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domingo, junho 03, 2018

Imprensa torcendo fatos

A mídia a serviço do mal


Só elogia uma ditadura quem dela se valeu, quem dela teve permissão para se locupletar – como, inclusive, alguns peemedebistas que, em público, esbravejavam contra o regime, mas na calada das noites e dos gabinetes recebiam ordens para votar assim ou assado, conforme o interesse do regime. Entendo o capitalismo e a democracia como escolhas menos ruins, já que tudo o que a humanidade experimentou traz imperfeições (algumas cruéis), e ainda não temos nada melhor.

Ditaduras são cruéis e burras. Cruéis pelo mal que causam à maioria das nações sob seu jugo, favorecendo um nicho de pessoas e grupos, como as empreiteiras que hoje estão investigadas rigorosamente pela operação Lava-Jato. Muitos não sabem que sua hegemonia empresarial e financeira vem dos anos de chumbo.

Todos os regimes precisam dos meios de comunicação. As ditaduras também. Os governos de canalhas, também. A recente paralisação dos caminhoneiros foi transformada, a partir de – dizem – uma ordem do Palácio do Planalto, em ação demoníaca nas pautas das emissoras de rádio e tevê. As redes Record e Globo esmeraram-se no esforço de atribuir a eles, os manifestantes, até mesmo a eterna falta de insumos e medicamentos nos postos de saúde e hospitais (públicos). Num passe de mágica, tudo o que elas, as emissoras, noticiam todos os dias, em especial no campo da saúde pública, passou a ser culpa dos caminhoneiros, como se fossem personagens de uma ficção científica: sua ação de dez dias neste maio de 2018 foi responsabilizada pelo descaso dos governos nos últimos vinte anos.

E o desabastecimento nos supermercados e postos de combustíveis, além dos pontos de distribuição de gás de cozinha? Estranhamente, os grandes supermercados de Goiânia não registraram a crise de modo tão áspero como definiam os repórteres e âncoras das emissoras locais.

O jornalista e escritor Iuri Godinho observou, num paralelo, que nenhum de nós fica sem comida e suprimentos em casa por conta de dois dias de paralisação de caminhoneiros ou de supermercados fechados. As unidades de saúde sabem muito bem o que estocar e as casas comerciais administram bem suas reservas, mas as tevês e rádios, seguindo a ordem do governo federal, elaboraram pautas para difamar os manifestantes. Quando tudo parecia dar certo, registrou-se a infiltração criminosa para tumultuar, promover agressões e estabelecer o conflito.

Há uns 40 anos, Benevides de Almeida me recorda (éramos repórteres em pleno regime do arbítrio militar), achávamos meios de divulgar e analisar fatos. Várias vezes presenciamos policiais à paisana infiltrando-se nas passeatas e comícios estudantis; seu propósito era provocar baderna e, assim, justificar a ação dos fardados com seus escudos, cassetetes e bombas de gás de efeito moral. Desde 2013 surgiram os black bloks, os mascarados que chegam para tumultuar, agredir, incendiar, quebrar e, assim, facilitar a intervenção policial. Nenhum deles foi apreendido, preso, identificado pelas forças policiais estaduais e federais. Parece que são mais poderosos que o conjunto de forças da repressão, não fossem eles parte delas. Na minha opinião, são elementos das P2, a “inteligência” das polícias militares.

As forças de repressão sabem o que fazem e conhecem muito mais do que nos parece. A Polícia só não finaliza o que a política não deixa. Se dependesse da Polícia, o tráfico sequer teria se tornado a superempresa que entendemos como Crime Organizado – ligado por fortes correntes a várias outras atividades, como contrabando de armas, máfia dos combustíveis, roubo de cargas etc. e tal.

O que a Globo e a Record – bem mais que a Band – vêm noticiando é uma farsa que envergonha o jornalismo brasileiro.


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

5 comentários:

Ana Odette disse...

Excelente. Exprime os sentimentos de quem viveu a ditadura. Fico admirada de tantos pedirem a sua volta, ou estou muito velha ou não se estuda mais história.A mídia ,infelizmente , não tem sido imparcial, mostra apenas o que é de seu próprio interesse. Seu grande cliente é o governo, que não tem pejo de abrir os cordões da bolsa a quem lhe interessa. O povo continua vendado, vivendo de pão e circo. Vem aí a Copa quando todos se esquecerão da corrupção, da miséria, falta de escolas etc e se sentarão a frente de suas TVs.Alienados e felizes.

Valdeir Faria disse...

Ótima crônica amigo. Infelizmente tudo nessa vida tem um preço e funciona muito bem com a corrupção ! Quero dizer algo muito claro na minha mente hoje. Prefiro o Brasil de antes, o de hoje tenho medo, muito medo e preocupação !

Lea Paz disse...

Também penso assim, amigo poeta, foi horrível ver a rede Globo distorcendo o movimento de greve dos caminhoneiros, pra mim ficou bastante claro os reais interesses da emissora. A meu ver a imprensa deveria ser imparcial.

Valéria Gomes disse...

Uma noite escura, nublada e fria. Um trieiro em meio ao matagal.Seres humanos desprezíveis, sem apreço, negando a expiação... A ningué pertence o que vem pela frente. Conhecemos o que se passou. Posso até não assumir minha dor, porque a compraram, mas, dentro do meu peito bate um coração que tem memória e isso não consigo deletar. Nem direita, nem esquerda: BRASIL! ❤️

Pedro Du Bois disse...

Parabéns, caro Aquino, pela correção do texto. Mas, consideremos: um país que não passa sua ditadura a limpo, jamais será nação. Abraços.