Moda,
gíria e mau gosto
Afinal, o que leva hífen? E o que não leva? O
acordo ortográfico mexeu com acentos e já nos deixa em dificuldades quando
escrevemos “herói recebe homenagem na Assembleia”. O trema, que causou tanto
incômodo, foi punido de morte de maneira brusca, cruel e radical. E as palavras
compostas têm novas e complicadas regras... Vale a pena tentar entendê-las? É
que o acordo internacional para a escrita lusófona, garantem, não interfere no
modo de falar. Vai daí, pronunciar “extra (ê) ou extra (é)” passa a ser algo
muito individual, já que ambas as pronúncias se permitem por certas.
Aprendi que a palavra século, quando escrita
para especificar um período, se escreve com inicial maiúscula e em algarismos
romanos – Século XIX, Século XXI... Mas a regra mudou, os ordinais perderam
essa majestade gráfica, ficaram vulgares – século 19, século 21 – ,do mesmo
modo que alguns títulos: dona Maria, imperador d. Pedro I (em lugar de Dona
Maria e Imperador Dom Pedro ou D. Pedro).
As grandes transformações sociais e políticas
trazem mudanças drásticas nos costumes e na língua em todos os conjuntos
sociais diretamente afetados. Como as guerras, os sistemas e regimes
político-administrativo e as transformações de ordenamento econômico. Como
sombra de tais eventos – guerras, governos e economias – reina, quase que
discretamente, a evolução da ciência e (isso é indispensável) da economia.
Há poucas décadas, restaurantes eram casas
solenes voltadas muito mais para o lazer e o atendimento a viajantes (por profissão
e turismo) do que para acudir quem não tinha tempo para almoçar em casa.
Bermudas, chinelos e camisetas eram roupas para a intimidade do lar ou a
descontração nas praias e nos clubes. Gíria era linguagem que bem identificava
profissionais – técnicos, cientistas, militares – e calão era o falar solto,
descontraído, sem regras, coisas de marginais para dificultar o entendimento
fora de seu grupo, e estendeu-se ao linguajar sem regras ou classe (ou ambos)
dos trabalhadores então considerados “de menor importância”. Com o tempo, o que
era gíria tornou-se “linguagem profissional” e o calão virou gíria. E a gíria
expandiu-se, atingiu todas as classe, chegou com facilidade aos grandes meios
de comunicação.
Do mesmo modo, falar bem a língua, no Brasil,
deixou de ser importante – ou elegante. A elegância, estranhamente, ficou
restrita ao vestir-se, ainda que a resistência perdure. Jogar lixo pela janela
do carro e toco de cigarro nas calçadas era coisa corriqueira antigamente, hoje
já se nota isso como péssimo hábito. Ou seja, nem tudo mudou para pior.
Na língua, porém, alguns novos hábitos incomodam
ouvidos sensíveis (olhos também, quando se lê). Nas vitrines das lojas, a
simples expressão “a partir de” é escrita de modos vários: “à partir de”;
“apartir de”; “á partir de”. Isso acontece em maiúsculas e minúsculas. Tal como
fizeram dirigentes do futebol brasileiro quando escreveram nas costas do “manto
sagrado” da Seleção Brasileira um desqualificado “brasil”, em confronto
elementar com a mais básica das regras gramaticais. Nos jornais e nas revistas,
a farra não tem regras nem limites.
Erros à parte, há modismos que incomodam.
Lembro-me de quando a juventude (quase sempre, a mocidade universitária)
apareceu com uma nova construção de frases tendo a palavra “tipo” como eixo:
– A gente se encontra depois, tipo assim
nove horas.
Isso vem do tempo e do mesmo meio que a
famigerada e desgastada “a nível de”, ainda hoje repetida por políticos,
executivos e alguns profissionais que se sentem importantes ao falar bobagens –
esses que se acreditam espertos o bastante para vencer na vida sem dar valor
aos estudos.
Agora,
a palavra chata que está presente em cada diálogo de novela, em cada notícia de
todas as mídias e nas entrevistas de rádio e tevê, bem como cabecinhas sem
disposição de construir frases melhores é “foco”. Ninguém mais se concentra –
foca; ninguém mais olha – foca; ninguém mais tem uma meta – foca.
