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quarta-feira, agosto 11, 2010

Abusos em nome da “fé pública”

Abusos em nome da “fé pública”



A AMT abusa, o Ministério Público não fica sabendo e o cidadão é quem se dana.

AMT, para “os de fora”, é a Agência Municipal de Trânsito, o órgão controlador e fiscalizador do trânsito em Goiânia. Desde o mandato de 2005/08, discutiu-se muito que o órgão tinha apenas pouco mais de cem agentes, quando o número recomendado era de oitocentos e cinquenta, ou seja, um agente para cada cem mil veículos licenciados na cidade. Ainda que tenham ampliado esse número, a população da região metropolitana de Goiânia sente que o contingente continua pequeno.

Os poucos que atuam são orientados (claro: corporações assim regem-se por uma hierarquia rigorosa) a multar sem limites. Comenta-se pela cidade que os agentes têm metas diárias a cumprir (como no período de 1983 /86, em que o governo estadual precisou constituir fundos para obras especiais e estabeleceu um limite mínimo de dez multas de trânsito aplicadas, a cada jornada de seis horas diárias, para os guardas de trânsito). O que se diz hoje é que com base nessas autuações à revelia dos condutores os agentes ganham pontos para promoção.


Ilustração de Elson (DM, 15/ago/2010)



Em entrevista recente, argumentou estes dias um diretor da AMT: “Nossos agentes são muito bem preparados e têm fé pública”. A expressão “fé pública” está virando chacota nas conversas, quando se trata de agente de trânsito da Prefeitura de Goiânia. O mesmo diretor, inquirido pelo repórter (era a Rádio CBN), respondeu que “quem se sentir prejudicado, pode recorrer da punição”. Todas as pessoas com quem já conversei sobre isso entendem que não funciona: “As JARI nunca dão razão ao condutor”, é o conceito unânime, baseado nas respostas a tais recursos. Restam algumas etapas para o andamento dos recursos, mas estes também tendem a confiar em quem tem “fé pública”. E o custo financeiro e a demanda de tempo desanimam os interessados, que preferem pagar e acumular pontos que podem lhe causar muito mais transtornos.

Uma advogada entende  que a seccional goiana da Ordem dos Advogados do Brasil poderia ser acionada para questionar a legitimidade dessas autuação, pois a Ordem tem por tradição a defesa da sociedade. Mas um cidadão comum não tem essa prática, caberia, pois, à própria OAB/GO procurar inteirar-se dos prováveis desmandos cometidos sob o manto da “fé pública”.

Pelo que se vê na imprensa, o Ministério Público (este, sim!) já devia estar agindo. Há casos de um mesmo agente, num mesmo horário, atuar o mesmo veículo por uso de telefone celular e pelo não-uso do cinto de segurança. Até aí tudo bem: mas nunca soube de um agente multar alguém por fumar enquanto dirige – e o argumento seria o mesmo do uso de celular, ou seja, uma das mãos está ocupada com algo em desacordo com o ato de dirigir.

No mesmo diapasão do preparo dos agentes, os dirigentes da AMT deviam falar, nas entrevistas, das situações de quebras de multa por baixo do pano (o ex-dirigente Antenor Pinheiro tem histórias que dariam livros, ele que resistia vigorosamente contra a quebra de multas). Contem também, senhores dirigentes, dos agentes punidos por desvio de conduta (ao que parece, há uma troca: já que aplicam tantas multas, podem bem negociar algumas situações, quem sabe? Acontece em todas as corporações policiais; ou a AMT é exemplo para todos os órgãos dos poderes públicos do país?).

Os “agentes bem preparados” já autuaram algum condutor de viatura policial da PM, da Policia Civil, da Guarda Municipal ou de seus colegas da AMT? Nenhum deles usa cinto de segurança, por exemplo (o Código de Trânsito Brasileiro não libera o uso do cinto para policiais e guardas). Algum deles já multou um colega que dirige carros da AMT por parar sobre faixas de pedestres? Por avanço de sinal? Por estacionar em calçadas ou esquinas?

Nenhum, é claro!

Mas seu diretor diz que eles são “bem preparados”. Se exigirmos uma explicação sobre tal preparo, e se o diretor for rigorosamente honesto na resposta, mostrará estatísticas em que a AMT contribui de forma bem mais expressiva para com o Erário.



* * *


Luiz de Aquino é escritor, membro da Academia Goiana de Letras, e escreve aos domingos neste espaço. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com. 

4 comentários:

Mara Narciso disse...

Protestar contra injustiças e abuso de poder é obrigatório, e você faz isso bem. É preciso que outros tantos venham engrossar a sua voz, para estancar as famosas arbitrariedades e abuso de poder da nossa Política Militar.

Anônimo disse...

Que bom que alguém tem coragem o bastante para gritar contra tanta injustiça. Você não tem medo de represárias? Eu fui multada outro dia por fumar dentro do veículo, e o detalhe interessante é que eu nunca fumei na vida. Sou até alérgica a cigarro. Recorri mas perdi, evidentemente. Disseram que o agente tem fé-pública. Paguei a multa quietinha.

Lorena

lorenabraville@hotmail.com

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Perfeito o texto e ótimo o blog, Luiz. Agradeço também o seu comentário ao meu texto. Abraços e bom domingo.

Anônimo disse...

Grande poeta Luiz de Aquino cada dia me encanto mais com suas crônica, admiro o seu patritismo, assim como o amor que tens por Goiânia é muito saúdável sentir que muitos são os que defedem a terra natal, o seu exemplo precisa ser seguido sobre vários pontos de vista, o incentivo que você dá a cultura é invejável. Parabéns pela ultima crônica, continue firma na caminhada o Senhor está com você