Tarados íntimos
A semana marcou-se pela aplicação inusitada da “Lei
Maria da Penha” num caso de agressão cometida por um rapaz contra um idoso (o
conceito popular tinha tal lei como exclusiva dos casos de violência contra
mulheres). A tevê publica um vídeo institucional acerca da pedofilia - mais odiosa dentre as formas de
violência. Lembrei-me de um tempo em que, no ofício da reportagem, percorria
delegacias policiais, colhia informes criminais e eventualmente me deparava com
um caso de pedofilia, a maior parte envolvendo pais, tios, padrastos e até
mesmo alguns vovozinhos aparentemente dóceis (ledo engano: canalhas também
envelhecem). O tal filmeto da tevê termina com a voz da garotinha num apelo
fortíssimo: “Por que ninguém faz nada?”. Nos meus velhos arquivos, achei esta
crônica (escrita em 15/02/2001 e publicada logo após).
*
* *
Minha amiga – vamos chamá-la
de Melissa – é uma mulher jovem e bonita. Casada, tem no marido um parceiro na
construção do futuro em família (eles têm um filhinho na fase da escola
maternal). O guri, contou-me ela exatamente ontem, é uma vitória, uma
conquista. “Todas as vezes que beijo meu filho, fecho os olhos e uma emoção me
invade, chego às lágrimas... Até as vésperas de ficar grávida, os médicos não
me acreditavam capaz de gerar, pois tinha o útero lesionado”.
A lesão
aconteceu na infância, e ela guardou o fato como um segredo por muitos anos.
Aliás, nos primeiros dez anos após o fato, diz Melissa, ela esqueceu-o
completamente. Melissa assistia uma novela em que um coronel estuprava uma jovem.
Não há novidade, porque sexo em novela, consentido ou violento, é cena para se
ver em família, pouco antes ou logo após o jantar. A cena levou-a aos cinco
anos de idade, numa pequena cidade do interior (de novo vou simular Caldas
Novas, embora isso aconteça lá, como aqui em Goiânia, em Rio Verde,
Pirenópolis, Recife, Paris, Roma ou Jerusalém).
Melissa viajou
ao passado e pousou no dia em que, brincando na casa de um amiguinho de sua
idade, foi violentada pelo pai do garoto. Ele foi gradual, usou os dedos para
abrir caminho e não a poupou de nada mais. “Recordo aquilo nitidamente, era
como uma faca que me cortava”. Lembra que sangrou e que ele cuidou de limpá-la,
prevenindo-a: “Se contar para alguém, vamos ver se alguém acredita em você”.
Ora, ninguém acreditaria! Um profissional liberal, membro de sociedade secreta,
respeitável como ele só, membro de família tradicional, etc. Seria a palavra de
uma criança contra a dele; um lorde, se vivêssemos na Inglaterra.
O mal-estar
que sentiu ao ver a cena na novela reside num fator, apenas: “Senti-me culpada
por não ter contado, podia ter evitado outras vítimas dele”. Ela sabe de pelo
menos outra vítima do respeitável senhor: a própria filha. A mãe tentou reagir,
foi espancada por ele; procurou ajuda, recebeu orientação mas foi contida pelos
parentes: onde já se viu causar um mal-estar desse em família? Afinal, ele era
marido e pai, a cidade toda gostava dele, blá, blá, blá...
Melissa
superou o trauma, discutiu-o em sessões de análise, não teve seu equilíbrio
emocional ou seu comportamento sexual adulto comprometido; a lesão no útero,
como se sabe, não a impediu de ser mãe. Só que ela não é um caso isolado – são
milhares, milhões talvez, já que não se tem estatística, os casos de violência
sexual contra crianças. E os tarados são sempre pessoas muito próximas: pais,
irmãos, avós, tios – inclusive os tios de mentira, os vizinhos, os pais dos
coleguinhas. “Não se tratem as vítimas de violência sexual como coitadas,
apesar de tudo; eu soube superar isso de todas as formas, mas sei de muitas
pessoas que tem essa marca como algo que lhes compromete toda a vida, precisam
ser tratadas”.
Mas algo há de
ser feito em caráter preventivo. E isso só será possível com a correta
orientação às crianças. Se, contudo, o pior acontecer, que a vítima seja
estimulada a revelar o fato e o tarado.
* * *
16 comentários:
infelizmente ainda há vários caso de violência contra menores dentro de casa, principalmente por parte de pais, padastros que são uns verdadeiros monstros, e fico indignada que tem ( mães) que para mim são também verdadeiros monstros, que aceita este fato eu pergunto sera que realmente são MÃES.
