejava um pouco e parecia vexado. Porque o rei fazia questão fechada que sua
autoridade fosse respeitada. Não tolerava desobediência. Era um monarca
absoluto. Mas, como era muito bom, dava ordens razoáveis.
"Se eu
ordenasse, costumava dizer, que um general se transformasse em gaivota, e o
general não me obedecesse, a culpa não seria do general, seria minha.
Evoco
essa passagem literária por duas razões: uma delas, de grande importância na
Educação e que ofereço à jovem Alice Cristina Oliveira, aluna do Colégio
Estadual Martiniano de Carvalho (Nerópolis, Goiás), que me postou o seguinte:
“As funções de um livro de literatura são: entreter, emocionar e transformar. Concorda?”. Sim!
Bem a propósito do que me escreveu a professora Beatriz Tupá, minha amiga de
infância (Caldas Novas, claro!): “Se você planeja para um ano, plante arroz; se
planeja para décadas, plante árvores; se for para a vida toda, eduque pessoas”.
A
segunda diz respeito a decisões precipitadas. Daí o fato de eu evocar o imortal escritor francês (e piloto na
Segunda Guerra), a jovem aluna do Ensino Médio e a veterana professora – tudo para
ilustrar o que eu soube estes dias: um juiz enviou a um hospital público
estadual, em Goiânia, uma ordem, no devido papel timbrado de sua Vara Judiciária,
uma determinação: que a criança Fulano(a) de Tal seja internado imediatamente
na Unidade de Terapia Intensiva do citado nosocômio (aqui, estou revisitando os
jornais da década de 60). O diretor, médico zeloso e bem formado, amante
inveterado do ofício e cioso de seu compromisso para com a saúde pública e as
vidas que lhe são confiadas, respondeu “na bucha”:
– Perfeitamente, doutor juiz! Mas só
posso fazer isso se o senhor vier aqui e escolher qual o paciente que eu devo
retirar da UTI.
Traduzindo:
o juiz deu a ordem, a vaga há de surgir; mas o único modo de se criar essa vaga
é com a saída de algum dos meninos ali internados. Ou seja: ao juiz caberia
escolher quem devia morrer para propiciar chance de salvamento para outrem. Ou
que se pesquisasse a existência da vaga em outras unidades hospitalares, na
capital ou em cidade próxima.
O
juiz não leu “O Pequeno Príncipe”, certamente; ou não se lembra. E alguém
precisa dizer-lhe também que vaga em UTI não é uma cama a mais – é todo um
aparato de instalações e aparelhos; criar leitos de UTI implica estudos
delongados e detalhistas.
E
o general, certamente, não se transformará em gaivota...
* * *
4 comentários:
Luiz,
você é demais! Vi, gostei da crônica , costumo usar frase do PEQUENO PRINCIPE, o livro de menino para os adultos. Você se lembrou de minha frase, que aprecio muito , pois nós queremos tudo para agora, mas há coisas que precisamos ter paciência para alcançar como foi o caso citado da UTI, ou do nosso balneário. (KKKKK)
Honra enorme ser lembrada em uma de suas cronicas.
BOM DIA!
LUIZ GOSTEI MUITO, PRINCIPALMENTE A QUE SE REFERE AO "PEQUENO PRÍNCIPE"
ERA ASSIM MESMO...KKK
ABRAÇOS.
Nairte
Gostei muito Luiz. Muitas vezes nos indignamos com determinadas situações e aplaudimos autoridades que emitem ordens sem possibilidade de execução. E nós também, não é? Quantas vezes pedimos da vida aquilo que não é possível ou o lugar já está ocupado.
Postar um comentário