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sábado, abril 05, 2014

Prosódia ou ortoépia?

O que falta a políticos, artistas, bacharéis e comunicadores? Boas escolas!
(Colégio Pedro II, Rio de Janeiro; foto: Internet)


Prosódia ou ortoépia?



Assistia, como ouvinte, uma aula de literatura comparada em que alunos de pós graduação apresentavam análises de poemas de poetas a quem podemos chamar de clássicos brasileiros. Ora: o Brasil tem tantos poetas quanto esquinas, dizem uns; talvez haja muito mais, ou seja, é possível que tenhamos tantos poetas quanto janelas…

Pois bem! Aquela aula marcou em mim uma forte decisão: não perder tempo com pós graduações em que somos induzidos a acreditar e até mesmo provar situações que só existem no pensamento íntimo do professor, sei lá se causadas por algum trauma psicológico ou pela inveja.

No caso, uma aluna tentava demonstrar, ao estudar um poema, que o autor se contradizia porque falava em “tantas mulheres que amei” mas que, na vida real, o poeta era gay (a rima foi ocasional). Só que o estado de homossexual do poeta, morto há quase meio século, só está registrado na mente do professor. Mas ai dela, a aluna, se assim não se pronunciasse! Aquele estudo era, disse-me ela após a aula, o passo decisivo para classificar-se na fase de créditos do curso.

O resumo é que a desconcertante velocidade da informação tem causado uma agradável progressão na qualidade das pessoas; mas, ao mesmo tempo, ocasiona acúmulo de conhecimentos desordenados e descontinuados, quebrando por completo o contexto “academicista” – esta sim, a diferença que os das gerações anteriores (eu entre estes) acusam e que se prova pela cada vez mais exigida lista de pós graduações. Simplifico: “no meu tempo” bastava-nos a graduação, o nível universitário; hoje, a graduação equivale quase que ao ginasial da década de 60, apenas diferindo na concessão de um titulo profissional; mas o bom profissional acumula especializações, MBA, mestrado, doutorado e uma lista infindável de pós-doutorados.

Ao mesmo tempo, surpreende-me o descaso para com a escrita e a fala. Na ânsia de compreender melhor esse fenômeno, irritam-me os erros triviais cometidos por profissionais da comunicação e dependentes diretos da boa fala e da boa escrita, como juristas, comunicadores (jornalistas, radialistas, atores, professores de quaisquer disciplinas etc.) e até mesmo políticos, que, quase sempre, estão na mídia instantânea – como rádio e tevê, onde sequer se pode corrigir o que se fala.

Numa novela das seis da tarde, a personagem de uma jovem atriz convida a amiga a retirar-se: “Vamos, antes que a inveja impreguine esta casa”.

Ora: ando cansado de ouvir excrescências praticadas por apresentadores e repórteres, com ênfase para os esportivos, sem perdoar os que cobrem o factual. São coleguinhas que distorcem até mesmo expressões consagradas e que não precisam ser corrigidas, como substituir “risco de vida” por “risco de morrer”. Mas aquele “impreguine” doeu fundo.

Poucos dias depois, defendendo coisas e práticas questionáveis de sua líder, a presidente da República (que cria neologismos por decreto, sem considerar que a ortografia é determinada também por medida legal), a senadora paranaense Gleisi Hoffmann acusou:

– A  oposição repuguina...

Não ouvi o final da frase: mudei instantaneamente de canal. Se protegemos nossa pele e nossos olhos de possíveis agressões, costumo proteger também meus ouvidos de falantes tão despreparados. E concluí: nem prosódia nem ortoépia – é ignorância mesmo!


* * *




2 comentários:

Romildo Guerrante disse...

Entrega pra Deus, poeta, porque a coisa tá feia. O trânsito "segue parado", as pessoas morrem "durante" capotamento, os médicos fazem "procedimentos", os bandidos nem atiram mais, "efetuam disparos", as pessoas não morrem, mas "entram em óbito".Tá brabo. Não ninguém mais nas redações corrigindo nada. Ou não há tempo pra isso (por causa das multiplataformas)ou a ignorância generalizou-se de tal forma que não há quem corrija nada.

Mara Narciso disse...

Adorei. Fiquei encantada com sua perspicácia e memória. Você nunca desiste e vai fundo em sua persistência e observação. A burrice mudou um termo consagrado, o "risco de vida", pois o que está em risco é a vida e não a morte. "Tropa de burro", como talvez dissesse a minha mãe. Manda ver e não desista deste tema.