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domingo, maio 29, 2011

Incêndio quase imperceptível

Incêndio quase imperceptível



Amanhece. Ultimamente, pouco me interessa o momento do alvorecer. É que todos os dias resisto ao sono para sentir mais horas na noite, e o corpo pede sono, empurra-me para duas horas, pelo menos, além dos primeiros beijos do sol na atmosfera. Mas hoje, quinta-feira 26, e é maio, fui coincidentemente despertado muito cedo por ligações telefônicas; e ambas aconteceram por engano.

Fazer o quê? O que se faz de melhor nas horas da manhã sem ter que sair da cama: acompanhar os noticiários na tevê. Pouca coisa diferente das notícias da noite anterior, é claro. E há os coleguinhas sensacionais que tentam transformar as tragédias das famílias – as humildes dominam essa faixa de notícias – em espetáculos do “mundo cão”. Evito-os, esgrimando com o controle remoto. Ah, alguns apresentadores – e repórteres também – insistem em falar “essa” e “esse” para o que pede “esta” e “este”. E olhe que o veterano Alexandre Garcia já criticou quem não sabe a diferença...

Deixo a cama, o estômago exige. E os horários. Preciso escrever uma crônica, fico indeciso entre uma crítica ininteligível ante artes, festas e espetáculos, uma análise pertinente sobre os desvios do Ministério da Educação, as queixas sobre o quadro econômico nacional, a sobrecarga de impostos, os descasos para com a saúde pública e, entre os temas menos interessantes, a evidente conveniência política de governos que nomeiam “personas” que já demonstraram incontestável incompetência no mesmo segmento em outras estruturas igualmente de governos.

Alguns telefonemas depois e mudo radicalmente o tema: é que, enquanto telefonava, senti um forte cheiro de coisa queimada; conferi os aparelhos ligados, nada! Deduzi que, como na véspera, alguém estaria queimando lixo aqui por perto. Continuei minha sina. Foi então que Mary Anne retornou e me perguntou:

– Não foi ver o incêndio?

Que incêndio? Então foi isso? Sim, uma moça passava roupas no sexto andar, um curto circuito no ferro de engomar causou um princípio de incêndio, havia bombeiros e equipes de pelo menos três emissoras de tevê. Fui à sacada, o tumulto já estava no fim, a moça que passava roupas feriu-se no braço, e nada mais grave.

Nada? Sim: a evidência de que a segurança nos edifícios é uma piada. Ninguém deu qualquer sinal de alarma e se o incêndio fosse de maior proporção poderia ter nos isolado em casa, sem muitas chances.

Condomínio é assim, um convívio fisicamente próximo, marcado por relações distantes ou totalmente ignoradas. E custa caro. Há ocasiões em que se tem dificuldade para cumprir o compromisso do mês e as cobranças e olhares apontam-nos como criminosos (há alguns meses, compliquei-me com o pagamento de minha cota; o síndico da época pressionou-me, como é do seu dever, e contou minha falha a outros moradores, ganhando o apoio especialmente de um desses que se sentem cidadãos corretos e ímpares; mas deixou de sê-lo ao omitir o ato feio do então síndico, que fingia colaborar com os operários em serviço no prédio e remunerava-se indevidamente para isso...).

Há alguns meses, li que apenas 2% dos condomínios verticais de Goiânia têm bons recursos de segurança. Alguns abusam de grades e câmeras, mas as grades mostram-se vulneráveis quando os funcionários não têm preparo. Sistemas de câmeras obsoletos ou apenas emblemáticos, sem a retaguarda de bom funcionamento, sequer amedrontam os bandidos – estes, agora, já não  se preocupam com câmeras, mostram suas caras livremente, confiantes na impunidade, no desinteresse das autoridades para investigar crimes em que senão há agressão pessoa ou vitimas de lesões ou homicídio.

Enquanto isso, vemos as autoridades liverar gabaritos enormes, torres em série, amontoando num só ponto centenas de famílias sem que a estrutura urbana suporte o impacto. É que rola muita grana nesses investimentos, os agrados a poderosos do dinheiro certamente asseguram boas contribuições nas campanhas eleitorais (e em 2012 haverá eleições municipais).

Triste e concluir que as torres sugerem belos visuais panorâmicos, Goiânia aparecerá na Internet como uma cidade bonita e moderna, as caixinhas eleitorais estarão asseguradas... E o cidadão, ah! Esse que se dane!



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Luiz de Aquino é jornalista e escritor.

Um comentário:

Noemi Almeida disse...

Alma de artista não percebe nem incêndio.........