Páginas

segunda-feira, maio 01, 2017

BELCHIOR

Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes (26/10/1946 – 30/04/2017)



O cartunista Henfil escreveu, num texto forte e triste na despedida de Elis Regina (janeiro 1982) uma confissão de culpa em nome de toda uma geração, que “nós, os nascidos nos quarenta, te matamos”. Os “nascidos nos quarenta” eram o que dizemos ser “a nossa” geração, as pessoas que começaram a se despontar, nas artes e nas liberdades, na década agitada dos sessenta, sob os sons da bossa nova, a nostalgia do choro e o tumulto da jovem-guarda, aqui, e dos Beatles, no mundo.

Aquele janeiro de 1982 ainda vivia sob os rigores da ditadura – ainda que a anistia já mostrava resultados desde o setembro anterior. A morte de Elis foi um marco não apenas de dor e lamentos, mas o símbolo de uma chave que começava a fechar um período para abrir o seguinte, mudando o país. E o Brasil se agitou em comoção, a Pimentinha se calava mas deixava no acetato e nas mídias seguintes a imortalidade de sua voz.

Foram muitos os “nascidos nos quarenta” que “saltaram do bonde em movimento” ou, no dizer de Rolando Boldrin, “despediram-se antes do combinado”. Nara Leão, Gonzaguinha, Torquato Neto... Ih, muita gente! Tanta gente que, com a média de 70 anos de idade, aquela geração vem se rareando na vida brasileira não só pelo silêncio que a velhice sugere, mas por não mais “ocupar lugar no espaço”.

Este final de semana, o feriadão do Dia do Trabalho, trazia já a tensão dos conflitos nas ruas, com a ação de vândalos oportunistas e a repressão severa e desmedida, proporcionada por policiais despreparados – ou afoitos, ou ansiosos, ou doentes mesmo. A vivência sugeria um noticiário de acidentes e mortes no trânsito das ruas e das estradas, os abusos de velocidade e do uso de bebidas e de drogas.

Belchior (foto colhida na Internet)
A surpresa veio do sul, na manhã de domingo. Morreu Belchior, o cantor das letras poéticas, autor de letras e melodias, o poeta culto e diverso, que não se preencheu só de canções, mas praticou leituras várias, exerceu a poesia e produziu peças de artes plásticas.

Era um dos preferidos de Elis, de Bethânia... E era ele amado por nós, ouvintes ansiosos e exigentes. O moço que se definiu “apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco e sem parentes importantes”, o moço que fez a Transversal do Tempo e disse de nós que “apesar de termos feito tudo, tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”.


Queria escrever sobre Belchior, contar coisas dos encontros relâmpagos, de sua estada (nessa eu fiquei de fora) em Catalão, num sempre lembrado encontro de poesia e poetas promovido por Vicente Humberto, homem de versos e de cálculos, que o poeta Valdivino Braz gosta de recordar, qualificando o autor de Velas do Mucuripe como um expert em Vladimir Maiakóvski.

E por não conseguir falar de Belchior, valho-me dos versos recém brotados da lavra e do talento de uma querida confreira – Sônia Elizabeth Nascimento Costa:

 

Um dia Belchior se ausentou, de forma provisória.

De vez em quando os poetas, os loucos, se ausentam. É preciso.

Todos procuram onde andarão os poetas, os loucos, os do verbo expandido.

Todos querem saber de seus passos, seus caminhos. 

Provisoriamente se ausentam. É assim.

Chega um dia, porém, inevitável, 

em que os poetas, os loucos, se ausentam em definitivo. Também por que é preciso.


Sônia Elizabeth, poeta.

Sônia Elizabeth falou por mim. Um beijo, minha querida!


Luiz de Aquino

 



2 comentários:

Sônia Elizabeth disse...

Obrigada, querido poeta, pela deferência ao poema homenagem que fiz ao célebre Belchior. Estamos juntos no sentimento por tão irreparável perda.

Abraços e obrigada.

Sônia Elizabeth

Mara Narciso disse...

Essa mania que esse povo povo tem de partir sem avisar. Alguns deixam um vazio maior que os demais. Belchior é desse tipo. Gosto demais.
PS: reveja a data de morte, falta um 4 e sobra um 0.