Ad imortalitatem
Nasr Chaul, historiador e compositor, gestor cultural e homem de letras-canções, amigo e confrade falou assim de Zé Celso (ante a leitura do texto de Ignácio de Loyola Brandão, amigo da vida inteira de seu conterrâneo Zé Celso):
Pra mim, Aquino, Zé Celso. Um Parangolé ambulante com a Tropicália de fundo musical. A Vida, um documentário de Glauber no Teatro Oficina!
Sim, Chaul, estou com você. Com a passagem do Zé Celso para o Plano Superior, as reações em todo o país, em todos os segmentos e, em seguida, os vídeos em que vimos não um velório triste e choroso, mas uma festa popular nos espaços das ruas – o palco mais libertário que nos cabe – conseguiram, em mim, reerguer as esperanças que os últimos seis anos de descaso para com as coisas das artes e da função cultural ficaram adormecidos, repreendidos e acusados de tudo o que não presta. A morte do Zé Celso foi como um grito que só os ouvidos mais sensíveis perceberam: "Acorda, Brasil!".
Sou de um tempo em que se falava muito em Virgínia Lane e Luz Del Fuego, Cascatinha e Inhana, Jararaca e Ratinho, Alvarenga e Ranchinho, Cauby Peixoto e Ângela Maria, Marlene e Emilinha Borba... Daquele despertar da década de 1950 (os meus cinco anos) até agora, vi surgirem muitas estrelas e chorei seus apagares. A ditadura das elites (fardados e paisanos) calou nossas comoções, até que morreu JK e a juventude brasiliense realizou a primeira motociata de que tive notícias – ainda que não com esse nome – e não conseguiu nos calar ou parar quando fomos assustados com a notícia de que Elis, a Pimentinha, virou silêncio – mas Elis canta até hoje.
A pandemia nos assustou com os cuidados e logo após as mortes que doeram em nossos corações, começando com Aldir Blanc e chegando a Zé Celso sem que nos fosse fácil aceitar outros silêncios ou escurecimentos de imagens, como as de Flávio Migliaccio e Tarcísio Meira, Glória Maria e Elza Soares, Paulo Gustavo e...
Dores, luzes, cores e silêncios, flores e canções, uma nota fora do tom a atravessar a melodia de nossas existências tão parceiras. Daqui também nos despedimos, a contragosto, de Moema de C. e S. Olival e de Ana Braga, de Otávio Daher e Cláudia Garcia, de Silvinho Queiroz...
Não gosto de falar em perdas; até porque, quando assim falamos ante a transposição do limite inevitável, referimo-nos àquelas vidas que enriqueceram as nossas. Pessoas que, num dado momento, deixam-nos a mensagem de que "cansei" ou "o xou acabou". Restam-nos o aplaudir, o lembrar bem, o referir-nos a passagens mais marcantes. Então, penso eu, o correto não é lamentar a perda, mas agradecer por termos convivido, ou seja, vivido no mesmo tempo. Temos, sim, de preencher a ausência com a sensação do ganho, a de termos usufruído de suas artes e ensinamentos.
Ainda em tempo, a despeito da imediata mensagem oficial do Ministério da Cultura ante a passagem de Zé Celso, apesar de todas as manifestações de lamento até mesmo de algumas personalidades do segmento esportivo (geralmente, ignoram os vultos e os fatos da esfera cultural), esqueceu-se o governo brasileiro de decretar Luto Oficial. Mas até isso me pareceu desnecessário: a Nação, por inteiro, fez coro com aquela festa inusitada nas ruas em torno do Teatro Oficina.
E Miguel Jorge - o autor mais versátil entre nós, complementa:
Junto minha voz e meus pesares às de Luiz de Aquino e Chaul, resta-nos o consolo de que Zé Celso viveu como quis e desejou, livre de preconceitos e de amarras, irreverente, criativo... quando você lê o Rei da Vela, de Osvald de Andrade, e depois assiste a montagem do Zé Celso, tem-se a impressão de que é outro o texto encenado. Há poucos dias o vi, sempre de branco, no programa da TV Cultura, Persona em Foco, discorrer sobre sua vida e receber os maiores elogios dos amigos e dos companheiros de cena. Pena que, agora, os palcos e os teatros do Brasil e do mundo permanecerão sem a presença vibrante desse ator, diretor, cantor, um dos mais ousados que conheci em minha vida.
* * *
Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.
6 comentários:
Excelente texto!
Vocês falaram o que diríamos diante desse grande gênio da dramaturgia, que viveu à frente do nosso tempo e nos abriu tantas portas. Onde estiver, estará fazendo história.
Concordo plenamente com o amigo Luiz de Aquino, Chaul e Miguel Jorge.
ZÉ CELSO, foi um dos maiores teatrólogos brasileiro, revolucionou essa arte. Contestava as formas e as propostas artísticas anteriores, Criando o Teatro Oficina, uma explosão visual e sonora, onde o palco é uma passarela uma nova visão do teatro de arena, interagindo com público. Salve Salve Zé Celso.
Zé Celso: digno de todas as palavras e todo o reconhecimento por seu legado. Que o céu o receba com a festa e a reverência que ele merece!
A figura libertária dele era algo que todos queriam.
Só ele se entendeu.
Difícil decifrã-ló ante sua liberdade…
Aquele que viveu intensamente a transbordar saberes, mereceu receber, com louvores, as intensas homenagens por vários lugares, em especial pela pena mágica do amigo Luís de Aquino. As bênçãos do Senhor sobre nós!
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