Páginas

sexta-feira, julho 25, 2008

Motoristas, Colonos e Escritores


Certamente por algo que eu tenha lido, ou ouvido, num momento qualquer da minha vida, entendo que festas são eventos grupais ligados aos pedidos e (ou) agradecimentos ao Mistério que deu origem e rege nossos destinos. Digo isso porque compreendi bem quando Irmã Eliane contou, numa festa religiosa e estudantil (não doutrinária, diga-se a bem da verdade) no Instituto Maria Auxiliadora há uns dez anos: segundo ela, Dom Bosco costumava dizer que “de festa em festa alargamos nossa estrada rumo ao céu”.

As grandes festas dos povos cristãos derivam dos costumes judeus: Páscoa e Primavera (equinócio), São João e Natal (solstício) e coincidem com as mudanças de estações, ou seja, estão intimamente ligadas aos prenúncios da produção agrícola, bem como dos resultados (safra). Depois, os festejos católicos atrelaram as ações e atividades humanas aos seus santos e habituamo-nos a festejar essas afinidades. A tudo festejamos; e tudo queremos comemorar.
Comemorar vem de “lembrar juntos” (do latim “commemorare”). Como ninguém gosta de lembrar coisas tristes, a palavra tornou-se sinônima de festejar. E, como disse antes, os hábitos católicos associam-nos a grandes feitos ou a grandes vultos. Com isso, as cidades, as regiões e os países, pelos hábitos católicos, têm seus padroeiros. Em todo o mundo onde atuaram os católicos, há locais com nomes das santidades cristãs.

Estranhamente, um suplente de deputado, pastor protestante das novas igrejas que se proliferam no mundo, tentou, na Câmara Federal, emplacar uma lei cassando a padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida. O projeto morreu na Comissão de Constituição e Justiça. Imagino que o deputado temporão (é um suplente que, por licença do titular, assumiu por curto período a cadeira) faria um bem à Nação propondo o fim da isenção fiscal às igrejas. O Erário bem merece beliscar uma fatia dos dízimos e outros ganhos de todas as religiões praticadas nesta democracia.

Volto às datas. Começamos o ano com um feriado dito universal: Dia da Confraternização Universal. E passamos o ano a festejar muitas datas, algumas redundantes. São tantas que, muitas vezes, esqueço-me. Mas recebo cumprimentos pelo Dia da Imprensa, Dia do Repórter, Dia do Fotógrafo, Dia do Bancário, Dia do Professor, Dia do Jornalista, Dia Nacional da Poesia, Dia Internacional da Poesia, Dia do Escritor, Dia do Poeta, Dia dos Pais...

O Dia do Escritor, claro, mal é lembrado. Talvez seja a minha atividade (hoje) mais evidente, mas é a data de menor referência, porque nesse dia, que é o Dia de São Cristóvão, festeja-se também o Dia do Colono (mais esquecido do que o Escritor) e o Dia do Motorista. A intenção não é homenagear os motoristas profissionais, mas os condutores de veículos; só que a tevê, este ano, refere-se à data como Dia do Caminhoneiro. Certamente, alguma Assembléia Legislativa ou mesmo a Câmara Federal consagrou a data aos profissionais transportadores de cargas rodoviárias, alijando, assim, todos nós que, na vida das últimas décadas, temos de conduzir as máquinas que nos transportam.

Minutos antes de produzir este texto (manhã de sexta-feira, 25 de julho), vi na tevê, após a chamada da apresentadora sobre o Dia do Caminhoneiro, um padre aspergindo água benta nos automóveis e motoristas que transitavam diante de sua igreja no ABC Paulista, contrariando, pois, a restrição aos caminhoneiros. Senti-me também abençoado; cheguei a pensar que a Igreja Católica havia nos rejeitado nesta data, mas não...

