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domingo, abril 29, 2018

Liceu de Goiânia, 80 anos!

O Liceu de Goiânia, em bico-de-pena do talentoso artista vila-boense Di Maralhães




Sempre sob a Águia



Dedico esta fala, muito especialmente, ao poeta e acadêmico Emílio Vieira das Neves, com quem compartilhei os bancos liceanos a partir de 1963.


Em novembro de 2017, o Liceu comemorou 80 anos de sua chegada a Goiânia, O colégio, fundado em 1847 pelo presidente da província de Goiás, Barão de Ramalho, mas a população da antiga capital exigiu do governo que se restabelecesse a escola, o que se fez. Dividido geograficamente, o Liceu continuou sua História – lá e aqui.
Propus à Academia Goiana de Letras uma visita ao Colégio para festejar a efeméride, mas o adiamento foi inevitável. Na quarta-feira da semana que se encerra, 25 de abril, estivemos lá e coube-me saudar os estudantes, professores e a História, o que fiz aproximadamente no teor seguinte: 



Barão de Ramalho, fundador do "Liceo Goiano", em 1846.














Esta visita ao braço goianiense do centenário Liceu de Goiás é dos nossos planos desde o último novembro, quando este templo de ensino e formação de cidadãos festejou 80 anos. Ficam as minhas desculpas, justificadas pela agenda um tanto comprometida. Felizmente que o nosso jovem diretor compreendeu e ajustou esta data, em conveniência dupla.

O Liceu chegou a Goiânia como Ginásio Oficial de Goiás, dirigido pelo professor Iron Rocha Lima. E para cá trouxe não só o acervo escolar desde os meados do Século XIX, mas o ímpeto idealista da liberdade, ainda que fosse aquele o ano da instalação do Estado Novo – eufemismo para a consolidação do período arbitrário de Getúlio Vargas.

Há dez anos, aqui viemos, pela primeira vez, festejar os 70 anos. Naquela ocasião, fui incumbido pelo presidente Modesto Gomes para saudar o Liceu de Goiânia e sua história, o que fiz de modo a demonstrar que a nossa história vem da respeitável Vila Boa de Goiás e somos, sim, o ramal efluente do digno Liceu de Goiás, idealizado e criado pelo Barão de Ramalho por lei de 20 de junho de 1846.

Em 1963, matriculei-me no segundo semestre do primeiro ano do curso Clássico, a versão humanística do Colegial, onde fui colega do querido confrade professor Emílio Vieira, poeta e ensaísta admirável, dentre outros que marcam fortemente nossas lembranças.

Em 1969 e 1970, lecionei aqui Geografia e também Educação Moral e Cívica para os cursos Clássico e Científico – o que hoje é o Ensino Médio. Para mim, o Liceu era, legitimamente, a continuidade do Colégio Pedro II, criado no Império ao tempo do príncipe herdeiro, na mesma data de seu décimo primeiro aniversário, ou seja, nove anos antes da criação do Liceu – o décimo segundo estabelecimento criado no Brasil após aquele pioneiro Imperial Colégio de Dom Pedro II. Todos os demais tiveram suas atividades interrompidas, alguns retomaram suas atividades anos ou décadas após – somente o Pedro II e o Liceu Goiano mantiveram-se em funcionamento sem solução de continuidade.

A História inteira do colégio goiano, desde os tempos de seu surgimento, registra a passagem por suas salas de inumeráveis vultos de nossas letras, das ciências e da vida pública goiana e nacional. Leopoldo de Bulhões, aluno brilhante, teve ilustre carreira pública, chegando a ministro da Fazenda nos primeiros anos da República, após governar Goiás. Seu irmão Félix de Bulhões foi poeta notável, professor no Liceu e é patrono da Cadeira 4 da nossa Academia Goiana de Letras, hoje ocupada pela professora Moema de Castro e Silva Olival.

