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sexta-feira, agosto 22, 2014

Guardar a língua ou morrer por ela

Guardar a língua ou
 morrer por ela


Diziam os “mais velhos” dos tempos de eu menino que “o peixe morre é pela boca”. Era o tempo em que as mães e as mestras nos ensinavam coisas a partir de provérbios. Coisa boa: eu vejo naquela prática o uso popular da literatura oralizada, pois os provérbios são passados pelas gerações. Naquele tempo em que se estudava Latim, descobri que provérbios vinham da antiga Roma dos Césares.

Infelizmente, alguns sujeitos da minha época decoraram para as provas mas não aprenderam para a vida. Refiro-me ao sexagenário que, travestido de senador da República mesmo sem votos, apresenta uma proposta surpreendente:  a de eliminar o H do alfabeto na escrita nacional.

O Brasil bancou um acordo ortográfico que sofre graves resistências nos demais países lusófonos (não vou esclarecer a palavra; os leitores que vão a dicionários ou perguntem aos vizinhos, pois pesquisar e discutir são práticas saudáveis). Até agora, o benefício só apareceu na indústria livresca brasileira, que gastou milhares de toneladas de papel, a um custo ambiental que assusta Marina Silva; Portugal e as nações africanas da mesma língua desprezam tal acordo.

Agora vem a nota mais triste, meus conterrâneos! O senador “representa” Goiás no Senado! E é preciso dizer que nós, goianos, letrados ou medianamente escolarizados, ou mesmo de poucas letras e ainda analfabetos, não temos culpa do que fez esse senhor!

Destaque: discuti o tema em duas ou três páginas do Facebook. Não existe, no nosso pequeno universo de leitores, escritores ou pessoas de bom papo, absolutamente ninguém que concorde com a estranha idéia. Um jornalista, amigo muito querido, aventou se a coisa não teria passado pelo deputado Tiririca; respondi-lhe que não, que o palhaço deputado é sábio o bastante para evitar uma idiotice de tal teor.

E já que falamos de políticos (?) despreparados, a outra historinha de hoje vem de uma também amiga de conversas no Facebook. A moça é uma trabalhadora exemplar: gari no interior de Goiás e, na mesma localidade, vende comida na feira, em fins de semana. Tem que trabalhar muito, afinal tem quatro filhos entre crianças e adolescentes e não tem ajuda. A duras penas, e acreditando certamente, também, em ditos dos mais velhos, dedicou-se a estudar.

A duras penas, como sempre, formou-se Pedagoga há poucos meses. Imaginem a delícia de uma alegria assim! Com tanto sacrifício e vencendo obstáculos de toda natureza, ela – uma bela mulata que o politicamente correto quer apelidar de afro-descendente – tem agora um diploma, conquistado com o esforço mental de seu aprendizado e o desgaste físico do trabalho árduo.

Pois bem: a primeira-dama de sua cidade formou-se, parece-me que também há pouco, em Serviço Social. Encarregada da ação social pelo marido prefeito, essa senhora de linhos e jóias comentou com a moça que precisa de uma auxiliar dedicada; a jovem pedagoga, sabendo do que se tratava, ofereceu-se, pois julga-se capaz. A primeira-dama subiu nas tamancas! Perguntou se a colega pedagoga (que ela não ouça dizer que são colegas) “não se enxerga, não tem espelho?”.

Minha amiga pôs-se a chorar. Eu teria gastado grande parte do meu rico vocabulário de baixo calão e de idéias afins; eu perguntaria se ela também não se olharia no espelho, pois apesar de sua elevadíssima auto-estima, o maridão poderoso deve nivelá-la por baixo quando freqüenta os bordéis noutras plagas (sei lá se isso acontece; mas, só para ofender, eu teria dito). Não bastasse isso, alguém puxa-saco do poder comentou com a minha amiga: “É isso aí, você fica muito melhor na vassoura do que na sala de aula”.

Pensei: o DNA dessa primeira-dama é o mesmo do senador? Ah, deve ser...

* * *

7 comentários:

Luiz Delfino disse...

Boa tarde meu bom amigo conterrâneo de Coralina, a nossa saudosa poeta.
Quisera ser de sua lide, na escrita, para poder expressar-me, com todos os "agás", e escrever ao notório senador que fez proposta de tamanha insanidade; mais que nossa língua, praticamente todo o Senado é que precisa ser modificado.
A atitude preconceituosa da primeira dama, me contenho, vez que certamente surge da natural arrogância desse tipo de gente.
Forte abraço..Saudade de Goiás.

Guido Heleno disse...

Crônica lida. É isso aí amigo e escritor Aquino.
Muitas das reformas servem mais para que as editoras vendam mais livros, com o aviso de - de acordo com a nova ortografia -.e apenas isso.
Acho que deveriam batalhar mais é pelo bom uso da língua. Aliás, nós, os mais vividos, e bem vivos, sabemos usá-la muito bem, até mesmo no manejo da língua portuguesa. rss
Abraços
Guido

Mirian S. Cavalcanti disse...

Ah!, meu amigo Luiz, dois fatos chocantes (o segundo, ainda mais do que o primeiro) muito bem trazidos por você. Uma triste mas extremamente imprescindível divulgação. Parabéns.
Abraço
Mirian

Sueli Soares disse...

Acho que fomos predestinados a morrer por ela, querido. Bem-aventurados os que não têm papas na língua, assim como nós!

Silvio Mello disse...

Excelente Luiz ....!!!
Gosto muito do tom político/satírico muito bem aplicados em seus temas...!!!
Estamos repletos de asnos (sem querer ofender o animal) , que propõem mudanças na grafia....!! ...chega a ser até hilário ...

Mara Narciso disse...

A imbecilidade de alguns políticos não tem limites. O normal é analisar os demais a partir dele, achando que os outros também querem a simplificação. Quanto ao racismo, ele está na alma do brasileiro, e arrisco a dizer que da maioria. Porém, esta mesma maioria está buscando a evolução e conhece as leis. Tenta, portanto, não se expressar exatamente como pensa. Esta senhora, mulher do prefeito, está tão consciente da sua importância que não se importa com o politicamente correto. Cartão vermelho para ela.

Maria Helena Chein disse...

Luiz,
bom dia querido amigo,

suas crônicas continuam instigantes, informativas e saborosas.
Diálogo Versejado : o dueto com Chris Herrmann é criativo, lúdico.
O Voto e o Apreço: gostei de sua argumentação a favor do Dr. Antônio Faleiros,
que tanto realizou na saúde pública. Homem capaz de muitos serviços!
Em sua crônica de dez anos de idade, entre outras lembranças, mostra
o pesar pelo fechamento do Bardella.
Tirar o H do alfabeto? Para quê? Helena com H é bem mais bonito que Elena (entre
outros quesitos. Mais uma bobagem em desrespeito à Língua Portuguesa, como foi aquela embrulhada mudança ortográfica.


Bom domingo, ótimo descanso.
Maria Helena