![]() |
Professor, crítico e literato mas, sobretudo, um coração dadivoso: nessa foto ele fazia algo de que gostava muito: doar livros. |
Réquiem a Dom José Fernandes
Era 1983, talvez
abril. Desempregado, atrevi-me a tocar um bar na Tamandaré - na época, o ponto
efervescente de Goiânia, tempo em que as pessoas eram sempre conhecidas. Começo
de noite, mal abrira as portas e surge-me aquele moço branco, de óculos e ar professoral,
quase beato. Não errei: as décadas seguintes confirmaram o que senti.
O homem chamou-me
pelo nome:
– Luiz de Aquino,
boa noite! Eu sou José Fernandes, professor de Literatura na Universidade
Federal de Goiás.
Entabulamos um papo
bom. Ele tinha nas mãos meu único livro de então – "O Cerco e Outros
Casos" – e comentava meus contos, falava de recursos e linguagens, e
decidi que era fácil gostar daquele moço.
Meses depois,
encontrei-o lá no seu próprio ambiente, o auditório da UFG. Chamou-me para
sentar ao seu lado. Uma professora (por sinal, de quem eu fora aluno no Liceu
vinte anos antes) perguntou-lhe "Quem é esse rapaz?", e o professor
qualificou-me para ela, atribuindo-me qualidades que eu desconhecia – mas se
ele me via daquele modo, não o contestei. Até porque já o sentia amigo.
Palmilhamos nossos
caminhos, que em muitos pontos se esbarraram nestes 35 anos. Frequentamos
eventos culturais e viajamos juntos algumas vezes, sempre em funções
literárias, fui secretário-geral da Academia Goiana de Letras quando ele foi
presidente, estive ene vezes em sua casa onde, com alegria, conheci muitos
mestrandos e doutorandos de Letras, bem como professores que eram também
doutores e autores de prosa e verso – enfim, isso já seria o bastante para
admirar o mestre Dom José Fernandes (ele sempre gostou de nos chamar com esse
tratamento, Dom), mas eu fui além.
Esse ir-além diz
respeito às minhas consultas espontâneas e sinceras, sempre que alguma dúvida
mais intrigante persistia, mesmo após pesquisar em gramáticas e outros
compêndios. O mestre atendia-me solícito e seguro, e era ele, ainda, o meu
consultor fidedigno nas frases, casos (e histórias também) que envolviam o
Latim.
Foi, com sua vasta
experiência no meio, um companheiro de alta valia quando presidi a União
Brasileira de Escritores em Goiás. Numa série de entrevistas em vídeo para a
Academia Goiana de Letras, ouvi-o numa manhã feliz em sua chácara no Condomínio
Califórnia, em Santo Antônio de Goiás – material excelente que está salvo em bytes,
a ser editado brevemente.
Enfim, esta crônica
que antevê a saudade não é mais que o jorro de um desabafo, de um esforço
inútil para prevenir-me que essa ausência não tem conserto e que, desde agora,
sinto-me em desamparo do jeito carinhoso do amigo desde a indefectível saudação
– "Oh, Dom Luiz!" – até a orientação inefável sobre algum verso,
alguma frase ou andamento, na prosa e na poesia. E, como eu, algumas centenas
de orientandos, em graus de graduação, mestrado e doutorado, entre outros
degraus do aprimoramento, lamentarão essa ausência.
Não quero dizer de
perda, Dom José! Quero, sim, dizer ao Pai Criador que lhe sou grato por ter-me
permitido este convívio salutar e prazeroso. Digo mais que sou feliz, ainda,
por ter vivido este tempo em que nossa terra de Planalto e Cerrado
enriqueceu-se com a sua vivência entre nós, que você enriqueceu nosso
aprendizado e nossas letras, expandindo luzes por onde passava.
Seja bom o seu novo
lugar. Amém!
*****
Luiz de
Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.