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sábado, dezembro 15, 2007

Saudade nos renova; saudade dói. Depende...

Os tons da saudade


Os leitores mais chegados, estes de família ou de amizade longeva, costumam indagar-me sobre um toque de saudosismo que vislumbram nos meus textos. É que passeio o olhar pelos cenários e viajo ao passado, como no caso das edificações que se tornam marcos da História. Mas, digam-me, como não se emocionar ante os prédios que abrigaram vultos e fatos? Como não sentir o efeito do tempo na memória da infância? E como não verter água dos olhos ao encontrar amigos que o tempo manteve afastados?

Dia destes, um recado e uma foto: Luiz Carlos Carlan, menino de Marechal Hermes, o mais bucólico dentre os bairros suburbanos do Rio, colega de Pedro II, chega para contar que vem a Goiânia logo após o Natal. No mesmo dia, Sueli Catão, de Juiz de Fora, intima-me: “Como perder o dia do encerramento do Jubileu?”. Ela se referia ao Jubileu de Ouro da Seção Tijuca do Colégio Pedro II, tema que já badalei aqui algumas vezes.

Fui, é claro! E levei o Lucas. Devia-lhe esta viagem, para meandrar pedaços da Bela Cap, os mesmos que eu menino percorria há quase meio século. Almoço na Confeitaria Colombo, com resquícios de Olavo Bilac, Guimarães Passos e Emílio de Menezes. Gonçalves Dias, Uruguaiana, Ouvidor, Largo da Carioca, Rio Branco, Quitanda, Marechal Floriano...

Na Marechal Floriano, a bela e velha sede do Externato passa por restauro. Lucas encantou-se no Salão Nobre, no pátio que ostenta, ainda, o sino que anunciava as visitas do Imperador, fotografou o busto de Bernardo de Vasconcelos (o regente que criou o Colégio) e, parece-me, saiu de lá contaminado pelo vírus que me acomete desde o Exame de Admissão, em janeiro de 1958.

Dia seguinte, a Tijuca. Festa de encerramento do Jubileu. Sueli, Eni, Rosa, Belassiano, Lídia, Maris... Tanta gente, sei que estou deixando alguns de fora, perdoem-me! Virgília, Fátima, Ângela, Consuelo, Eliane... Os ex-professores, melhor homenageá-los na pessoa de Dona Elza, nonagenária, que nos rege no Hino Nacional e no Hino do Colégio Pedro II (“Vocês ainda sabem a letra?”, desafiou ela; e nós “Professora, como iríamos esquecer algo que a senhora nos ensinou?”).

Mas a saudade não pára por aí. Naquela noite, minha tia Wanda, a mais velha da irmandade de minha mãe, despediu-se do mundo. Silenciosa como foi sua vida de últimos anos, deixou-nos. Contive, ou me tentei, ao menos, num curto poema de despedida:

Mãe e forma

Que pouco este tempo, mulher!
Escassas as décadas
da tua vida entre nós. Viveste anos
de fartura e pobreza, de paz e de sangue.
Houve o tempo de amar e parir – e nascemos.

Aos teus olhos, Mãe, fomos pétalas
da mesma florada. Mas somos cores
de caleidoscópio, ventos
de tantas origens.

Somos o sangue teu
espargido nas ondas sem destino.
Como tu, geramos outros que, feito nós,
conquistam espaços e costumes.

Sonhamos, queremos, erramos,
fazemos e indagamos. Por crescermos,
somos distantes; os anos nos trazem de volta,
mas chegamos tarde, Mãe.

Doeu-nos o teu silêncio. Doeu-nos
a tua voz, que só há no passado. Mas sabíamos-te aqui.
Hoje, não mais teu corpo, pequenino e frágil.
E triste ficamos, por tua ausência.

Mas resta a lembrança, teu nome
e nosso amor,
que agora é saudade.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Entendo que são dois tons de uma mesma cor: a saudade. Saudade doce que enleva os sentimentos, ao sentir a história e ao reencontrar pessoas; e saudade triste de olhar para o futuro com a certeza de que foi esta a última vista.

