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domingo, novembro 19, 2017

Tudo se transforma


Era assim, nos anos 70



 Tudo se transforma




A não ser da memória de uns tantos jovens e adolescentes – todos eles, hoje, ostentando o algarismo 7 como inicial de suas idades – ninguém (mais moço) saberá do bucólico da dita nova capital. Goiânia daqueles tempos orgulhava-se de seu crescimento, tinha pelo menos duzentos mil habitantes, tinha um comércio pujante e uma indústria incipiente – salvo pontos esparsos de serraria, serralheria e alguns outros menos expressivos, nossa indústria se representava por costureiras e alfaiates.

Os automóveis eram poucos. Parte da frota era anterior ao início do fabrico nacional de carros Volkswagen, DKW Vemag e Simca. A Willis fabricava jipes com projetos visuais e mecânicos como os da guerra mundial, a Ford e a GM (Chevrolet) fabricavam caminhonetes e caminhões. Eram essas as marcas das máquinas que transitavam pelas ruas, admiradas pelos pedestres que as reconheciam, associando cada um aos seus poderosos proprietários.

A juventude de que falei acima se ocupava de estudar e suas referências fortes eram os colégios públicos – o Liceu e o Pedro Gomes, mais o Instituto de Educação (formador de professoras normalistas) – e os particulares Ateneu Dom Bosco, Externato São José, Maria Auxiliadora, Assunção e Santa Clara. O lazer era nos cinemas, aglutinados em dois polos – o centro novo, aquele projetado por Atílio Correia Lima, e o antigo, o bairro de Campinas, que fora município independente até que se fundisse a outras terras vizinhas, mudando o nome para o recém-escolhido Goiânia.

Na realidade, o que comemoramos a 24 de outubro é a data da pedra fundamental da nova capital. A cidade, respeitando-se a História, é a mesma Campinas (ou Campininha das Flores) que desaparece da lista de municípios, substituída por Goiânia.

A que vem isso? A nada. Estou relutando para ver se dói menos. A semana foi marcada com duas notícias tristes. No domingo, dia 12, faleceu solitário o jornalista Luiz Jayme, amigo e colega de ofício no DM. A notícia chegou-me um tanto lacônica, dando conta de sua passagem para o outro plano, acrescentando que fora cremado, como era de sua escolha. Filho do meu amigo e mestre, na PUC, José Sizenando Jayme, Chi (era o seu apelido) era, pois, neto do genealogista Jarbas Jayme.


Ainda sob o efeito dessa triste notícia, chega-me outra de igual teor, na quinta-feira, 16: o seresteiro William José, que enfeitou as noites goianienses desde aqueles verdes anos de 60, isto é, no albor de sua adolescência, também se foi, para tristeza de nossos ouvidos e corações. Nos primeiros momentos do encontro de despedida, na capela do Cemitério Jardim das Palmeiras, notáveis músicos do cancioneiro goianiense – cantores e instrumentistas, muitos deles também compositores e, enfaticamente, parte expressiva de tais musicistas se constitui de irmãos e sobrinhos do grande cantor de tantos gêneros.



Lembrei-me dos que se foram antes e que, também, desfrutaram da companhia de William: Josafá Nascimento, Geraldo Amaral, Nappa, Anete Teixeira, Paulinho de Assis, Cláudio Vespar...


William José, o seresteiro


De memória excelente, o violonista Hermes da Fonseca Júnior registra que ele próprio e Willian começaram sua carreira num conjunto de adolescentes, Os Invictos, na década de 60. Em seguida, o jovem e inquieto cantante integrou-se a Marquinhos e seu Conjunto (destes, somente o baixista Alemão e o baterista Xará continuam entre nós).


Em pouco, dezenas de colegas, companheiros e amigos que praticaram a feliz parceria com William reforçavam o grupo, cada qual trazendo suas lembranças para demonstrar o quanto o pranteado amigo enriqueceu a vida goianiense.


Sim! Não é só de asfalto e automóveis, edificações e regras que se faz uma cidade. A cidade é gente, na mais ampla variedade de tipos e ofícios. Alguns se dedicam a construir, outros a distribuir comercialmente, outros a educar e refinar espíritos – como os professores e os artistas.





Luiz Jayme espalhava notícias e se fazia bom amigo de atos e falas felizes, folclóricas, animadas. William chegava marcante, com aquele corpanzil visível de longe e a voz de risos e saudações para, em pouco tempo, atingir-nos mais fortemente n’alma com seu canto e seus acordes, sempre com variadíssimo repertório.




Sem eles, ficamos tristes. E a cidade, mais pobre.


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

7 comentários:

Sueli Soares, professora e advogada. disse...

Como não conheço bem Goiânia, uma sensação descreve o que acabo de ler: encantada!

Carmem Gomes disse...

Fizeste muito bem caríssimo cronista Luiz De Aquino Alves Neto, em amenizar a dor de seus leitores ao registrar, na história de nossa Capital a passagem para outro plano, de dois de seus amados filhos : o jornalista Luiz Jayme e o cantor, nosso seresteiro , William José. Gravado na memória da cidade, a performance profissional e humana de ambos. Registrados as magistrais canções de William José, a lembrança de um dos primeiros conjuntos musicais que nos embalaram -Os Invictos, Marquinhos e seu conjunto - anos 60/70. Parabéns pelo lindo registro-homenagem!

Maria Elisa Carvalho disse...

Parabéns sua crônica muito bonita e fala verdades. Acho que acontece com todos nós ficamos mais tristes, mais pobres de valores das nossas épicas. Que eram maravilhosos.

Marina Teixeira Da Silva Canedo disse...

Parabéns, Luiz De Aquino Alves Neto, sua crônica resgata um pouco da história da cidade e vem carregada de nostalgia...

Carmem Gomes, escritora. disse...

Fizeste muito bem, caríssimo cronista Luiz De Aquino Alves Neto, em amenizar a dor de teus leitores ao registrar, na história de nossa Capital, a passagem para outro plano de dois de seus amados filhos: o jornalista Luiz Jayme e o cantor, nosso seresteiro , William José, gravando na memória da cidade a performance profissional e humana de ambos. E registrados as magistrais canções de William José, a lembrança dos primeiros conjuntos musicais que nos embalaram -Os Invictos e Marquinhos e seu conjunto - anos 60/70. Parabéns pelo lindo registro-homenagem!

Sonja Curado Jayme disse...

Infelizmente perdemos um primo e um amigo. E cada um que se vai, nos tornamos enfraquecidos. Não por sermos pessoas fracas, e sabendo que a vida é uma contagem regressiva de constantes perdas. Parabéns, muito linda a sua crônica, primo Luiz De Aquino Alves Neto!!

Beto Queiroz disse...

Cronista de valor que lembra o amigo desencantado - Salve Luiz!