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domingo, abril 15, 2018

Livros... crônica de abril, 2010.


Livros à mão cheia

(Crônica publicada nos primeiros dias de abril de 2010. Escolhi republicá-la para fixar um evento que precisa ser mais goiano, posto que tem por cenário um dos nossos mais belos sítios históricos – a secular Pirenópolis, enquanto revivo dois fatos que me simpatizaram – a do religioso católico que não quer o crucifixo cristão em ambientes políticos e o professor que recebeu um “desconvite”).


Encerrou-se a II Festa Literária de Pirenópolis (FLIPIRI. abril/2010). O evento homenageou a atriz que há mais de trinta anos escolheu viver entre os montes delineados pelo Rio das Almas, Eliane Laje. Sua vida confunde-se com a história do cinema brasileiro em muitos pontos, como se viu pelos filmes e fotografias. Escritores famosos pela grande mídia e preferidos das grandes editoras foram realce entre os menos cotados, estes que pontuam pelos vários brasis literários que teimam em existir. Uma festa digna de nota e de destino: ela vai se firmar como o grande evento das letras no Planalto Central, sob a batuta da Prefeitura de Pirenópolis.

Quatro dias depois de encerrada essa mostra, Goiânia sediou o que nos parece ser um récorde: o lançamento simultâneo de cento e trinta e seis (sim: 136) livros, entre autores contumazes e grande número de escritores inéditos. O fato andou despertando o sentimento de raposa em alguns, destacados entre os que o general João Figueiredo qualificou como “profetas da desgraça” (esse tipo de pessoa para quem “quanto pior, melhor”). Estes, olhando o imenso cacho de uvas na parreira, comentaram: “Estão verdes”. Mas a Prefeitura de Goiânia posou de farta palmeira e rendeu belos frutos, sim!

Em Santa Catarina, em 2005, formandos de vários cursos de uma universidade particular convidaram um dos professores dirigentes da instituição para paraninfo. Honrado e agradecido, o homem aceitou. Quando lhe estenderam o pires, o velho mestre ofereceu mil reais. Sim: o cheque, se é que era um cheque, estaria preenchido como na praxe: hum mil reais. A comissão de formatura oficiou-lhe um “desconvite”, usando mesmo esta palavra. O homem, com a humildade dos vitoriosos, respondeu com sabedoria, colocando aqueles estudantes em seus devidos lugares e lamentando, ao final, ter contribuído para formar pessoas tão desprovidas de caráter. Está certo: onde já se viu leiloar uma honraria? Mas é prática corrente nas universidades brasileiras. Esse fato é análogo ao que se deu em São Paulo, onde o Ministério Público determinou a remoção dos crucifixos em repartições. Um frade católico manifestou-se: 

Sou Padre católico e concordo plenamente com o Ministério Público de SãoPaulo, por querer retirar os símbolos religiosos das repartições públicas. Nosso Estado é laico e não deve favorecer esta ou aquela religião. A Cruz deve ser retirada! Nunca gostei de ver a Cruz em tribunais, onde os pobres têm menos direitos que os ricos e onde sentenças são vendidas e compradas. Não quero ver a Cruz nas Câmaras Legislativas, onde a corrupção é a moeda mais forte. Não quero ver a Cruz em delegacias, cadeias e quartéis, onde os pequenos são constrangidos e torturados. Não quero ver a Cruz em prontos-socorros e hospitais, onde pessoas (pobres) morrem sem atendimento. É preciso retirar a Cruz das repartições públicas, porque Cristo não abençoa a sórdida política brasileira, causa da desgraça dos pequenos e pobres. Frade Demetrius dos Santos Silva - São Paulo/SP.

Não posso assegurar que seja verdade, nem que exista, de fato, um Frade Demétrio dos Santos Silva. Mas, se não existe, saúdo com dignidade quem o inventou, porque essa é, de fato, uma atitude nobre. Tão nobre quanto a do professor Rubens Araújo de Oliveira (a julgar serem também verdadeiros o fato e a pessoa). Em ambos os casos, sinto que faltaram dois elementos primordiais na formação dos que levianamente assumem atitudes de desconvidar e (ou) de remover símbolos de fé. Faltaram família e livros.

Sou frequentador contumaz de escolas dos quatro níveis (agora, surgiu um nível preliminar, a pré-escola) e sei que as famílias, irresponsavelmente, atribuem à escola as suas obrigações como educadora, mas já vi pais pondo dedos (sujos, é claro) nos narizes de professores, com uma legenda nojenta: “Sou eu quem paga o seu salário”. E vejo a distorção do uso das mídias, com a criançada sofrendo desvios, os livros substituídos por videogames e pelas drogas. O resultado é esse aí: formandos que escolhem paraninfos pelo poder de doação de grana e promotores que preferem anular a fé, em lugar de permitir que se use um símbolo, seja ele uma cruz com Cristo, uma cruz sem Cristo, uma Estrela de Davi ou um Quarto Crescente.

Viva o professor Rubens! Viva o Frade Demétrio! Viva Castro Alves, que exalta os que semeiam livros!


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

Um comentário:

Sueli Soares disse...

Consegui chegar ao G-mail!

Em abril de 2010, só nos falávamos pelo Orkut e, lembro bem, pouquíssimas vezes. Como só agora recebi a crônica, não pude arquivá-la. Sempre trabalhei em escolas públicas e só paraninfei duas turmas no pós-médio, tendo alunos que eram humildes e gratos. Por isso, não tive essa infeliz experiência. Ao meu arquivo!