Inevitavelmente,
foca (como substantivo, era como, na gíria jornalística, se chamava o aprendiz
do ofício) tornou-se uma obsessão especialmente entre os focas: o grande
desafio é enfiar “foca” nos textos, como se nenhuma frase ou parágrafo pudesse
existir sem esse novo “tempero”.
E
eu, que evito ao máximo misturar línguas, recorro a uma expressão inglesa
presente em grande parte dos filmes norte-americanos relativamente recentes, ao
ouvir a palavrinha da moda:
– Foco? Foquiú!
* * *
11 comentários:
Grande Aquino, com toda sua verve a serviço do falar (e escrever mais ainda) bem, sem deixar de acompanhar o pulsar dos tempos. Irretocável, exceto no que diz respeito a uma crítica mais ácida a este acordo ortográfico Houaiss (com um nome destes, muito se explica) que, me parece, tem sido solenemente ignorado pelos lusos, cheio de excepcionalidades incompreensíveis para nós brasileiros, e que em nada contribui em seu propósito original, de unificar duas línguas que, ao contrário, tendem cada vez mais se distanciar pela diferenças culturais e pelo cotidiano (ou quotidiano?). Abs. Rogério Lucas
Olá, amigo Luiz,
Bom domingo!!
Então, eu também acredito que o idioma deve ser bem cuidado, pois é nossa melhor fonte de expressão humana, contudo, não é necessário alterar tanto assim a ortografia, com algo que não acrescenta nada.
Abraços, com carinho. Seu blog continua lindo.
Quando se usa demais a mesma palavra, alguma coisa está errada. É preciso diversificar, fugir do óbvio e das frases adivinhadas. Velhas palavras com novos sentidos, quando pegam demais, melhor esquecer. Também não gosto desses modismos e encontro dificuldade em escrever as palavras com hífen e sem ele, pois algumas o adquiriram, como micro-ondas que não tinha e passou a ter. Outras palavras o perderam. Leio as regras e não as decoro. Espero que, mesmo sendo velha, consiga um dia aprender.
Poeta preferido,Parabéns! Belíssimo texto.Ainda bem que nós leitores temos você com textos maravilhosos para lermos e sentirmos menos insegurança com a grafia, depois da reforma...Ireci Maria.
Excelente, Luiz! Uma crônica com "foco", enquadramento e belas cores.
hahaha muito boa a crônica. O Luiz tem ainda esse apreço pela linguagem elegante. Gosto de uma língua bem construída e insisto na busca incauta de escrever o não-óbvio. Mas, como sabemos, se só escrevermos ou falarmos como gostamos, tem gente que não vai nos entender; tem gente que vai achar pobre; tem gente que não vai achar nada - é o caso da maioria, penso.
No site da revista de divulgação científica Ciência Hoje deste mês, a gente encontra um artigo do professor Sírio Possenti sobre o mesmo assunto (http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/palavreado/lingua-e-sociedade).
Mas Luiz, tipo assim, será que no meu comentário eu perdi o foco, a nível de entendimento? rsrs
Entáo? Com certeza náo, Guga! Você náo tá entendendo, a nível de gíria vai que valeu, mas ninguém merece...
Li e adorei!
Terminei a leitura rindo da situação...
Fico indignada com termos utilizados nas vitrines, off, é o fim....porque não arrumam um termo nacional?
Lembrei-me de uma situação que vivenciei com o fato de não usar o termo xerox e sim cópia. Fui corrigida de imediato, "quer dizer xerox, né". Respondi que Xerox era o nome da marca da máquina que relizava a cópia, e que o correto era cópia mesmo.
Detesto o termo foco, até em reuniões o pessoal tem que falar, "foco gente, foco!". Ultimamente tenho ouvido muito o termo " Obrigado eu", dito de modo solene. A primeira vez que ouvi, fiquei sem saber como responder. E aí, o que fazer com o " Obrigado eu" dito de forma solene no comércio?
Na verdade, Klaudiane, ou com certeza, tudo isso serve para demonstrar uma arrogância imbecil,náo é mesmo?
E, pelo seu comentário, obrigado eu... rsrsrs.
É Luiz meu querido, do jeito que as coisas andam vamos acabar nos comunicando com sinais de fumaça...
Ontem vi uma placa: Escola ... meio períldo...
Então tá.
Bjim
Luiz... aliar a agudeza lexical e resguardar a tão rica língua mãe é trabalho árduo. Ao que parece, isto ficou delegado aos bons escritores que ainda respeitam a linguagem com carinho e inteligência.
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