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terça-feira, abril 21, 2009

A chibata de volta



A chibata de volta
Luiz de Aquino

Cena banal na tevê, quatro vigilantes fardados desferindo chicotadas nos passageiros de um trem no Rio de Janeiro. Os ferroviários em greve, os trens poucos e com atraso expressivo (sem trocadilho) resultaram no que se esperava, um começo de caos. A greve se dava por conta dos baixos salários.

Salário baixo, para o trabalhador brasileiro, é redundância. É redundância também para os trabalhadores da Educação, em qualquer esfera.

E aí, para “impor a ordem”, os guardinhas da Supervia, a administradora do sistema de trens urbanos do Rio de Janeiro, resolveram bater nos passageiros. Como se a culpa dos salários baixos fosse deles, passageiros. Ou como se os passageiros fossem culpados dos males que atormentam aqueles quatro guardas. Vamos adivinhar: um deles bateu porque tinha medo da turba revoltar-se e atacá-los, afinal, eles eram apenas quatro e um vagão daqueles comporta, normalmente, trezentos passageiros (naquelas circunstâncias, haveria uns quinhentos em cada vagão); outro estava nervoso porque a namorada dormiu de calça “jeans”, com o zíper voltado para trás; outro, porque sonhou que o Botafogo faria um gol no jogo do domingo seguinte contra o Flamengo (ele não notou que o gol era mesmo feito por um jogador do Botafogo, mas era gol contra); outro porque devia estar em greve também, mas não teve coragem de parar; o outro, este não... Este não estava nervoso, ele bateu apenas porque os outros três batiam, ele não passaria batido (epa! Desculpem, outro trocadilho bobo).

Escrevi, há tempos, que um sujeito se sente autoridade quando investido de suas funções de trabalho, ou, pelo menos, quando veste o uniforme de seu ofício. É o jaleco para o médico, a gravata para o gerente de banco, a toga para o juiz, a farda para o soldado (e, por extensão, para os guardas de segurança privada, também).

Há muito tempo que os trabalhadores brasileiros não conseguem sobreviver com apenas um emprego. São muitos os que se desdobram, dividem-se em dois ou três ou quatro, multiplicam-se em energia e tentam amealhar um ganho que lhes permita garantir casa, comida e roupa, mais escola e equipamentos que hoje integram de modo grave o quotidiano. Sabe-se que são muitos os policiais civis e militares que consomem horas de folga (tempo de se estar com a família ou nos estudos, no lazer ou no repouso) para aumentar a renda.

Será que aqueles guardinhas eram policiais em folga? Ou ex-soldados da PM? A gente vê, sempre, soldados em segunda atividade ou ex-soldados no novo emprego cometerem ou repetirem atos e atitudes típicos de sua rotina. Exemplo: isso de as viaturas da PM estacionarem nas calçadas. Contaram-me que é um procedimento padrão, ostentar a viatura e o policial, de modo a inspirar mais segurança.

Até aí, tudo bem. Mas viaturas de empresas de segurança privada também estacionam igual aos carros da PM. Dia desses, na esquina próxima à minha casa, um carro de segurança privada parou com as rodas traseiras na calçada, protegendo uma obra de construção civil. Olhei os tipos dos guardas, adivinhei pessoas da Polícia Militar em fardas outras. Minutos depois, um carro da PM parou ao lado daquele primeiro e os pedestres passaram a trafegar pela calçada. O sargento que comandava a patrulha nem se deu conta do deslize. E eu, com o medo das fardas adquirido nos tempos do arbítrio oficializado, calei-me.

Fiz bem. E se o espírito da Supervia estivesse incorporado nos de Goiás?


Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.
E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

4 comentários:

Fátima Paraguassú disse...

Somos açoitados dia após dia pelas chibatas simbolicas,não visualisamos a olho nu,só sentimos a ardencia na pele, tocada suavemente com luvas de pelica.Há tantas chibatas nos assolando, dilapidadno nossos sonhos!Pena os guardinhas atirarem contra as pessoas erradas naquele trem...os passageiros não eram culpados pelas frustrações dos togloditas.Se eles pegam aquelas chibatas e caem em cima do Congresso, por exemplo, aí sim, estariam batendo em quem merece apanhar.O desrespeito com a vida, com o outro está gritante. Qualquer um(a) se acha no direito de fazer (in)justiça com as próprias mãos. Na hora de votarem, votam, sem questionar, em troca de míseros trocados, de favores pessoais.Se começarmos a pensar no coletivo, muitas chibatas serão extintas,o contrário as proliferarão.

Maria Lindgren disse...

Muito útil sua crônica. `´E mesmo uma tristeza a situação dos trabalhadores num governo de um deles.
Maria Lindgren

Nara disse...

Gostei da crônica.

Útil a reflexão....

Rita Elisa disse...

Oi Luiz,
li sua crônica... pois esse fim de semana eu fui alvo dos policiais. Mulher dirigindo sózinha, à noite e ainda mais... não conseguia achar minha CNH na bolsa (já viu como é bolsa de mulher?). Me perguntaram onde foi emitida a carteira e quando eu falei que era de Goiás... hehehe... tudo piorou. Vale uma crônica. Mas não estou a fim de escrevê-la. Meu carro continua detido. E ainda estou pensando em como lidar com tudo isso.
Um abraço
Rita Elisa