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O nosso livro: Ao Pedro II, tudo ou nada? |
Uma série de sessões de
autógrafos vem marcando, desde o dia 20 de março, o lançamento da antologia
“Pedro II Tudo ou Nada?” , coordenada por Paulo Rubem, Mirian Cavalcanti e
Fernando Quintella. Os coordenadores, como todos os demais autores, foram
alunos do tradicional colégio (menina dos olhos do imperador-menino que cedeu
seu nome ao educandário). Participo do livro com dois textos, ambos publicados
aqui no Diário da Manhã. Eis um
deles:
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Eu aos 12 anos, primeira série ginasial |
Crer nos moços
Questiono sempre as pessoas que se
dizem incrédulas, essas que se recusam a admitir que não somos apenas um
ajuntamento de água e elementos químicos. Fosse assim tão simples, porque esses
ingredientes não permanecem sempre iguais em seu estado natural, feito
mercadorias na prateleira dos armazéns? Ah, dirão, é que há a química...
Permanecer em estado natural é do campo da física; mas esses elementos, quando
se juntam, interagem e geram novas coisas...
Ah, tá bom! Entendi. E as idéias?
E o raciocínio? Nesse momento, qualquer resposta radical materialista torna-se
exemplo nítido de preguiça mental. E ao materialista fica, então, muito bem
aplicado, esse próprio conceito: matéria.
Falava para uma platéia de estudantes, na última quarta-feira, no Colégio Pedro II, Unidade Tijuca. Entre um e outro poema, contei-lhes casos do meu tempo de estudante, de professores notáveis, do costumes e atitudes. Eram alunos de uma ampla faixa, isto é, de sexto ano até os que se preparam para o vestibular, três estrelinhas no emblema. Rimos juntos e aprendemos juntos: eles, ao me ouvirem; eu, apenas por conviver. Conviver com os moços é algo que não se define facilmente. Alguém me disse, há bem uns vinte anos, que até os quarenta anos, aprendemos com os mais velhos; depois disso, aprendemos com os mais novos.
Num intervalo de cinqüenta anos, que é a diferença entre mim e os mais novos daqueles meninos, tudo muda. De tudo o que tenho lembrança, entendi que o que mais me marcava era a timidez ante os mais velhos. Ou mesmo entre meninos que não me eram familiares. Essa timidez desapareceu: o menino de hoje é livre e solto, diz o que quer sem peias, sem meias palavras. “Gostei muito de seus poemas. A partir de hoje, você é meu ídolo”, disse um garoto do sexto ano. Comoveu-me, o menino. Uma garotinha, também do sexto ano e já com alguns poemas na bagagem que sedimenta, talvez, a poetisa das próximas décadas, a uma observação minha sobre a decantada onda de violência que assola o Rio (e, enfatizei eu, toda a humanidade), comentou com sabedoria: “Violência existe em todo lugar e em todos os tempos”. (Percebi que eram aqueles, os do sexto ano, os que mais se manifestavam).
Eu não quis contar nada de novo a eles, no campo da violência do bicho homem contra o homem; isso está nos jornais e nas tevês, está diante de nossos olhos além da vidraça da janela do ônibus, ou da moldura das nossas janelas; não disse nada, também, sobre a violência do ser humano contra a Natureza (afinal, Carlos Minc me antecedeu). Falei de poesia, de esperança, de fé nas pessoas e na capacidade humana de vencer desafios. Temos o péssimo defeito de cobrar perfeição e lamentar falhas; mas a perfeição é um sonho utópico que jamais aconteceu na história da humanidade.
Agora, algumas horas após esse encontro, ainda destrincho as palavras e cenas, tento separar pequenas peças, rejuntar tudo e processar o meu aprendizado. Eles, naquela idade, não se preocupam com isso, pois têm tempo. E, com ele (o tempo), muito o que ver, ouvir, ler, pensar... O que eles vivem agora são sedimentos de uma formação; em mim, tudo isso vira saudade imediatamente após.
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Minha carteira de estudante do 4º ano ginasial |
Mas não é só saudade, não... Fica um sentimento profundo de gratidão: ao menino que fui ontem, aos mestres do meu tempo e a esses garotos e garotas de uniforme. E, entre eles, aqueles professores alegres e valorosos (agora, novos amigos).
(Publicado em 14/10/2007 no Diário da Manhã, Goiânia).
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