Desquite intempestivo
Nepote ou nipote – palavras sinônimas italianas; valem tanto para sobrinho quanto para neto, e de dois gêneros, ou seja, aplica-se ao masculino e ao feminino; se fosse uma palavra portuguesa, o feminismo brasileiro cuidaria rapidamente de institucionalizar “nepota” e “nipota”. Conheço uma escritora que saúda os amigos enviando “abraças” e “beijas”.
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Conta-se que o termo foi largamente usado por alguns papas ao nomear rapazes (apresentados como “nepotes” do Sumo Pontífice) nos honrosos postos eclesiásticos de bispos e cardeais. Esses “sobrinhos”, que a desconfiança de alguns davam como filhos dos santos-padres, geralmente eram jovens problemáticos, envolvidos em orgias e ócio; no meu tempo de rapaz, seriam transviados ou play-boys; hoje, certamente vagabundos drogados, que apenas os rótulos se modificam conforme a época.
Vem de lá, pois, a expressão “nepotismo”, tão em voga no noticiário destes dias. E já que falei em palavras, devo esclarecer as duas que uso no título acima; desquite é separação, e era o termo legal para os casais que desfaziam casamentos civis, antes do advento do divórcio, legalizado no Brasil em 1977. A outra, intempestivo, diz respeito a algo fora do tempo. Como uma decisão tomada fora do momento adequado ou, no caso em que a uso aqui, fora de seu próprio tempo.
E tudo isso está interligado. Há algumas décadas os políticos se referem a nepotismo, criticam-no quando estão na oposição e, em grande parte dos casos, praticam-no quando se integram ao poder. Por extensão, como se sabe, nepotismo refere-se a empregar parentes (consanguíneos ou afins, tanto faz) e é comum considerar nepotismo o envolvimento de familiares até o terceiro grau. Filho é primeiro grau, irmão é segundo e sobrinho, terceiro grau (consanguíneos); padrasto e enteado são afins de primeiro grau,cunhado é segundo etc.
O caso a seguir, ouvi-o de uma pessoa querida e próxima (parente meu em terceiro grau, isto é, primo), Luiz Antônio, que o colheu na leitura de um velho almanaque. Duvidei, ligeiramente, do que me contou o parente, senti que, no fundo, ele preservava alguém, talvez algum outro parente nosso, sei lá! E como ele diz ter lido num velho almanaque, aceito sua versão.
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Almanaque Capivarol, 1963... |
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...e o Biotônico, 1950. |
Velho almanaque... desconheço almanaques novos; deviam existir, foram leituras gostosas de minha infância, adolescência e juventude; sei de publicações que homenageiam os antigos formatos, mas não chegam a ser réplicas dos mesmos. E se Luiz Antônio se refere a almanaque, vou pedir emprestado ao meu saudoso amigo e ídolo José J. Veiga seu país imaginário, Manarairema, para sediar a historinha.
Lá em Manarairema, um novo governo empossou-se e, como é da praxe naquela região, um governante que se despede procura deixar o máximo de problemas ao sucessor, desde que o sucessor seja seu desafeto ou ao menos adversário político. O novo mandatário reduziu gastos, renegociou dívidas, enxugou a folha de salários com reduções e dispensas e recomendou muita, muita seriedade. De começo, que se eliminasse o nepotismo na máquina pública.
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Charge do meu amigo Jorge Braga |
O administrador regional das antigas minas nomeara um cunhado, marido de sua irmã, para importante cargo de assessoramento; e, constrangido, chamou o pai de seus sobrinhos para a delicada conversa:
– Ramires – começou ele, demonstrando o rigor do colóquio; o nome de registro, dito assim, em lugar do apelido Mirim, dava o tom dramático – sabe o quanto te estimo e o quanto me dói lhe dizer isso, mas sou obrigado a te demitir; o chefe não quer saber de nepotismo.
Mirim foi firme. Parece até que esperava por tudo aquilo. E radicalizou:
– Saio não, siô! Um empregão destes! De jeito nenhum! Sabe d’uma coisa? Vou é “disquitá”.
E assim o fez. Correu ao cartório, formalizou o pedido de separação e em poucos dias tinha em mãos o documento, dando conta de que não era mais parente do chefe imediato. Mas continuou morando na mesma casa, custeando as mesmas despesas, dormindo com a mesma mulher e “ralhando” com os mesmos filhos.
– Quando esse governo acabar, eu volto a ser casado – filosofou ele.
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Luiz Henrique, 15 anos, meu neto. Não temos como exercer o nepotismo. |