O que falta a políticos, artistas, bacharéis e comunicadores? Boas escolas! (Colégio Pedro II, Rio de Janeiro; foto: Internet) |
Prosódia ou ortoépia?
Assistia, como ouvinte, uma
aula de literatura comparada em que alunos de pós graduação apresentavam
análises de poemas de poetas a quem podemos chamar de clássicos brasileiros.
Ora: o Brasil tem tantos poetas quanto esquinas, dizem uns; talvez haja muito mais,
ou seja, é possível que tenhamos tantos poetas quanto janelas…
Pois bem! Aquela aula marcou
em mim uma forte decisão: não perder tempo com pós graduações em que somos
induzidos a acreditar e até mesmo provar situações que só existem no pensamento
íntimo do professor, sei lá se causadas por algum trauma psicológico ou pela
inveja.
No caso, uma aluna tentava
demonstrar, ao estudar um poema, que o autor se contradizia porque falava em
“tantas mulheres que amei” mas que, na vida real, o poeta era gay (a rima foi
ocasional). Só que o estado de homossexual do poeta, morto há quase meio
século, só está registrado na mente do professor. Mas ai dela, a aluna, se
assim não se pronunciasse! Aquele estudo era, disse-me ela após a aula, o passo
decisivo para classificar-se na fase de créditos do curso.
O resumo é que a
desconcertante velocidade da informação tem causado uma agradável progressão na
qualidade das pessoas; mas, ao mesmo tempo, ocasiona acúmulo de conhecimentos
desordenados e descontinuados, quebrando por completo o contexto “academicista”
– esta sim, a diferença que os das gerações anteriores (eu entre estes) acusam
e que se prova pela cada vez mais exigida lista de pós graduações. Simplifico:
“no meu tempo” bastava-nos a graduação, o nível universitário; hoje, a
graduação equivale quase que ao ginasial da década de 60, apenas diferindo na
concessão de um titulo profissional; mas o bom profissional acumula
especializações, MBA, mestrado, doutorado e uma lista infindável de pós-doutorados.
Ao mesmo tempo,
surpreende-me o descaso para com a escrita e a fala. Na ânsia de compreender
melhor esse fenômeno, irritam-me os erros triviais cometidos por profissionais
da comunicação e dependentes diretos da boa fala e da boa escrita, como
juristas, comunicadores (jornalistas, radialistas, atores, professores de
quaisquer disciplinas etc.) e até mesmo políticos, que, quase sempre, estão na
mídia instantânea – como rádio e tevê, onde sequer se pode corrigir o que se
fala.
Numa novela das seis da
tarde, a personagem de uma jovem atriz convida a amiga a retirar-se: “Vamos,
antes que a inveja impreguine esta casa”.
Ora: ando
cansado de ouvir excrescências praticadas por apresentadores e repórteres, com
ênfase para os esportivos, sem perdoar os que cobrem o factual. São coleguinhas
que distorcem até mesmo expressões consagradas e que não precisam ser
corrigidas, como substituir “risco de vida” por “risco de morrer”. Mas aquele
“impreguine” doeu fundo.
Poucos dias
depois, defendendo coisas e práticas questionáveis de sua líder, a presidente
da República (que cria neologismos por decreto, sem considerar que a ortografia
é determinada também por medida legal), a senadora paranaense Gleisi Hoffmann
acusou:
– A oposição repuguina...
Não ouvi o
final da frase: mudei instantaneamente de canal. Se protegemos nossa pele e
nossos olhos de possíveis agressões, costumo proteger também meus ouvidos de
falantes tão despreparados. E concluí: nem prosódia nem ortoépia – é ignorância
mesmo!
* * *
2 comentários:
Entrega pra Deus, poeta, porque a coisa tá feia. O trânsito "segue parado", as pessoas morrem "durante" capotamento, os médicos fazem "procedimentos", os bandidos nem atiram mais, "efetuam disparos", as pessoas não morrem, mas "entram em óbito".Tá brabo. Não ninguém mais nas redações corrigindo nada. Ou não há tempo pra isso (por causa das multiplataformas)ou a ignorância generalizou-se de tal forma que não há quem corrija nada.
Adorei. Fiquei encantada com sua perspicácia e memória. Você nunca desiste e vai fundo em sua persistência e observação. A burrice mudou um termo consagrado, o "risco de vida", pois o que está em risco é a vida e não a morte. "Tropa de burro", como talvez dissesse a minha mãe. Manda ver e não desista deste tema.
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