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domingo, março 11, 2012

O Centro e a memória


Fotos comparativas: a Praça do Bandeirante, final da década de 1950 e agora, em fotos de Hélio de Oliveira e Adriano Zago (colhi na Internet). 


O Centro e a memória



Comecinho de noite, Lua cheia de  março, quarta-feira... Cheguei ao Centro de Goiânia com tempo para rodear alguns quarteirões antes do evento. O motivo: um encontro com o poeta e compositor Capinan, baiano de boa cepa, gente da Tropicália, autor de belíssimas letras que enriqueceram o cancioneiro nacional. Quem convidou foi o secretário Kleber Adorno, que continua realizando e possibilitando que aconteçam coisas boas no seguimento cultural da cidade, apesar dos alfinetes da inveja.  E o Pádua, cantador feliz, foi o cicerone – inevitavelmente! Local do encontro: o Grande Hotel, obviamente...




O traçado de Atílio Coreia Lima
Tivemos uma noite memorável. O convidado ilustre pôde conhecer algumas dezenas de músicos e poetas locais e falou de sua obra, emocionou-se ao falar e trocar informações e conceitos – um bate-papo rico e feliz: para os mais moços, uma aula e tanto! Para os mais velhos, a alegria de conviver com o autor de peças maravilhosas como Soy loco por ti (com Gilberto Gil), Ponteio (com Edu Lobo), Papel Maché (João Bosco) e tantas outras relíquias.  Perdeu quem não foi...  A visita de Capinan, porém, teve  outros itens na semana, como a sessão de autógrafos no Goiânia Ouro, integrando a abertura da versão da semana do maior festival de MPB, o Canto de Ouro – desta vez, com Larissa Moura, Ricardo Leão, Wanderson Postigo e João Caetano.

Capinan e eu, no Grande Hotel (foto: Viviane Vaz, 7/3/12).
Retorno ao tema – o Centro de Goiânia. As ruas do Centro, à noite, são tristes e solitárias. Dão medo.  O brilho de décadas anteriores deu lugar às rígidas e indevassáveis portas de aço. A desfiguração da Avenida Anhanguera, com as estações de ônibus e o gradil, embruteceu os dias e as noites, substituindo o bucólico calor humano pelas multidões de anônimos – de dia – e pelo aspecto ameaçador – às noites.
Café Central, na Rua 7 com Anhanguera. O carro é um  Simca Chambord - logo, era a década de 1960

O Café Central foi referência por cerca de meio século; hoje, é uma simples lanchonete ao lado do espaço onde agregou personalidades e temas marcantes da vida goiana.  E o Tip-Top, reduto da fina flor da boemia local das décadas de 1950 a 1970, ficou apenas na saudade... Ainda na Rua 7, o Restaurante do Armando é, hoje, somente um fantasma aos sensitivos com mais de 50 anos. E o Hot Dog? E o Bar da Brahma? E o Hotel e Restaurante Monte Carlo? O Rex Hotel? O Quibe Avenida? A engraxataria, ao lado do que foi o Tip-Top, essa resiste!
Goiânia Palace Hotel, na confluência da Rua 8 com a Avenida Anhanguera.


Na Rua 8, entre  a Rua 3 e a Avenida Anhanguera – cuja pista de rolamento deu lugar ao calçadão, na segunda metade da década de 1970 – o Cine Casablanca é, hoje, uma igreja evangélica; no mesmo alinhamento, poucos metros abaixo, outra “denominação” disputa seguidores. A Praça do Bandeirante, oficialmente denominada Atílio Correia Lima (o urbanista que traçou a cidade), desapareceu – é apenas o cruzamento de duas avenidas, com a estátua do desbravador deste sertão elevada à altura de uma palmeira  imperial.

Galeria Póvoa, na Rua 8. Na década de 1960, esse quarteirão erra o máximo!

No Grande Hotel, considerei os ladrilhos hidráulicos originais, a madeira dos degraus que demandam ao piso superior. A sacada também é referência forte. Aquele prédio hospedou personalidades nobres da história – como João Cabral de Melo Neto, Monteiro Lobato e Pablo Neruda. Da sacada, aprecio a ampla calçada frontal, onde os notáveis das décadas de 1940 a 1980 reuniam-se em confabulações à meia-voz ou confraternizavam-se sorridentes, misturando-se à massa popular. Um flambuaiã mutilado, bom hospedeiro, deixa brotar uma espécie diferente na forquilha amputada. Essa árvore tem citação no romance Cometa de Haley, de Jesus de Aquino Jaime, e integra as lembranças que ouvi da saudosa Celene Andrade, filha da pianista Tia Amélia. Dona Celene foi agente da VASP em Goiânia e contou-me de sua chegada, num outubro da década de 1950, quando os flambuaiãs  desabrochavam...






A Praça Cívica, na década de 1940. O obelisco central foi removido em 1967 para dar lugar ao Monumento às  Três Raças (não era necessário).

* * *



8 comentários:

Fátima Paraguassú disse...

