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terça-feira, abril 26, 2011

À Educação o que lhe é devido

O pioneiríssimo Lyceu: a Prefeitura abandonou a obra da
calçada e não dá explicações.



À Educação o que lhe é devido


Há cinco anos, escrevi nas páginas deste jornal crônicas e artigos sobre a Educação; alguns desses textos incomodaram estudantes e professores, mas incomodaram menos a quem devia efetivamente incomodar: as autoridades da Educação.

Detectei, em conversa com professores e dirigentes escolares, uma “epidemia” pela militarização dos colégios. É que muitos pais sentiam-se mais seguros com seus filhos submetidos a uma disciplina rígida, digna dos quartéis, acreditando que os colégios da Policia Militar evitariam que seus filhos se envolvessem com drogas e tivessem uma conduta social mais adequada. Ou seja, os pais, que em toda e qualquer sociedade devem ser os primeiros educadores, acharam-se aliviados ao transferir de vez suas obrigações para a escola.

Senti que havia uma inversão de funções e de valores. Lembro-me de ouvir, quando criança, que as pessoas educadas firmavam-se por si próprias; as outras dependeriam da polícia. Um tio meu, oficial da Marinha de Guerra, dizia com certa severidade que quem apanha de pai e mãe não apanhará de polícia nas ruas. Meu tio estava ligeiramente enganado; muitos de nós, bem educados e devidamente escolarizados, apanhamos da polícia nas ruas, porque as ditaduras não gostam de pessoas pensantes independentes.

Não quero falar das ditaduras. Nem opor a Educação às instituições militares. Quero respeito às definições e aos papéis institucionais de cada órgão. Nos meus textos de cinco anos atrás, denunciei trabalhos de bastidores com vistas a transferir escolas históricas para a Polícia Militar. Os professores – civis – de tais escolas queriam isso, pois ganhariam gratificação de 100%, e muitos deles interpelaram-me até por artigos em jornais, numa espécie de confissão pública de que lutavam por fazer crescer seus salários, contrariando seu juramento na colação de grau.

Sempre estranhei a falta de recursos para manutenção, adequação e reforma de prédios escolares da Secretaria da Educação; e faltam também recursos para custear os projetos extra classes. Mas na Polícia Militar acontece o contrário: assim que se transferiu a Escola Polivalente para a PM, toda a estrutura foi renovada.

Escola Evangelina, em Marechal Hermes,
1957: uniforme indispensável.

Outra coisa que muito estranho é a desordem, a desorganização nas escolas estaduais sobre uniformes. Todo educador sabe da importância do uniforme, por isso deixo de comentar sua validade. Mas existe decisão de juiz de direito impondo aos colégios a tolerância sobre a falta do mesmo. Notem, leitores, que esse foi o primeiro item em destaque logo após o massacre da Escola Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro. Mas aqui, aluno barrado por falta de uniforme dirige-se à Secretaria ou ao Conselho Estadual da Educação – isso quando não se  acionam delegacias policiais e Ministério Público.

As escolas estaduais ficarão sem computadores e bibliotecas? 

Não bastassem essas mazelas, comenta-se na rede estadual que é ordem superior: bibliotecas e laboratórios de informática serão desativados. Devo comentar isso ou apenas cobrar uma resposta do secretário Tiago Peixoto?

Outra – e tão grave quanto as outras excrescências – diz respeito ao Instituto de Educação de Goiás. Estabelecimento tradicional, formador de professoras primárias, os prédios do IEG estão  às moscas. Salas sem portas, telhados comprometidos, rachaduras etc. E nenhuma providência se toma.


Banda do Instituto de Educaçao de Goiás pronta
para sair; ao fundo, o prédio histórico.


Há cinco anos sugeri que o solene e tradicional IEG, no propósito de salvar sua vocação como formador de educadores, deveria passar ao domínio da Universidade Estadual de Goiás; ali funcionaria um Centro de Excelência Pedagógica, incluindo a formação de educadores e pesquisas na área.



Consultei um amigo dos tempos de Liceu, figura importante nos meios políticos e educacionais do Estado; contou-me ele que, à boca miúda, corre um triste ”bochicho”: há estruturas hercúleas de olho naquela área; pretende-se mesmo que os prédios se deteriorem ao máximo e, sabe-se lá por que via (suponho que escusa), aquele magistral terreno seja o berço de um complexo de torres residenciais, com jardins e piscinas, etc. e tal.

Será?

De novo,  deixo de comentar; prefiro aguardar uma resposta do secretário Tiago Peixoto.

Ignorar o IEG e relegá-lo a um papel secundário é violentar
a história da Educação em Goiás.

Teimo na minha ideia de transferir o Instituto de Educação de Goiás, mantendo até mesmo este nome, para a Universidade Estadual. Algo precisa ser feito com urgência na defesa das escolas públicas. A primeira delas é o respeito à história. Que concluam o calçadão do Lyceu; que restaurem os edifícios do IEG; que valorizem os professores para que possamos lhes cobrar mais qualidade; que se restabeleçam as fanfarras, as bibliotecas e os laboratórios vários; que a informática seja vista como peça e ferramenta da Educação, e não como um cantinho onde se encoste um professor desagradável.

