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quinta-feira, abril 23, 2009

Na Lapa...


Luiz de Aquino


Na Lapa…


O Rio de Janeiro continua lindo” (Gilberto Gil,
in
Aquele abraço. 1969?)


Digam o que disserem, filmem o que filmarem, a verdade é que, realmente, o Rio continua lindo. Apesar de viver, duas décadas depois, o horror de Medelín e Cali (Colômbia), com as batalhas entre bandidos e polícia, apesar do vertiginoso
crescimento da frota de automóveis (mal nacional dos últimos tempos), apesar do caos na saúde pública, apesar da corrupção de sempre (agora, mais evidente porque nos é dado o direito à informação), apesar dos seres humanos: o Rio continua lindo.
O Rio de Janeiro, disse recentemente Carlos Heitor Cony, não precisa da mão humana para ser belo. A natureza foi-lhe pródiga. Tão pródiga que até mesmo as mazelas tornam-se de belíssima plasticidade: barracos que parecem subir morros em procissão; a maior floresta urbana, fruto de reflorestamento dos tempos do Império; a arquitetura religiosa do Brasil Colônia e as edificações dos tempos do rei e dos imperadores, os aterros que deram chão sólido ao que era pântano, os arcos da Lapa, a Cidade Nova, o Jardim Botânico a zona portuária, a Esplanada do Castelo, o Aterro do Flamengo, os quartéis da Vila Militar e bucólico bairro de Marechal Hemes da minha infância... Resquícios (ainda que parcos) da Mata Atlântica precisam ser preservados (e restaurados). Inúmeros edifícios de época, nos últimos anos, são restaurados ou adaptados, e abrigam novos ambientes com nostalgia e conforto. Como se vê na Lapa de hoje.

A Lapa acomoda-se no meio do velho centro do Rio: o Mangue (Cidade Nova), o Estácio, a Cinelândia, a Glória... Os Arcos da Lapa, antes chamados de Arcos da Carioca, são caminho dos bondes remanescentes que a modernidade precipitada do governador Carlos Lacerda condenou à saudade (à minha inclusive). Tivesse eu algum poder de influência, sugeriria aos governantes da cidade, que há cinquenta anos foi apelidada de Belacap (em contraposição ao epíteto de Novacap para Brasília), a reinserção dos bondes na paisagem, linhas na orla, ainda que os “elétricos” só circulassem nos feriados e finais de semana. Seria de bom grado ir-se da Glória ao Recreio num lerdo e prosaico bonde, ah!...

Por ser 2009 o Ano da França no Brasil, os Arcos ganharam belíssima ilustração de olhares mestiços – uma das belezas cariocas advindas do tesão português ante as belezas exóticas dos nativos indígenas e dos migrantes involuntários escravos negros. Transpor os Arcos à noite é algo de encanto, uma magia só percebida pelos que têm alma boêmia e sensível ao samba e ao choro, legítimas traduções da essência carioca contagiante.


Não se vive a Lapa num dia. Menos ainda, numa noite. A Lapa é histórica e imortal. Lapa de Madame Satã, dos anos moços de Mário Lago e Noel Rosa, de Pixinguinha e Ernesto Nazaré, Braguinha e Almirante. Certo, gente, deixo de citar um montão de nomes, mas não sou injusto, apenas me rendo à falta de espaço. Nos casarões da Rua do Lavradio, desde o Palácio Maçônico do Grande Oriente do Brasil até o mais simples dos bares, tudo é vida, e como tal, tudo se reveste de mistérios. E de sonhos. Numa esquina, sem música ambiente, paro para conversar e matar a sede. É noite fresca, meus sonhos viajam ao passado adolescente e cobram-me o intervalo perdido. Sorvo um chope “black”, novidade da Brahma que ainda não chegou a Goiás, e procuro um táxi. Tropeço em choros, esbarro em sambas, vislumbro amores nascentes e aconchegos costumeiros.

Tenho de ir... Em poucas horas, retorno a Goiânia.




Luiz de Aquino é escritor... E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

12 comentários:

Mara Narciso disse...

Luiz,



É aquela história: vou ali ser feliz um pouquinho e volto já. É tão bom. Acho admirável ver os seus olhos brilhando de satisfação, nessa energia tão intensa de fé, que não vê nada que não é belo. Evita deixar que algum plástico atual estrague as paisagens perfeitas de outrora. O passeio de bonde, não para quem o perdeu na história, mas justo o contrário, ou seja, para quem acompanhou a história no dia a dia, foi só de prazeres. E volte sempre! Assim que precisar de novas emoções!



Abraço, Mara

Leda(ê) Selma de Alencar disse...