Felizmente, eu estava lá, com Teresinha e Ana Maria, e senti que, na ausência do Leonardo (os três filhos da minha tia), fiz-lhe a vez. No peito, um desejo que vale a prece: Descansa em paz; se possível, no convívio dos que te recebem, minha Tia!

16 comentários:

Anônimo disse...

São lindos, Luiz, ternos.

Beijos,
Lu Colossi

Lilia Andrade disse...

Bonito, Luiz. Tão bonito...
Lília

Anônimo disse...

Bonito,Luiz. Mas tão bonito...
Lília

Anônimo disse...

Se faz necessário qdo perdemos quem amamos, saber conviver com a saudade.
Bj e ateh...

Mara Narciso disse...

Luiz,

Encanta, enternece, e emociona a linda homenagem de despedida de sua Tia. A letra maiúscula usada por você destaca essa Tia dentre as outras, lembrando-me que também tenho Tias assim.

Chegando essa época de fim de ano, é tempo de visitá-las todas, uma a uma, e vendo-as, matar a saudade da minha saudosa mãe que partiu há cinco anos e parecia-se muito com elas.

Anônimo disse...

Mais uma vez, me rendo a seus versos e suas letras!
Saudade dói, constrói ,anima e nos leva ao próximo passo.
É a vida!
Você, meu Poetaço,descreveu-a ,como eu nunca tinha lido!

Anônimo disse...

Dizer parabéns novamente é me repetir, você está sempre ou quase sempre em estado de parabéns.
Abraço,

Andiara

Anônimo disse...

Tudo esta belo,adorei.
Amo a poesia.

O link do meu blog é esse : http://dolorespoesias.blogspot.com/

Madalena Barranco disse...

Luiz, de sua pena diamantina sempre surge um toque de poesia, que leva o leitor à emoção de saber que a saudade ainda vive e não foi substituída por depressão ou coisa parecida, ou até pior... A saudade faz bem quando bem sentida e nesta vida, querido amigo, sempre temos algo feliz e também dolorida para contar. Beijos - adorei seu texto.

Marluzis disse...

Luiz, você colocou-se, lindamente, como um filho... É assim mesmo que, nós tias, nos sentimos com cada sobrinho: mãe. Esses, também, são partes de nós.

Saudosismo, passado, emoção, viagem, saudade... Foram os seus textos que me despertaram e me ensinaram a valorizar essa viagem ao passado e ver que saudade é um ingrediente fundamental para revolver as emoções. Estou aprendendo a conhecer, me interessar pelos fatos, lendas, os porquês; entendendo um pouco a nossa e a minha história. Já que não fui em menina, curiosa, passo a ser agora, na maturidade. E estou gostando muito disso!
Obrigada amigo mestre!

Anônimo disse...

Uma passagem bem acompanhada de poesia e carinho. Belo e sincero, Luiz.

Só não consigo ver nada de bom na Saudade.

Afinal, sempre desejamos matá-la!

Soraya Vieira

Anônimo disse...

Oi Luiz,

posso te falar que chorei ao ler seu poema? A saudade bateu fundo, a ausência dos seres amados dói, a sua falta leva um pedaço de nós....
Mas, como disse Vinicius de Moraes:

“Para isso somos feitos/para lembrar e ser lembrados/para chorar e fazer chorar,/para enterrar os nossos mortos.

Por isso temos braços longos para os adeuses..."

Obrigada!

Um abraço

Mariza

Anônimo disse...

Vou espalhar na Comunidade...

Anônimo disse...

Meu caro poeta!
Como sempre me encanta suas escritas.
Lindas: crônica e a homenagem feita a sua querida titia que já foi para um plano superior.
"PARABÉNS" você é um iluminado.


Beijos

Regina

Cristiane Mancini disse...

Caro poeta,
Sinto pela sua tia,

Pela data que vi na foto, hoje seria o aniversário dela, assim como também seria o de minha mãezinha.

abraços,

Cris Mancini

Anônimo disse...

Linda homenagem!'Saudade doi'. Ireci