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quarta-feira, julho 08, 2020

E por falar em saudade











E por falar em saudade...


Há 40 anos o Brasil perdia Vinícius de Moraes. Costumo evitar a palavra perda quando da morte de algum grande vulto, mas se o desenlace acontece enquanto a pessoa vive uma fase produtiva, e dela seus admiradores e parceiros ainda esperam muita coisa – aí, sim, a sensação de perda é inevitável! Lembro que o genial Dorival Caymmi deixou a vida após os 90 anos e, ainda que a comoção nacional tenha sido intensa, conclamei meus amigos e leitores a agradecer ao céu, que o cedeu a nós por quase um século. Mas Vinícius de Moraes se foi “antes do combinado”, como costuma dizer Rolando Boldrin: tinha 66 anos, naquele 9 de julho de 1980.

Uma coincidência: 14 anos e cinco meses após, seu parceiro Tom Jobim finalizou a jornada terrena, aos 66 anos também.



Vinícius tornou-se conhecido antes de completar 20 anos, tido como um prodígio na poesia. A fama precoce, definiu o próprio poeta, não lhe fez bem: “Me deu uma certa soberba, eu achava que era um poeta genial, essas coisas. Mas depois – contou ele no que se tem como a última entrevista, ao jornalista Narceu de Almeida Filho –, uns dois ou três críticos me puseram no meu lugar, direitinho. Um deles foi João Ribeiro (professor no Colégio Pedro II). Ele me fez uma crítica muito boa, mas também muito severa, como quem diz: Olha, menino, trabalhe mais com o verso livre, os seus sonetos são muito bons!”.

O outro crítico era Manuel Bandeira – poeta e, como João Ribeiro, professor no Colégio Pedro II – que também foi severo ao analisar os poemas do jovem Vinícius. E num momento posterior, Otávio Tarquínio de Sousa “escreveu também um rodapé muito bom, me colocando em minha devida posição. O Mário de Andrade, igualmente, me deu umas porradas muito bem dadas. Isso tudo me ajudou muito”, declarou o poetinha.


Em outubro de 1939, a Grande Guerra eclodira na Europa. A Universidade de Oxford dispensou seus alunos, dentre eles o bolsista brasileirinho Vinícius de Moraes, que aguardou em Portugal o navio em que voltaria ao Brasil. E foi lá, em Estoril, que ele compôs o Soneto da Fidelidade:

         De tudo ao meu amor serei atento
         antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto...

Certamente, naquele tempo de espera o sonetista não imaginaria que os versos finais
Que não seja imortal posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure”

seriam infinitamente repetidos tanto nas declamações em saraus e salas de aula quanto nas cantadas improvisadas e milhares de situações pelo mundo lusófono.

Tinha eu 10 anos de idade quando, recém chegado ao Rio de Janeiro, ouvi uma música surpreendente; o nome: A Felicidade; e os primeiros versos eram

                Tristeza não tem fim / Felicidade, sim.

A voz, salvo engano, era de Agostinho dos Santos. A canção, com melodia de Tom Jobim, tomou conta da cidade e veio a ser o primeiro sucesso internacional da dupla. E foi tema do filme Orfeu Negro, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes e, ainda, ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, sendo o primeiro filme em língua portuguesa a ganhar um Oscar – em qualquer categoria!

Também naqueles anos de 1950, o poetinha Vinícius de Morais tomou por parceiro ninguém menos que J. S. Bach! A histórica Jesus, Alegria dos Homens ganhou ritmo de marcha-rancho e teve seu nome mudado para Rancho das Flores:

        Entre as prendas com que a natureza
        Alegrou este mundo onde há tanta tristeza
       A beleza das flores realça em primeiro lugar...


Para mim – garoto sensível e com o agravamento da saudade dos pais e irmãos, que ficaram em Caldas Novas – as surpresas não acabavam. Uma das mais marcantes foi, em 1959, quando João Gilberto gravou Chega de Saudade, ostentando no rótulo de um setenta-e-oito-rotações o gênero “bossa nova” pela primeira vez.



