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sexta-feira, março 17, 2017

As razões das dores

As razões das dores




Não tenho notícias de um companheiro há algumas semanas. Ligo, mais por curiosidade que saudade, só para perguntar “Olá, tudo bem?”, e ouvir de volta “Tirando os problemas, tudo bem”. Ora, tentei esclarecer, mas o que seria da vida sem problemas? Um tédio! A alegria de viver consiste em resolver problemas, superar obstáculos, vencer dificuldades e, enfim, erguer a mão fechada com um baita sorriso e gritar “Eba!”.

Sempre ouvi que, ao acordar, precisamos agradecer a Deus pelo dia a viver – em seguida, espreguiçar, como cães e gatos, e levantar para os primeiros passos e providências, desde a higiene até o ato de nos aprontarmos, com a indispensável vaidade e a ótima disposição para vencer etapas.

Pensava ainda no papo com esse conhecido quando, pelo Facebook, um companheiro de verso e prosa a quem não conheço pessoalmente, morador das lonjuras brasileiras, quer saber de mim o que leva um homem de quase 80 anos ao suicídio (aconteceu com alguém das relações dele, não sei se finalizou o ato ou se foi acudido a tempo).

Falou-me, esse parceiro, da vida vivida, a formação acadêmica, a profissão exercida a contento e as realizações no campo material, com boa casa, bons carros sempre, casa de veraneio na praia e um sítio na montanha. Muitas viagens e um casal de filhos, já beirando a casa dos cinquent’anos, cinco netos (dois adolescentes e três crianças).

– É o vazio – disse-lhe eu.

– Vazio... que vazio?

– Vazio no tempo, no horizonte e na vida. Imagina esse casal (sim, sua companheira da vida toda, apenas dois anos mais nova, também é triste) na casa de praia durante os dias da semana, esses a que acrescentamos “feira”. O que há na praia? Somente a areia e a espuma das ondas. E o mar, para eles também vazio, é metade de toda a paisagem. O mesmo se dá na chácara, quero dizer, no sítio da montanha. Há os pássaros e outros animais, como macacos, quatis... e mesmo as pessoas que eventualmente passam por eles são fatores reais, mas não lhes preenchem os dias e as emoções – como o eco numa caverna.

Nos tempos de moços, deixamos vazios os dias de nossos pais. Uns 25 ou 30 anos após, nossos filhos fizeram o mesmo conosco e hoje são os nossos netos a deixar foscos os olhos de nossos filhos. “Seus filhos filhos terão”, costumava repetir minha mãe, referindo-se ao fenômeno da autossuficiência que assola os jovens. Lá pelos 40 anos, costumamos retornar aos olhos e afagos dos pais – mas é essa uma fase de muito trabalho, de busca pela consolidação do patrimônio material, com medo de uma velhice triste e mal assistida, e não sabemos então que, na velhice, gostaríamos mesmo de ter tão-somente a proximidade dos que amamos.

Preocupa-me, sim, quando do “gesto tresloucado” (era expressão da imprensa policial de algumas décadas idas), em que a pessoa comete um dos dois graves crimes imperdoáveis. Mas, digam-me, como julgar? Por maior que seja o argumento religioso, angústias e ansiedades não se explicam nem se medem. As razões das dores, só as dores as conhecem.

Deus que se apiede...



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Luiz de Aquino é escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

Um comentário:

Mara Narciso disse...

O vácuo existencial, a falta de motivos, de planos, o esvaziamento das vontades são causas de desejo de finalizar uma vida sem motivo. Tudo já foi feito, exceto morrer. Então, que se conjugue esse último verbo.