Tanto melhor. Já basta, como escritores, sermos esquecidos pelas entidades “de classe”.

sábado, julho 19, 2008

Eleição na Academia Goiana de Letras

Emílio Vieira para Imortal

Quem visitar, hoje, um pátio de escola de adolescentes não terá, nem de longe, a imagem do que era isso no começo da década de 1960. Certo: os tempos mudaram, a moda mudou, a linguagem muda sempre, o ensino mudou (lamento dizer, mas mudou para pior).

Goiânia, dizem os bons observadores, é uma cidade “burguesa”. Não no sentido original de “burgo”, mas na postura pernóstica dominante. Imaginem esta mesma cidade em 1963, com pouco mais de duzentos mil habitantes advindos da burguesia rural goiana e de vários núcleos urbanos de outras unidades da União.

Aqui, os estabelecimentos públicos acolhiam estudantes que conseguiam passar pelo crivo dos rigorosos exames de admissão (para a primeira série do ginásio) e de seleção (para as demais séries e os três anos colegiais). Estes eram o Colégio Pedro Gomes, o Liceu e o Instituto de Educação. Os reprovados recorriam às escolas particulares, desde que o poderia financeiro da família lhes facultasse isso. Aos demais, restava a não opção.

Desumano critério, aquele. Nem sempre um reprovado nos exames das escolas públicas era despreparado intelectualmente. E foi ainda na década de 1960 que se construíram inúmeras escolas públicas, mas arregimentar professores era impossível. Improvisou-se, colocando estudantes universitários para lecionar qualquer matéria nessas escolas. Deu-se a decadência da qualidade do ensino, mas este é outro assunto.

Sim, leitores meus; não quero falar de educação, apenas situei o ambiente escolar de Goiânia na década de 60 do século passado. Foi quando cheguei ao Liceu para continuar o primeiro ano do Clássico. Apenas o Liceu oferecia esse curso, pois o Pedro Gomes só mantinha, ainda, o Científico e o IEG, o Normal. Os particulares também se limitavam ao Científico e ao Normal.

Foi naquele agosto de 1963 que conheci pessoas inesquecíveis, como Samuel, Lílian, Mário Campos, Ciro Palmerston, Coleta, Zélia, Luciano, Emílio Vieira, Beatriz, Dulce, Francisco Taveira, Guaraci, Odessa, Eudes... Volta e meia, encontro-os aí. Mas isso é muito fortuito e esporádico. Ciro viajou aos “paramos etéreos”, metáfora de Augusto dos Anjos para o Éden; não sei se escreve versos ou se cria novos clubes na “Mansão dos bem-aventurados”; Luciano também se foi, tragicamente.

Dos que citei, houve os que me acolheram com carinho e amizade, em maioria. Os que mais marcaram presença no tempo foram o lusitano Mário, o hoje tabelião Taveira e o poeta Emílio Vieira.

É muito difícil qualificar os amigos. Aliás, amigos não carecem de qualificação, a palavra amigo se basta, dita com a intensidade de seu conceito mais profundo. De Mário, sempre recebi o riso, crítico ou solidário, e a presença constante de alguém com quem se pode contar; Taveira, o sonetista secreto, assina a certidão do meu casamento; e Emilio, companheiro cúmplice de poesia.

Emílio e eu jamais faríamos uma parceria, tão díspares são nossas poesias. É o amigo de leituras mútuas desde seu livrinho mínimo em brochura e capa azul. Cheio de aventuras, quase me faz perder o nascimento do meu segundo filho, o Leonardo, naquele 14 de setembro de 1968 por conta dessas leituras e de um bucólico passeio num histórico Oldsmobile hidramático.

Emílio há de ser candidato à Academia Goiana de Letras (é o que se fala e é o que espero). Outros poetas pleiteariam a vaga, como meu conterrâneo caldas-novense Delermando Vieira e meu amigo-irmão Marcos Caiado. Mas estes não demonstraram disposição para o momento.

