Faleceu ontem, 20/06/23, em Goiânia, a professora Ana Braga, aos 99 anos de idade (completaria o centenário no dia 29 de novembro próximo. Em sua homenagem, proferi, no dia 18 de maio passado, na Academia Goiana de Letras, onde éramos confrades, uma breve fala em sua homenagem, cujo teor transcrevo aqui.
Ana Braga
Poema de Placidina
Siqueira, da Academia
Feminina de Letras e Artes de Goiás, AFLAG.
(placidina.siqueira@gmail.com)
Ana Braga,
ah, Aninha!...
parece real Bragança,
do Pedro Afonso,
ou Peixe do Tocantins ...
Ana Braga,
ah, Aninha!...
não há Norte, sequer Sul
que a desarme...
É e será sempre nossa mãe:
Estrela de Carne.
![]() |
Ana Braga (acervo: UBE de Goiás). |
Demonstrações de
afeto são coisas que me emocionam. Em especial quando brotam de um coração mais
moço, observador dos feitos que se tornaram meritórios na vida dos que nos
antecedem. Neste caso, só não me surpreendo porque conheço a poeta Placidina
Siqueira desde os meados da última década do século passado, ou seja, há quase
30 anos. Desde sempre, vi-a atenciosa e disposta a exprimir carinhos às pessoas
à sua volta – ao seu saudoso João, aos filhos Júlia e Ocelo e, ainda, a nós
outros, os que estivéssemos ao seu redor. É, pois, com indisfarçável emoção que
renovo a admiração a essa mulher doçura que é a acadêmica Placidina. Aqui, ela
sintetiza magistral e poeticamente o sentimento de que é tocada ante o exemplo
de vida centenária e ações indeléveis de Ana Braga pela sociedade goiana, desde
os tempos em que a goianidade era horizontalmente imensa – aquele gigantesco
cenário que as condições da natureza e das pessoas conduziram à divisão
geopolítica, multiplicando gentílicos: aquele Goiás de um quase distante ontem
é, neste hoje, tocantinense, brasiliense e goiano.
Refiro-me ao foco
dos sentimentos da Placidina Lemes de Siqueira, a intelectual, a professora, a
vereadora e deputada, mãe de duas famílias – a da juventude e a da vida adulta,
divididas pela viuvez. Em qualquer de seus estados civis, Ana Maria Braga
expressou sua força individual como característica de caráter e de escolhas.
Ainda criança, destacou-se como oradora na formatura do curso primário – e foi
aquele o momento inicial do reconhecimento, por professores e colegas, da
capacidade, do talento e da liderança que marcam sua vida até os nossos dias,
vésperas de sua festa centenária.
A infância viveu
cenários, primeiro em Peixe (então Goiás), depois em Descoberto (a atual
Porangatu). Peixe, de Goiás, ainda é Peixe em Tocantins, na margem do grande
rio que denomina o novo Estado instalado a 1° de janeiro de 1989; desse eixo
provinciano daquela década de 1930, a menina Ana estendeu a vida nômade para
outros aglomerados: conheceu Santana (hoje Uruaçu), Jaraguá e Corumbá; morou na
católica Trindade, e de lá veio assistir ao despertar do futuro na poeira
vermelha que brotava da sangria das artérias da moderníssima Goiânia.
O avô Joaquim
Nunes Pinheiro alfabetizou-a aos cinco anos de idade; depois veio a escola
primária, o ginasial (complementar) e, no Colégio Santa Clara, em Goiânia,
diplomou-se Professora Normalista – em todos esses cursos, foi oradora da turma
ao formar-se. Recebeu diploma de Catequista, das mãos do bispo Dom Emanuel; foi
professora no Grupo Escolar Padrão (Modelo?) e no Colégio Santa Clara.
Em 1947 foi eleita
vereadora em Goiânia; e em 1951, casou-se com seu primo Luís de Queiroz, com
quem teve três filhas: Edetina Augusta, Ana Luiza e Efigênia Auxiliadora.
Parêntese:
Filho é uma coisa que a gente coloca no coração e pergunta a Deus: Como será?
Daí em diante, se vive em constante estado de alerta. Fechando parêntese. (Essa
foi uma resposta de Ana Braga ao escritor Célio de Oliveira; está no livro Acima dos 80 rumo
à velocidade da luz, de 2018, Kelps, 196 páginas).
Quatro anos
depois, seu marido morreu num acidente na estrada que já se prenunciava como a Belém
– Brasília – a BR-14, que hoje é a BR-153. Em 1956, bacharelou-se em Ciências
Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de Goiás (que viria a integrar, a
partir de 1961, a Universidade Federal de Goiás), ano em que também obteve grau
de Licenciada em Geografia e História pela Faculdade de Filosofia – embrião da
Universidade de Goiás (depois, Universidade Católica de Goiás e, hoje, a
Pontifícia Universidade Católica de Goiás).
Elegeu-se, em
1959, deputada estadual; e em 1960, casou-se com o médico Trajano Machado
Gontijo Filho, gerando outros quatro filhos: Antônio Paulo, Fernando, José
Augusto, e Cláudio.
Logo após o
casamento, mudaram-se para Tocantinópolis, onde, em 1962, Ana Braga elegeu seu
marido prefeito municipal. Assim, além de deputada, ela era também
primeira-dama. A família mudou-se para Porangatu, onde Trajano repetiu a
façanha de Tocantinópolis: elegeu-se prefeito, após o casal construir o
Hospital Nossa Senhora da Piedade.
