Segredos de Copa (e cozinha)
“Segredo é pra quatro paredes”, escreveu Herivelto Martins para uma canção inesquecível, em parceria com Marino Pinto. O nome da música: Segredo.
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Itaquerao é obra em ritmo de catedral medieval |
Segredo é o que pretende o governo da República, alegando que, sem divulgar números de custos financeiros, as obras para a Copa do Mundo serão bem menores. Será?
Nós, os que vimos acontecer os cinco anos de Juscelino Kubitschek, o despreparo e a ingenuidade de Jango Goulart e o golpe de primeiro de abril de 1964, os que sofremos as humilhações físicas, morais e cívicas dos anos de chumbo temos um certo medo dos segredos de Estado.
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Passado de ojeriza e xingamentos; hoje, unidos pelos segredos da ditadura |
José Sarney e Fernando I, o Collor, de inegáveis ligações com o regime de arbítrio, como lacaios bem agraciados pelos sabres e coturnos, insistem em que jamais sejam revelados os segredos daqueles tempos. Temem o quê? E, para “blindá-los”, corre à língua solta, pela Net, uma série de panfletos mal escritos e mal argumentados, desses que qualificam e equipe da vez no poder como “ex- terroristas” e outros impropérios, muito ao gosto do deputado Bolsonaro – aquele que não gosta de pretos nem de viados nem de lésbicas nem de civis e povo; pelo visto, ele gosta de civis ricos e suspeitos, desses que abrem suas “burras” para custear a propaganda saudosista do arbítrio, como o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) do começo da década de 1960.
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O novo estádio sairá até 2014? |
Sigilo nas licitações. A Lei das Licitações, sempre citada como a “famigerada Lei 8.666”, precisa ser revista e atualizada; precisa ser mais ágil. Famigerada é uma palavra que, originalmente, quer dizer apenas “que gera fama”, mas seu uso transformou-a em “de triste fama”. Ao que me consta, a única vantagem dessa Lei é o fato de que há alguma claridade na ação de contratação de obras e serviços; e ainda assim, sabe-se, acontecem os acordos das madrugadas, das portas lacradas etc. E então, outro verso da mesma canção se destaca: “Ninguém precisa saber o que houve entre nós dois”. E me pergunto, outra vez: será?
Resumo meu sentimento nisso aqui, ó: quem sentiu na alma e no amor-próprio as agressões da ditadura – aquele tempo em que sentíamos que “A felicidade para nós está morta” – acredita, sim, que “...não se pode viver sem ela”. Há mais de três anos esperamos pelo início das obras para a Copa de daqui a dois anos. E aí? Varinha de condão? É... A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, argumenta que o sigilo resultará em custo menor, pois vai inibir eventuais combinações entre as empresas. Pergunto outra vez: será?
Pois bem: sabe-se que algumas toneladas de papéis constituem o tal de “arquivo secreto” que Sarney e Collor querem manter secretos. Felizmente, eles não propuseram repetir o que fez Rui Barbosa – tão enaltecido pela classe dos bacharéis em Direito nos últimos cem anos – com os arquivos da escravidão: incinerar tudo! Um dia, para melhor compreensão da nossa História, esses documentos virão à luz.
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Morumbi não serve: o São Paulo F.C. votou contra Ricardo Teixeira para continuar na presidência da CBF. |
Enquanto esperamos por isso – mais vinte e cinco anos, mais cinquenta anos ou até quando descendentes e fanáticos por Collor e Sarney, ou simpatizantes das práticas de arbítrio insistirem em perpetuar essa postura – o povo brasileiro fica, passivamente, esperando pelas obras da Copa. A Lei das licitações, se aplicada a rigor, impedirá obras em tempo hábil; as negociatas já mostraram muito mais que “a parte visível do iceberg” – é claro que me refiro ao affaire Ricardo Teixeira e o novo estádio do Corinthians – mas a boa-fé, ainda que mascarada de indisfarçáveis conveniências, teima em aceitar tudo isso como absolutamente normal.
“Primeiro é preciso julgar pra depois condenar”.
Será?
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Luiz de Aquino é escritor e jornalista.
Imagens: Internet
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