Bernardo Elis, um goiano na ABL.
Na antiga capital, foram notáveis alguns mestres, como Vicenzo Moretti Foghia – ao seu tempo, o único professor capaz de substituir qualquer outro, de qualquer disciplina – e os diretores Joaquim Ferreira dos Santos Azevedo e Alcide Ramos Jubé; o idealizador de Goiânia, Pedro Ludovico, e seu filho Mauro Borges, ambos ex-governadores; e escritores como José J. Veiga e Bernardo Elis (dois dentre os mais notáveis contistas brasileiros) e o artista plástico Octo Marques foram alunos na velha capital.
O contista José J. Veiga, autor goiano traduzido em 40 países.


Prof. Francisco Ferreira
O professor Francisco Ferreira dos Santos Azevedo – agrimensor, professor de Matemática – destacou-se, além do ofício de professor, por ser o autor de um Dicionário Analógico da Língua Portuguesa, obra essa publicada após o seu falecimento. Orgulha-me partilhar da amizade de dois de seus netos – Antônio Celso e Geraldo F. Júnior.

Aconselho a vocês, que me ouvem, visitarem o Liceu em Goiás, a antiga capital. Verão aquela arquitetura histórica que nos toca e desperta a curiosidade natural ante a história. E a emoção virá quando lerem no alto dos portais, os nomes das salas, evocando sentimentos e valores, em lugar de frios números. Visitem a biblioteca, de livros valiosos e raros, bem como o espaço museológico Viva e Reviva, agora em fase de montagem.

Em Goiânia, também, grandes vultos da nossa história, nas mais variadas atividades – da ciência à política, das letras aos negócios – aqui passaram, como o artista plástico e professor Amaury Menezes, o governador, deputado e senador Irapuan Costa Júnior (o aluno liceano, em toda a história, recordista em notas) e dois ex-presidentes do Banco Central do Brasil – Gustavo Loyola e Henrique Meireles (mais tarde, ministro da Fazenda). E, também, o recentemente falecido professor Nion Albernaz, ex-aluno e ex-professor desta Casa, ex-prefeito de Goiânia em três mandatos.

Prof. Nion Albernaz, aluno e mestre no Liceu de Goiânia.

Entre nós, membros da Academia Goiana de Letras, somos muitos os ex-alunos e ex-professores, para nosso orgulho. E orgulhamo-nos, todos, por destaques como, por exemplo, os médicos Zacarias Kalil, Luiz Fernando Martins e Ciro Ricardo, entre tantos outros!

Amaury Menezes, artista plástico, também liceano na nova capital.

Na parede frontal do nosso prédio histórico, junto ao pórtico, há uma placa em vidro com nomes de ex-alunos. Não sei porque razão, o meu nome é o primeiro nessa lista – juro que não participei disso, foi coisa dos organizadores da Casa Cor, que ocorreu aqui em 2009. Somos centenas de milhares de ex-alunos desta casa dupla, este Liceu de 80 anos, desmembrado do eixo vila-boense – hoje às vésperas de seus 172 anos. Há dez anos, eu aqui cheguei com um paletó cinza e uma gravata que removi ao término da minha fala e mostrei-me com o uniforme dos meus tempos aquele da calça bege e da camisa branca, a águia bordada no bolso sobre o coração.

Eu, em 2010, devidamente
uniformizado como em 1963.
Hoje, troco o uniforme emblemático por um texto – um poema que escrevi em 2011, para atender ao pedido de um querido ex-aluno, o médico Pedro Dimas. É este:


Esses meninos sob a Águia

Era um tempo de homens rudes,
mulheres doces – seres severos…
Tempo de nós muito jovens.

Sonhamos crescer, lutar... quem sabe?
Alcançar liberdade – palavra perigosa,
vigiada e guardada a chave.

Meninos grandes de uniforme bege e branco;
jovens mestres de jaleco, pastas, livros
e giz ante o quadro escuro...

Quadro negro, quase sempre verde...
Lousa, massa e cimento
berço de textos e contas – lições.

Calça cáqui, sapatos pretos, saias medianas;
Meninas de meias brancas, muito alvas
– um rigor religioso, aquele!

No peito, a águia! Vigia solene,
asas abertas ao voo
viagem no tempo a vir!
E o sentimento de fé e sonhos. Marcamos:
– sine die, seja sábado e noite,
mas em quarenta anos (ao menos).

* * *

Luiz de Aquino, moço professor de 1970, feliz outa vez entre vocês!

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