Àquela altura, nos meus 14 anos incompletos, descobri que, por mais encantadoras que fossem as canções de Vinícius, não deveria mais me surpreender.


******

Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.

12 comentários:

Andréa Fonseca disse...

Que texto maravilhoso.
Durante muito tempo, vez por outra ainda tenho esse sentimento descrito no verso: "Tristeza não tem fim, felicidade sim".
Parabéns,Poeta!

Zanilda Freitas disse...

Excelente sua crônica! Com a devida aquiescência compartilharei no meu Facebook. A homenagem está à altura do Poetinha.

Zanilda Freitas disse...

Excelente sua crônica. Compartilharei com a sua aquiescência. Justa e bela homenagem ao querido Poetinha . Zanilda Freitas- poeta.

Unknown disse...

De Poeta para Poeta emana a ternura do olhar cativante de busca pelo outro e ali deixando o seu cheio de esperanças e certeza que o amanhã será um lindo dia...Parabéns Poetas e suas vidas de infinitude.

Unknown disse...

Amei.Nao sou nenhuma entenda em poemas e versos, mas só de saber que por trás deste homem DURÃO, existe um menino sensível, que gosta de, além de escrever,gosta de flores e belas musicas. Parabéns. POETA.Com o tempo arrancarei mais coisas que vão me surpreender. "Tristeza não tem fim / Felicidade, sim". Sua amiga Kita

Lionizia Goyá disse...

A beleza das flores... surpreendem-me, como sua crônica.
E uma sensação, de aconchego envolve-me.
Como melodia agradável, leio cada palavra,
e surpreende-me o existir amiudado.
Posto que, emana dos "grandes",
a leveda do existir terreno.
Obrigada!

Lionizia Goyá disse...

A beleza das flores... surpreendem-me, como sua crônica.
E uma sensação, de aconchego envolve-me.
Como melodia agradável, leio cada palavra,
e surpreende-me o existir amiudado.
Posto que, emana dos "grandes",
a leveda do existir terreno.
Obrigada!

Unknown disse...

Amei. Através do texto, pude conhecer um pouco mais o meu poeta preferido.por trás deste homem maduro, existe uma criança sensível. Que gosta de poemas,músicas, flores e nos versos "Tristeza não tem fim /Felicidade sim". PARABÉNS

BOI Affiune disse...

Adorei chefe!!! Também me apaixonei pelo poetinha ainda menino mas foi quando ele é Tiquinho fizeram seu impagável "A Arca de Noé", lembro-me bem das geniais músicas infantis e da figura com um cinzeiro derramando e um indelével copo de whisky!!!

Samuel Thomaz de Aquino disse...

Que maravilha poder viver um pouquinho de uma época da cultura brasileira que se eternizou por sua qualidade tão bem construída por expoentes como Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Manuel Bandeira, Mário de Andrade e tantos outros grandes nomes. E que beleza nosso querido poeta Luiz de Aquino ter tido a chance de vivenciar o presente da efervescência daquele tempo e neste atual tempo-presente nos brindar com este presente de homenagem. Obrigado e salve salve o nosso grande Poetinha, patrimônio cultural de nosso belo Brasil!!!

Vera Lúcia Alves Mendes Paganini disse...

Gostei muito do seu Blog... já visito há algum tempo e encontro coisas boas aqui! Muito bom!

Mara Narciso disse...

Luiz, recebi seu convite para ver a crônica e o tarefismo doméstico me distraiu, mas hoje dei um pulo na cadeira quando me lembrei. Então, vim correndo, já antevendo seu capricho em pesquisa e cuidados, como é do seu feitio e eu já sei. Acredita que foi além do esperado? Achei seu elogio a Vinicius de Morais um primor. De fato, a velhice vai sendo jogada cada vez mais para a frente. Caso a covid-19 não me leve, pretendo ir além dos 65 anos que completarei no dia 12 de setembro. Se não me engano, acho que você é de 15 de setembro, ou estou enganada? Vinicius de Morais foi bom, e seus poemas têm grande qualidade e poder de comunicação, assim como a sua homenagem. Parabéns aos dois, ao inspirador e ao autor.