Será que mereço respostas? Que os leitores as cobrem, não de mim, mas das autoridades do Ensino Público.


* * *


Ainda acredito no uniforme escolar, coisa que o
próprio poder público em Goiás vem desprezando.
(Luiz de Aquino, jornalista e escritor).

10 comentários:

Antônio Gonçalves Rocha Júnior disse...

Parabéns pelo seu artigo de ontem no DM. Muito bom. Concordo com a maioria de seus questionamentos. Acho um absurdo esse modelo educacional baseado no militarismo, que conta com fartos recursos, diferente do restante das escolas da rede pública. Parabéns.

Beth Lemes disse...

Gostei do texto, meu caro poeta, tomara que este desperte a quem realmente precise despertar, e não os desavisados, desantenados de plantão. A oportunidade dada a esse texto marca com intensidade a nossa vontade de falar, os que estão do lado de cá, parte oprimida de cobranças, e pouco valorizada; são estes que não conseguem melhorar seu currículo, pois a parte financeira lhes impedem; não adianta dizer em meu nome, que consigo articular com recursos alheios à educação, que consigo dar continuidade aos meus estudos, falo de um todo, que não tem tempo de tomar fôlego, com excesso de aula, e obrigações didáticas. Muito me honra compartilhar de sua amizade, de teu carinho.

Neuza Vieira disse...

Muito bem escrita e verdadeira, retrata a minha opinião sobre a educação. O IEG, onde conclui o curso normal,está abandonado e realmente não sabia por que motivo, agora desconfio. É uma pena que nossas autoridades voltem seus olhares para os próprios umbigos, numa vaidade avassaladora, egoistica e incurável, sem pensar no amanhã e nos principios DIVINOS. PARABENS pela cronica, adorei!!!!!! Neuza

Vera Perriraz disse...

Brilhante essa crônica. Graças a Deus me aposentei na hora certa.Trabalhei em uma Escola, considerada modelo, na Tijuca.Cercada de morros. Imagina como deve estar agora, com a comunidade mandando? Deve
estar um caos. Um abraço.

M. Glória Santos disse...

M Glória Santos Luiz, meu bicho, brilhante artigo. Alguns dos problemas que aponta, infelizmente, são comuns, aqui em Portugal, sobretudo a desautorização dos professores por parte do Estado. A outra questão prende-se com o fato dos pais se demitirem das suas funções de educadores de seus filhos. Entendem que os professores devem instruir e educar. Quanto às instalações os alunos portugueses são uns privilegiados. As escolas, todas públicas e em edifícios novos, são um luxo: Aquecimento central no inverno, laboratórios com equipamento moderno, bibliotecas, salas de computadores, actividades extra curriculares, etc Só é pena que os alunos não queiram estudar e os pais não respeitem os professores. Que saudades do nosso querido Marancangalha onde o Prof. Segadas Viana não nos deixava sair dos eixos. Um abraço,

M. Glória Santos
(Ex-aluna do Colégio Pedro II, Tijuca, na mesma época em que estudei lá; hoje, vive em Portugal).

Mariana Galizi disse...

Incrível é ver que ainda teimam em crer que a educação é fruto da repressão, ou pior, aqueles que esquecem que o berço constitue, em partes, o homem.
Triste é ver também que o espaço, que deveria servir como palco do desenvolvimento, é abandonado às traças, desestimulando qualquer cristão a aplicar as normas do bem viver e crescer.
Que ponto chegaremos?...

Heliany Wyrta disse...

Excelentes questionamentos, Luiz! Será que existirá vontade política para respondê-los?
Será que os eleitos para trabalhar em benefício do povo (pelo menos em tese) estão preocupados com estes questionamentos?
A história dirá!!!
No entanto, apesar dos pesares ou, até mesmo pelos pesares seu texto é extremamente necessário, para que não se diga no futuro que ninguém estava nem aí ou que ninguém teve coragem de falar!
Você teve!
Enquanto professora, sou grata por isso!

Klaudiane Rodovalho disse...

Educação... palavra linda amigo! Ainda bem que nós educadores da rede púbrlica ainda podemos contar com um jornalista que se compromete não só com palavras, mas com atitudes reais concretas.

Vivi disse...

Então Luiz, só quem realmente leva a sério a educação entende bem o seu protesto. Parabéns pelo artigo.

Bjim

Romildo Guerrante disse...

Passei nove anos de minha vida em Goiânia. Quatro deles foram estudando no Liceu. Que saudade dos meus professores queridos, especialmente Alfredo de Castro (já naquela época com a saúde precaríssima), e Nion Albernaz (que me despertou o gosto pela matemática, até então odiada). Que fizeram com a educação no meu país?
E ainda querem militarizá-la? Já não basta terem militarizado as guardas civis das prefeituras?