Uma crônica/denúncia importante, Luiz. É preciso que as pessoas não aceitem esse tipo de abuso tão "familiarmente" - é caso de polícia e ou de internação e tratamento psiquiátrico. As crianças são indefesas e inocentes, as vítimas perfeitas para monstros que vivem ao lado.
Abraços, amigo.
Uma crônica/denúncia importante, Luiz. É preciso que as pessoas não aceitem esse tipo de abuso tão "familiarmente" - é caso de polícia e ou de internação e tratamento psiquiátrico. As crianças são indefesas e inocentes, as vítimas perfeitas para monstros que vivem ao lado.
Abraços, amigo.
Uma crônica/denúncia importante, Luiz. É preciso que as pessoas não aceitem esse tipo de abuso tão "familiarmente" - é caso de polícia e ou de internação e tratamento psiquiátrico. As crianças são indefesas e inocentes, as vítimas perfeitas para monstros que vivem ao lado.
Abraços, amigo.
Caro Aquino, nesses tempos e épocas de tamanha permissividade, idolatrando egos, corpos e hedonismos em geral, oportuna sua crônica visando prevenir as pessoas em relação aos animais vestidos de "esteios" sociais: psicopatas, sim. Abraços, Pedro.
sabe o que é triste, Luiz? é que a maioria das vítimas desse tipo de violência se sente culpada. não há uma só cliente que, entre uma ou outra conversa, não tenha me dito: 'eu devo ter provocado. se eu não tivesse feito isso ou aquilo, se eu não tivesse usado roupa decotada. ele não é assim, Dra.'
óbvio que o agressor é doente, embora não se desculpe qualquer ataque, especialmente contra crianças, vulneráveis por sua própria condição.
a conscientização e denúncia são primordiais para inibição da violência e abuso contra a mulher e a infância.
excelente crônica, poeta!
beijão.
Infelizmente Luiz cabe-nos à indignação.Por mais estudiosa da doutrina espírita que sou não consigo entender coisas assim.Que Deus me ilumine. Vivi
Amigo lendo agora de manhã sua cronica e ainda com o coração doendo de ver tanto mal que nesse carnaval de praia de Uruaçu, vejo que o mundo está se acostumando com o que nao presta. A música é a mesma, um ritmo que fala sempre de bunda e violencia, jovens drogados, mulheres apanhando e gritando para a policia nao prender porque o agressor é o marido..
É assim é o clima do carnaval. Os futuros administradores do mundo estão aqui, imagina que mundo teremos!
Triste realidade. Entre quatro paredes pode residir um mal íntimo acobertado pela hipocrisia social tão bem retratada em seu texto. Quando a moral verdadeira reinar entre os homens, não haverá espaço para homens de falso caráter. O quê, por enquanto, é apenas uma esperança muito distante.
Meu amigo, se vc não sabe vai saber agora, tenho uma denuncia a fazer, e pessoas vizinhas por testemunho:Certa noite me ligaram contando, que uma menina gritava, não morde minhas tetas, a mãe dizia, deixa, que ele amanhã, vai dar a vc um presente. Fui até lá, e ouvi outros tipos de pedido da menina, voltei pra casa e liguei para o conselho tuteler, a resposta:Nada podemos fazer pois só o flagrante faz prender o homem, liguei para a policia mesma resposta, fui pessoalmente ao conselho, mesma resposta com o agravante de dizerem que podia ser brincadeira da menina que tem apenas onze anos, me diz Luiz fazer o que neste pais, de cabide de empregos. Lamentavel.
Luiz de Aquino, A maldade mora ao lado!
Realmente, elas são as piores, pois os dois que são os verdadeiros monstros.
Apesar de se passar mais de uma década, seu texto continua muito atual, Poeta. Infelizmente. A reação dos agredidos e fundamental na mudança de cenário. Quando falo agredidos, incluo os responsáveis, caso estejam sem culpa no caso.
Fácil chamar de doentes e se o são assim deveriam ser tratados, mas o q acontece é q agem no escuro, acobertados por uma sociedade machista e por mulheres que ao se verem obrigadas a escolher entre eles e suas filhas, evitam o q consideram um escandalo e continuam dormindo com eles, o q faz delas pessoas piores q eles,
Li ontem sua crônica... E o pior é que isso acontece todos os dias, bem pertinho de nós...
Um crime que sempre existiu, mas não tinha nome e não era delatado. Havia senhores, donos de fazenda que traziam meninas da roça nos seus seis, sete anos para estudar na cidade. As vítimas sabem contar como eram barbarizadas, e nada acontecia. Mas se calavam, e assim tinha de ser. As mulheres diziam que "criavam" fulana. Pois é. Ainda bem que hoje todos gritam, e fazem isso em tom alto. E que ninguém mais saia impune desse crime hediondo.
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