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sexta-feira, janeiro 10, 2014

O que muda, afinal?




O que muda, afinal?


Há alguns dias, escrevendo sobre o Natal e os Natais da infância, atrelei às lembranças uma infinidade de detalhes interessantes que, a rigor, podem não corresponder exatamente à idéia que deles faço hoje. Refiro-me não a objetos, mas a coisas como cores, tamanhos e distâncias. Se bem que as distâncias e os tamanhos sejam a mesma coisa – dimensões. Explico: quando se é criança, tudo nos parece maior. O que hoje é “daqui até ali” era, naqueles tempos, “daqui até lá longe”. Aquele tio grandão é, hoje, menor que nós, os donos das lembranças.

Ao escrever sobre Natais, lembrei-me do desencanto: eu via adultos irem à loja do Tio Aníbal, onde meu pai se dedicava para ganhar o sustento da família, e adquirir brinquedos vários; no dia seguinte, meus amigos exibiam os presentes que Papai Noel lhes deixara sobre os sapatos ou nas janelas dos quartos. Foi fácil deduzir...

Mais tarde, já adolescente (naquele tempo, a palavra não era utilizada; diziam “rapazinho” e “menina-moça”), descobri os conceitos de Ano-Novo. Na meninice, era dia de comer leitoa assada como prato principal em meio a muitas outras comilanças, encerrando o ciclo natalino. Sim: começava como peru, terminava com o leitão ou leitoa (digam-me, que diferença faz, nesse momento, o gênero do bacorim?).

Mais do que o Ano-Novo, descobri o réveillon, palavra francesa para “revelação” que, entre nós, brasilis, restringe-se à passagem do Ano-Novo, o despertar de uma nova numeração – daí, talvez, a contagem regressiva para, num imaginário relógio digital, vermos, por exemplo, o 4 entrar no lugar do 3, como na última mudança.

Mas, pensava eu, além da ressaca, além daquela sensação costumeira (para mim) de ver o dia amanhecer ao meio dia, o Sol como que nascido no meio do céu, a boca rescendendo a bílis e os olhos enxergando tudo lilás – qual era a diferença? Efeitos assim eu vivera noutros domingos pelo ano afora, algumas vezes.

Nossos ídolos tinham a nossa idade...

Usávamos, na minha juventude feliz (como devem ser todas as juventudes) e ligeiramente irresponsável nos momentos possíveis, uma expressão de que sempre gostei e da qual não me esqueço: pegar o sol com a mão. Ah!, doce irresponsabilidade! Mas até a irresponsabilidade pede disciplina; nos dias de estudo e de trabalho, sempre foi impossível agir irresponsavelmente; para isso existiam os fins de semana, os feriados e as pequenas viagens nesses recessos. Não tenho contas das vezes em que “peguei o sol com a mão” no Rio de Janeiro, em Caldas Novas, em Pirenópolis e aqui em Goiânia – as minhas cidades de morada e amor. Houve outras, de muitas outras noitadas marcantes, mas eram cidades bissextas (como diria Manuel Bandeira); igualmente maravilhosas, mas a geografia das minhas cidades tem registros mais fortes.

Alegria de pegar o Sol com a mão
E a doçura das lembranças visita-me os olhos não pelo que eles colhem, mas vem de dentro, da memória para a retina; claro que não projetam, meus olhos, essas imagens, eles apenas revigoram o brilho ao receber tais lembranças. Essa memória, sim, é o que me dá um verdadeiro réveillon, a amostra real de que a vida se renova no tempo. Carlos Drummond de Andrade falou de quem inventou de partir a vida, ou o tempo, em dias ou semanas; e, ao dizê-lo, homenageou o Sol, o astro de maior incidência sobre nós, o que estabelece os dias, embeleza a Lua (que sugere os meses) e põe-nos na memória a consciência das estações e dos anos.


Paro e decifro, defino: com o tempo, com o viver, enxergamos diferente; as coisas e as distâncias parecem-nos menores, as cores ficam mais fortes, como que avermelhadas (como me ensinou o Lucas, meu filho temporão), mas a memória deixa-nos nítidos os sons e os odores. Ou seja: ainda que mudemos os algarismos finais em cada passagem de Ano-Novo, e ainda que vejamos a vida menos azul, nossos sentimentos continuam os mesmos, despertados por sons e cheiros de que jamais esquecemos.

* * *


2 comentários:

Miguel Jorge disse...

Parabéns pela crônica que nos faz recordar e refletir ao mesmo tempo sobre o tempo de agora, abraço
Miguel Jorge

Mara Narciso disse...

São as lembranças gostosas que nos trazem essa saudade boa de sentir. Quem não quer sentir uma leve nostalgia?