Assim, regozijo-me com meu próprio coração por poder votar em Emílio Vieira, o poeta solidário, o professor apaixonado pelas coisas das letras e pesquisador dedicado. Se vier mesmo, Emílio não será um novo acadêmico: ele já devia estar na AGL há muito tempo.

sábado, julho 12, 2008

A ética, o poder e os esquecidos

Ao que tudo indica, o poder maior do país, desde a segunda metade da última década do século passado, esqueceu-se de vez dos pagadores de impostos. Muito se fala sobre a sobrecarga – a eufonia é intencional, Leda(ê) Selma – dos impostos e alguém já se lembrou de que, hoje, paga-se o dobro do motivo maior da Inconfidência Mineira. Quem pode, busca ganhar mais e escapar da taxação; aos que não podem, resta pagar: pagar impostos e pagar caro por serviços muitas vezes questionáveis.

Ainda que sejam responsabilidade do Estado os serviços de educação, segurança e saúde, a classe média (a que mais paga impostos) tem que custear escolas particulares para os filhos, pagar planos de saúde caríssimos e, em muitos casos, custear segurança privada. Todos sabem disso, inclusive os parlamentares que fazem discursos simpáticos e leis cruéis. Mas uma prática cresce entre os médicos. É assim: o doutor descredencia-se de um plano de saúde, porque essas empresas pagam quantia irrisória pelas consultas e demoram a pagar os profissionais. A partir daí, gentilmente ele, médico, oferece ao assinante do plano de saúde um desconto de 50% no preço da consulta. O paciente, pacientemente, aceita o negócio; paga menos do que o valor da tabela, mas doze vezes mais do que pagaria pelo convênio. Só que não tem direito ao recibo para deduzir no Imposto de Renda e, se for necessária uma internação, o sujeito vai se internar pelo SUS. Aí, já se pode imaginar o final da história.

Aconteceu comigo: depois de oito anos em tratamento com uma mesma médica, fui barrado no atendimento, há dez dias, porque a moça da recepção, informando-me que a “meia consulta” agora é de R$ 125 (não mais os R$ 100 da vez anterior), recusou-se a me conceder quinze dias no cheque. Sim, eu sou pobre. Quero dizer, classe média baixa, com sobrecarga de impostos e onerado demais com juros de quase 10% ao mês numa inflação de 5% ao ano. Pois bem, a zelosa e poderosa e, penso eu, muito rica secretária da médica olhou-me com olhar de desprezo, como quem pensa: “Que chato, mais um pobre a pedir prazo”.

– Mas eu só terei dinheiro daqui a 15 dias, não antes – disse-lhe eu. E ela:

– Então não tem jeito.

– Eu não vou consultar?

– Não! – respondeu-me ela, taxativa.

Tudo bem. Saí de lá e, impossibilitado de falar pessoalmente com a doutora, enviei-lhe um e-mail, terminando assim:

“Estou triste e ofendido, é claro; dependesse de minha vontade, gostaria de morrer aos 90 anos sendo assistido pela Sra., mas isso não será possível – não com esses critérios de sua secretária. Espero, de coração, que não sejam determinações suas, pois continuo crendo que seu propósito é a boa medicina, não a construção da fortuna. (...) Mas não gostei de ser tratado como alguém que quisesse prejudicar justamente a médica da minha preferência e da minha admiração, da minha amizade pura”.

Isso se deu no dia 3; até a manhã desta quinta-feira, dia 10, não tive resposta alguma. Ou seja, a atendente cumpria ordens. Indicaram-me outra médica, na mesma especialidade; fiz a consulta, sem o “benefício” da meia consulta mas com a guia regular do meu plano de saúde; fui atendido com postura e zelo profissionais que pareceram-me nada dever ao da minha médica anterior e sai de lá feliz; certamente, hei de recomendá-la aos que dela necessitarem.Não cito nomes porque poderia não ser ético de minha parte, já que fui vítima (e, depois beneficiado) com atitudes pessoais. Mas aos meus amigos diabéticos, e de viva voz, certamente falarei de personagens.

domingo, julho 06, 2008

Civilidade é bom, mas...