Ana Braga
desempenhava, ao longo de sua vida, incontáveis papéis na melhoria das
condições de vida dos mais carentes. Inquieta e incansável, ei-la novamente em
busca de mais uma profissão: a de Enfermeira, título obtido em 1963.
De sua lavra,
vários foram os livros, incontáveis os artigos em jornais e revistas, múltiplos
e variados, e sempre muito festejados, seus discursos em púlpitos das casas
legislativas e eventos mil nos âmbitos acadêmicos e políticos, em cargos
desempenhados na AFLAG, na AGL e na novel Academia Tocantinense de Letras, de
que é, também, membro fundadora.
Apesar da época –
os anos confusos da década de 1930, que resultaram na Segunda Grande Guerra; os
quarenta do desfecho do conflito na Europa e na deposição de Vargas em
seu Estado Novo; o pós-guerra ainda teimando em conservar costumes, com a
hegemonia masculina nas sociedades... Enquanto tudo isso acontecia, Ana Braga
brilhava com seus feitos e conquistas. Não deixou de ser mãe de família
enquanto era vereadora e deputada, professora e agente de ações sociais,
escritora e líder natural nas ocorrências culturais deste Estado em sua
grandiosidade, antes do corte do quadrilátero Cruls e da separação
Norte-Sul, colaborando, com seu poder feminino sagaz e persistente, para essas
novas unidades federativas e a consolidação do poder que proporciona à mulher
do Século XXI o albor da liberdade.
A esta Academia
Goiana de Letras, chegou por eleição, em 2006, ocupando a Cadeira 31, que tem
por patrona Eurídice Natal e Silva; a primeira ocupante foi Rosarita Fleury,
sua parceira, em 1969, ao lado da também saudosa Nely Alves de Almeida, na
criação da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, a AFLAG, sodalício que
se consolida em breve tempo e representa, com altivez e dignidade, a
criatividade feminina cerceada, por quase um século, pelas academias de letras
– tanto a Academia Brasileira de Letras quanto as regionais.
A propósito, esse
lado de pioneira na personalidade de Ana Braga revela-se também quando, ao lado
de Liberato Póvoa e outros, atuou para criar a Academia Tocantinense de Letras.
Nesta Casa, ela
foi apresentada, formalmente, em data de sua posse, pelo então presidente
Geraldo Coelho Vaz e recepcionada pelo acadêmico Ney Teles de Paula. Coelho Vaz
pinçou datas e vínculos da sempre promissora vida política e social de Ana
Braga; e Ney Teles de Paula situou-a, geográfica e historicamente, na realidade
ancestral da nossa novel confreira, bem como em sua riquíssima biografia, com
evidências para pessoas notáveis de seu convívio.
* * *
O carinho com que
foi acolhida nesta Academia expressa-se além dos discursos do presidente Coelho
Vaz e do orador oficial Ney Teles de Paula, num belo poema, da lavra inspirada
de outro confrade, nosso também ex-presidente Getúlio Targino Lima:
SAGA
Veio
para vencer
a dor,
o amor,
o fenecer.
Veio
para inovar,
na vida,
no ser,
no ar.
Veio para crer
mais na força
do que na fraqueza,
mais na dor
do que na moleza.
Veio ser.
Ser mulher,
mas valente,
destemida,
desbravadora
de novos caminhos,
a conquistar alturas
impensáveis,
vencendo espinhos.
Veio ser mãe,
na ternura do seio
maternal,
e pai,
na fortaleza
do ombro seguro,
largo e puro.
Política,
creu em ideias
e praticou ideais.
Carregou laurel,
a que fez jus,
mas ombreou
a cruz.
Veio para dizer
que o bem se faz,
não se propala;
e que o mal se enfrenta,
não apenas
se fala.
Veio para durar,
durar o tempo
que o exemplo precisa
para ficar.
Veio dizer,
falar,
fazer,
mostrar
que, ao fim
e ao cabo,
valeu a pena
amar.
(Para Ana Braga, Ano Cultural de 2015 da Academia Goiana de
Letras, GTL).
Neste ano de centenário, Bariani e Ana Braga são focos das
nossas homenagens: as minhas entidades – a União Brasileira de
Escritores em Goiás, na pessoa do presidente Ademir Luiz; a Academia Goiana de
Letras, presidida pelo confrade e velho amigo Ubirajara Galli, e o Instituto
Histórico e Geográfico de Goiás, sob a liderança do profícuo historiador Jales
Mendonça – empenham-se em honrá-los com a dignidade de que se fizeram
merecedores, não só pela longevidade, mas por suas vidas profícuas, dinâmicas,
criativas e benfazejas.
Agradeço à Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás pela
oportunidade que me ofereceu, recentemente, de homenagear tão queridos
confrades; confesso-me feliz por participar dessas homenagens – que são também
promovidas aqui, entre tão queridas confreiras. E rendi-me ao convite do
presidente da AGL, Ubirajara Galli, por designar-me o orador para esse preito
de honra à nossa centenária Ana Braga, a despeito das minhas limitações
naturais e intelectuais para tão grandioso momento.
Aos confrades da AGL, às confreiras da AFLAG e aos amigos
convidados que aqui se fazem presente, muito obrigado!
* * *