Linda, Luiz, parabéns!
Essa sua nostalgia tão doce é embebedante.

Beijão. Lêda

Ines Delpenho disse...

Nossa, muito linda a crônica. Realmente a calma, o silencio traz à tona estes sentimentos.
Luiz, foi um prazer conhecê-lo. Pena que foi rápido.
Me lembrei de vocês quando ouvi uma frase linda de uma amiga: "Tudo na minha vida chove", porque os fatos marcantes na vida dela aconteceram quando chovia: noivado, casamento, nascimento das filhas, formatura de Faculdade. Podia até estar chovendo, mas se ela não tivesse a percepção, passaria batido.
Beijo
Ines

Anônimo disse...

Luiz,

Gostaria de fazer um comentário à altura do merecido..mas extasiada somente ,consigo assim me expressar: bela,,belíssima,
Não conheço a Lapa...nem de agora ou de outrora. Lendo sua crônica consegui me transportar até lá, e como se estivesse ao seu lado conseguia ler seu pensamento, além do expressado.vivenciando suas emoçoes e sentimentos..a Lapa pareceu-me um velha conhecida dos tempos idos,dos arroubos da juventude, quando tudo há mais vigor em nossa alma e em nossas emoçóes e sentimentos.
Parabéns....sou uma leiga na arte daqueles que iluminan nossas mentes e nos leva repensarmos, os valores, através de seus textos.´Face a isso peço perdão,pelo atrevimento, de juntar -me aos "imortais" e comentar sua crônica.
Sou leiga, mas se o "belo é tudo aquilo que desperta uma sensaçâo agradável ao espírito," considero você dentro os melhores, como o melhor cronista,contista e poeta goiano. Todos os textos seus me desperta tais sensações.

Continue assim: Parabéns!

Rosario

Placidina Lemes de Siqueira disse...

Amigo, Tive um tempinho hoje de agradecer-lhe pelos e-mails. Olha, gosto de todo seu "escrituramento", sisudo, grave, irônico ou briguento... Desde O CERCO até "Um passeio meu pela velha e sempre aprazível Lapa carioca..." Só peço à Mary Anne para vigiar gastrite.

Placidina

Marluci Costa disse...

Luiz,

Algumas horas são pouco para seres como eu, mas não para você, que consegue captar a alma - seja de pessoas ou lugares -.
Você jamais poderia ter ficado naquele espaço do Mangue Seco, curtindo a música e, quem sabe?, um pouco de dança. Você precisava de mais e esse mais lhe era indispensável como alimento para seu texto.
E os poucos momentos se transformam nessa crônica que tem seu olhar a passear no passado, presente e futuro, com história, vibração e até mesmo sugestões para nossa cidade.

Não consigo ter um olhar muito crítico sobre o texto, pois estou encantada com ele e com a sua capacidade de transformação e criação. Apenas te leio, maravilhada.

Marluci

Thais Veloso de Gusmao Santana disse...

Boa tarde, Luiz,

Li a sua cônica de domingo falando sobre a Lapa. Que maravilha! O Rio de Janeiro é lindo, é tudo de bom, o arco da Lapa agora com as estampas dos olhos das pessoas ficou uma coisa impressionante. Parabéns pela sua crônica ficou ótima!!!!!!

Beijos.

Thaís

graca disse...

Luiz,
Fiquei emocionada ao ler a sua Crônica.
Que bom ver um filho adotivo valorizar a nossa cidade!
Você sempre fala do Rio de Janeiro,com carinho e respeito.
Tem muita gente que trata essa cidade como prostituta:usa,usa e depois vira as costas.
Venha sempre nos visitar.O Rio de Janeiro lhe espera de braços abertos.
Parabéns!
Graça Tostes

Madalena Barranco disse...

Tem razão, amigo Luiz,

Preservar o Rio em harmonia com seu crescimento deixaria a cidade mais linda ainda.

Beijos

Luiz Antônio Godinho disse...

Luiz.

Parabéns pela crônica. Quando você falou nos compositores lembrei logo da música Memorias do Café Nice que também falam neles e que todas vezes que canto me lembro também do tio Israel.

Rosamaria disse...

Crônica maravilhosa, como sempre!Minha amiga Marluci a recomendou.
Saudade do Rio, valeu o passeio feito por quem o vê com o coração.
Abraço.

Anônimo disse...

Olá, pessoal! Boa tarde!

Passando para divulgar / sugerir a vocês essa linda homenagem à nossa querida Lapa... Confiram no Link abaixo o Vídeo dessa linda canção : LAPA DE HOJE.
http://www.youtube.com/watch?v=j2hvFBnW3EE

Um forte abraço!