Ando com a sensação de que estou em estado de graça. Acabo virando anjo, se continuar assim. Coisas da idade, já rompida a barreira simbólica do sexagésimo aniversário há quase três anos, combinadas com os tempos atuais. Tempos atuais: coisa engraçada, que já se chamou de “tempos modernos”. Moderno... Hodierno!

A grande mídia já deixou de lado o famigerado “caso Isabela” e não deu muita atenção a um crime semelhante ocorrido em Ribeirão Preto (mãe e padrasto são suspeitos de matar um garotinho), nem ao assassínio, por um maníaco ex-policial com características de anormalidade. Da mesma forma, pouco se fala do caso de Curitiba, onde a mãe lançou pela janela seu bebê de oito meses.

O tema é a lei-seca para condutores de veículos automotores. Medida boa, diz a sociedade em seu todo (ou em seu quase todo). Alguns juristas questionam a legitimidade constitucional dessa lei, que radicaliza as medidas ao nível zero de incidência de álcool no sangue das pessoas que dirigem veículos. É muito bem ver a sociedade se ocupando de medidas que visam à melhor qualidade de vida, à segurança de todos. Infelizmente, existem os que a gente qualifica, genericamente, por “espírito de porco”, esses que “não estão nem aí” e que gostam mesmo é de desafiar o poder constituído e as autoridades igualmente constituídas. Como os pichadores de paredes e muros das propriedades públicas e particulares, desde que não sejam as dos próprios “cabeças de bagre”.

Engraçado, de novo: ainda não vi muros de quartéis e de colégios da Polícia Militar pichados; mas os de escolas-monumentos como o Liceu, o Instituto de Educação e o Pedro Gomes, esses não duram uma semana após uma reforma sem receber os hieróglifos imbecis de autores não menos imbecis. E covardes: não fazem isso à luz do dia.

Estranhamente, tenho visto fumantes chatos, desses que afirmam que fumar é bom para eles, então há de ser bom para todo mundo e, por isso, fumam onde bem entendem e incomodam quem não gosta da fumaça. Mas há fumantes conscientes de que, ao tragar, envenenam-se; mas poupam outras pessoas, buscando fumar em solidão, ou, ao menos, entre seus iguais.

Mas não vejo exceção num tipo específico de gente: os criadores de cães. Que gente estranha! Dizem amar animais, mas são eles os que maltratam essas criaturas. Boa parte desses “protetores” de animais criam-nos em espaços exíguos, como apartamentos, cerceando-lhes a índole libertária. Alimentam-nos com rações químicas que lhes ressecam os intestinos para evitar que defequem sobre sofás e pelo chão de salas, quartos e cozinhas. Resultado: os cãezinhos, que esses “benfeitores” chamam de filhos têm as fezes ressecadas, para poupar o serviço de limpeza e, não raro, acabam com câncer de intestino. Isso é amor aos bichos?

Não bastasse isso, donos de cães acham que todas as pessoas têm obrigação de tratar seus bichinhos tal como eles os tratam: tê-los na conta de filhos, sim (ou sobrinhos, no caso) e aceitá-los de qualquer maneira.

Dia desses, uma ex-moradora do prédio onde moro veio visitar antigos amigos e trouxe consigo nada menos que dois cãezinhos mal-cheirosos. E invadiu os elevadores com aqueles peludos, para meu incômodo (e de vários outros moradores). A senhora visitada perfilou-se em defesa da inconveniente visitante, alegando que a convenção do condomínio não proíbe a presença de cães, e (advogada boa de argumento), o que não se proíbe está autorizado.

Resumi, pois: a convenção não proíbe, também, que se urine nos elevadores, que não têm câmaras. Logo, qualquer pessoa sozinha no elevador, se achar necessário, pode urinar no elevador. E não será repreendido: afinal, a convenção não prevê...