O homem do absurdo
Brasigóis Felício
Quase todos os objetos de suas análises literárias estiveram
situados nos paramos ou do realismo fantástico, ou da
literatura do absurdo. De tal maneira se adentrara nos
labirintos de tais autores e obras, que em meio à biblioteca
labiríntica do universo a que tiveram acesso – e foram
milhares de livros – aquele era o que mais o seduzia. E em
cuja seara mais produzira. Em sua visão, toda a existência
humana decorre no chão movediço e implacável do absurdo.
Pois que a criatura se sabe nascida para a morte inapelável.
Ao menos sucede assim com os poucos, da massa não
pensante, esta que vive para a satisfação dos instintos
básicos; sendo e existindo como animais saciados que
procriam.
José J. Veiga, em sua última vinda a Goiás (1998). |
Ele agora estava convidado a falar sobre a literatura do
absurdo de um dos autores mais renomados
do gênero. Equivocadamente, segundo no notório e
notável crítico, colocado pela crítica como autor do gênero
fantástico ou surrealista, na linha de Cortázar, Gabriel Garcia
Marques e Jorge Luiz Borges. Foi convidado por notória
especialização na área, daí terem sido dispensadas as
licitações exigidas em lei.
José J. Veiga em bronze de Neusa Morais (1999). |
A comprovar a tese crítica do mestre, de que nesta vida
quase tudo é absurdo, mesmo nas horas e ocasiões mais
engravatadas, solenes e sisudas, cita o fato de que, certa
feita, pela manhã, recebe o telefonema deste famoso autor
goiano, reconhecido nacionalmente como o autor do
fantástico mais proeminente, dentre os nascidos em nossas
plagas. Disse no telefonema que fora convidado a receber um
título honorífico, na Assembléia Legislativa do Estado, e que
ali não via ninguém para o apanhar, e leva-lo ao hotel já
reservado por aquele histriônico e trepidante poder
legiferante.
José Fernandes - escritor múltiplo e crítico literário. |
O crítico, de nome José Fernandes, por sinal tornado amigo
do autor, dada a longa convivência à beira da biblioteca
daquele, e da dele próprio, já que se frequentavam
habitualmente. Prontamente lá foi, recepcionou
calorosamente o amigo escritor.Quando já iam saindo do
aeroporto, puderam ver o carro preto da Assembléia,
chegando para o dever de ofício.Tarde demais. José J. Veiga
sentia-se bem na companhia do seu amigo, e deu-se por feliz,
por ser levado à casa dele. Lá eles lancharam, palestraram,
almoçaram.
O escritor descansou da viagem, e só bem mais tarde, já
beiradeando a hora da solenidade, pediu para ser levado ao
hotel. Dispensara o carro preto com o motorista gravatinha.
Ocorre que, na ocasião mesmo em que discorria sobre o
absurdo recorrente na literatura veiguiana, repleta de
personagens alusivos a ministros da ditadura militar de 64,
roliços Delfim Neto) e taquaras rachadas (Ernane Galveas),
estava o crítico a falar “de esgueio”, ou de banda, por falha
do cerimonial acadêmico. Convidado foi a ficar de frente
para a plateia o representante do Governador, e o secretário
do colegiado de imortais.
O representante do governador, elegante, gente boa toda
vida, até se ofereceu para trocar de lugar com o palestrante,
mas este recusou. Falaria dali mesmo, já tinha passado por
situações piores. E a confirmar que tudo nesta vida tende
mesmo para a absurdez, falou de banda. Malaspena que
todos se sentiam em casa, e ninguém ficou constrangido com
a cena. Sendo de se esperar que o acadêmico mestre da
crítica ão tenha ficado com torcicolo, pelo esforço dispendido.
Brasigóis Felício, poeta e prosador, membro da Academia Goiana de Letras. |
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E eu comentei:
Caríssimo poetamigo e irmão de dores Brasigóis Felício, a história já nos era sobejamente
(rs) conhecida, mas contado pela sua verve ganha curiosidade bastante para alcançar as
últimas letras. Meu abraço carinhoso a você, ao mestre José Fernandes e à imortal
memória do nosso José Veiga (lá fora, sempre José J. Veiga). Luiz de Aquino Alves Neto
Um comentário:
Veiga merecerá sempre nossa eterna homenagem. A crônica de Brasigóis comprova isso.
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