Gosto muito do tema " memória" é isso que debato noite e dia...A memória enfraquecida dos políticos não deixa espaço para que se cuide desses espaços. Isso não dá voto, é o eterno refrão.
Essa tristeza que voce sente, tenha certeza, muitos goianos sentem e se calam porque acreditam não valer a pena falar. Eu acredito que vale a pena, sim.
Se não registrar, daqui a pouco seremos apenas seres atuais, sempre flutuando, nunca saberemos o que há escondido no fundo dos rios de nossas vidas...rios simbólicos que levam para longe um tempo que passou.

Luciene Silva disse...

A descrição do encontro com o autor e grande criador de sonhos CAPINAN, José Carlos Capinan, letrista que descreveu sonhos, vontades, lutas e claro amores...deu me uma pequena tristeza de nem ter sabido deste evento, pois evidente que desdobraria meu tempo que anda com falta de ter tempo pra esses memoráveis encontros que aprendi a amar com MINHA PRIMAVERA, que em aulas presenciais ilustra um passado de glorias e grandes personalidades, locais... Crônica de hoje do diário da manha dele, o meu, O nosso Luiz de Aquino, pra vocês... Pra mim, MINHA ETERNA PRIMAVERA.

Mara Narciso disse...

Os jovens costumam torcer o nariz para recordações, no entanto sou do palpite de que sem antes não haveria agora. Rever locais não tem a força das músicas ou do cheiro, mas nos transporta também ao passado, ainda mais na companhia de gente da música boa como Capinam. Adorei a foto. Estão tão a vontade como se velhos amigos fossem. E pela aproximação que a música traz, realmente são.

Tania Rocha disse...

Luiz,
Recordar a Goiânia que vivemos, mexe com nossas emoções.Excelente o seu texto ,e o tema me deixou saudosa!Me lembrei das lojas da Av Anhanguera ,como a MOVEIS JOSEPHINA,a casa de utlidades do lar ,chamada A DOMÉSTICA,tinha muitas luzes de neon na época do Natal,e o divertimento era passear pela av ,comtemplando as novidades.E o final detarde na praça do Botafogo!!!Parecia que o sol por capricho ,escolhia aquele lugar prá se despdir do dia!!!Vínhamos do IEG ,aquele bando de estudantes com nossas saias azul-marinho,e aquele por do sol, ficou para sempre na minha memória!!
Um abraço poeta, belo texto!

Klaudiane Rodovalho disse...

A história de Goiânia sempre nos surpreende, dia desses num sábado à noite, Laura e eu fomos ao Grande Hotel prestigiar Cecília Melo, quando chegamos Laura observou que canteiro central da Avenida Goiás era llindo, com aqueles postes e bancos de madeira, se encantou...

Amaury Menezes disse...

É sempre bom rever fotos e comentários sobre Goiânia, principalmente quando esses comentários e fotos trazem comparações. Sua crônica de hoje me transportou aos tempos da nossa Cidade Menina.
Amaury Menezes

Unknown disse...

Caríssimo escritor Luiz de Aquino, gostei demais da sua crônica sobre o centro de Goiânia. Às vezes meu pai, que viveu ali nos anos de 1960, está inspirado e me conta como era a vida social na época. Fala dos cinemas movimentadíssimos, dos carrões que cantavam pneu para impressionar mocinhas, da atmosfera romântica que abraçava tudo.

Hoje o centro está bem largado. Andar por ali à noite é uma verdadeira aventura, e por mais que a prefeitura tente resgatar o lugar, ainda não teve sucesso. Você descreve bem os terminais na avenida Anhanguera, feios, frios, sujos e sem romantismo algum. E que dizer das fachadas da lojas?!

Há um projeto da Celg para trocar toda a iluminação das ruas centrais e instalar candeias, à semelhança de Pirenópolis e da Cidade de Goiás, mas não sei se será uma boa ideia. A luz das candeias é bonita mas deixa uma certa penumbra. Antes, obviamente, é preciso resgatar a originalidade do lugar e cuidar da segurança, para depois enfeitar.

Quando transito pelas ruas do centro de Goiânia, quase sempre para prestigiar o chorinho do Grande Hotel na sexta-feira, fico triste ao notar que um ou outro casarão antigo foi demolido. As casas ainda não são tombadas e os proprietários vendem os imóveis para um futuro estacionamento ou edifício. Aos poucos, lá se vai a história da capital, mas ninguém parece se importar com isso.

Seu texto é providencial, pois aborda um tema atualíssimo, e por outro lado fala de arte e cultura.

Anônimo disse...

Luiz, todo centro de cidade é assim, de dia multidões, a noite um cemitério de almas perdidas que da medo. PORTO ALEGRE É ASSIM. por isso adorei o que esta sendo feito no Rio Antigo, uma revitalizaçãodo que é historico, e esta lindo. Mais gente a noite curtindo tudo de tudo com alegria e segurança, deveriam fazer das capitais locais aprasiveis e do povo,para lembrar um tempo que passou.