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domingo, março 18, 2012

Rezar a vida


Ilustração de Elson (Diário da Manhã)


Rezar a vida

O Brasil instituiu, por lei e costume, que o dia 14 de março, data de nascimento (em 1847) do poeta Castro Alves, como Dia Nacional da Poesia. E a UNESCO, órgão das Nações Unidas para a Educação e a Cultura, há cerca de dez anos instituiu o 21 de março o Dia Internacional da Poesia, considerando o início da Primavera no Hemisfério Norte. Assim, o poetariado brasileiro ganhou a semana inteira...

Poetariado é uma expressão bonita. Sou desconfiado demais com neologismo, gosto de sentir como acontecem; irritam-me expressões modernosas como “digitalizar”, “empregabilidade” e, dia destes, uma jovem coleguinha escreveu-me “usabilidade”... preferi não responder. Mas volto ao termo: poetariado. Ouço-a e leio-a em textos de pelo menos dois poetas – Valdivino Braz e Brasigóis Felício – em referência aos vates, especialmente aos mais próximos; e o termo foi, certamente, pensado como analogia a “proletariado”, palavra usual até 1964 e proibida no “índex” das fardas  distantes do processo racional que se instalou no país... Ah, não é o tema!

O poetariado goianiense sempre esteve atento a datas, movimentos e eventos afins. Ao tempo de Miguel Jorge na presidência da União Brasileira dos Escritores de Goiás, os eventos eram muitos. Foi ele quem instituiu premiar escribas, artistas e mecenas com um troféu bem goiano – o Tiokô (palavra carajá para “boneca”) e coube a Gina Cogolli, artista italiana radicada em Goiância, conceber a estatueta. E foi também de Miguel Jorge o surgimento de uma prática bonita e bem lembrada – as exposições de poemas-cartazes. Era assim: um artista plástico produzia um cartaz ou tela a partir de um poema; o texto era transcrito na peça e a coleção era exposta em pontos estratégicos da cidade. Estreei nessas mostras em 1977, com um cartaz do artista plástico Da Cruz.

Aidenor Aires, tempos depois, trouxe-nos outro evento muito bonito: Setembro da Poesia. Antecedendo a UNESCO, ele usou o calendário que nos dá a Primavera sulista. Ao longo do mês mais belo do ano (claro: nasci em setembro, uai!), o poetariado local percorria escolas em rumorosos eventos, juntando turmas nos ginásios (quadras cobertas) ou auditórios, proferindo palestras e realizando debates, mostrando poesia em cartaz (com ou sem ilustrações) e, ao término do projeto, o lançamento de uma antologia poética (tenho algumas na minha estante).

Nestes trinta e cinco anos de intensa atividade no meio cultural, tenho participado com muito zelo e alegria destas datas marcianas (do mês, minha gente! Sou lunático, mas não vou além do astro prateado). Ano passado, numa breve atuação na Câmara Municipal, promovi um belíssimo sarau (sem modéstia); éramos cerca de trinta bardos a mostrar poesia. Kaio Bruno, jovem poeta, líder do grupo Letra Livre, promete um sarau especial para o Dia Internacional.

Com as escolas estaduais em greve, as municipais e as particulares, parece-me, deixaram o 14 de março passar esquecido. Ou, ao menos, os professores com quem me relaciono e os poetas do meu convívio preferiram deixar-me à margem. Mas, como os tempos são outros, fiz a festa nas redes sociais da Internet, com ênfase para o Facebook. Publiquei dois poemas  meus –Dia de Castro Alves e Sou poeta –; uma leitora acrescentou o vídeo de um terceiro da minha lavra – Beijo Sonhado (coincidentemente, todos do meu livro Sarau) e, assim, fizemos a festinha virtual com muita interação, de poetas e leitores de todo o Brasil.

Pois bem: no meu blog, mantido há cerca de seis anos e com mais de cem mil visitas, coleciono milhares de opiniões sobre poemas e crônicas; para um autor, nada é mais gratificante que os comentários, de qualquer natureza, dos leitores. O mesmo se dá em momentos como esses, das datas comemorativas da Poesia – deliciei-me com as leituras dos amigos e os comentários, as novidades postadas...

Bem: entre esses comentários, o que definiu-me, por ser poeta, como alguém que vive “rezando a vida”. Emocionou com essa definição e a partir dela resolvi contar esta ligeira história de um dia desta semana. A autora é a professora Adelaide Alvarenga, amiga minha desde os tempos em que, menina-moça, cantava Non ho l’eta ao violão, os cabelos a cobrir-lhe graciosamente parte do rosto (recordar esse tempo, Adelaide, é, sim, rezar a vida!).

* * *


5 comentários:

Luiz Delfino disse...

Amigo poeta, que belo registro. Um bom domingo. Abraço do Luiz Delfino

carlosmagno disse...

Luiz,poeta.
Bela crônica sobre poetizar.
Pessoa falou em saber florir.

Anônimo disse...

Bom dia, poeta Preferido Luiz de Aquino. Belíssimo texto! Muito obrigada por compartilhar informações tão atualizadas. Graças a DEUS e principalmente a você, que é o meu preferido poeta, ou poeta preferido?! certo? errado?, não sei!rs, enfim,passei na U.E.G para o curso de letras, Português e Ingles, "basicamente" lendo seus textos e tentando corrigir-me... Parabéns! Seu blogger cada dia melhor! Ainda preciso estudar muito, para escrever em nosso idioma oficial, Português.Ireci Maria, sua leitora e amiga.

Mara Narciso disse...

Rezar a vida é de fato uma definição original e completa. Veja, poeta, como o ambiente faz o não leitor de poesia. A minha mãe lia muito, mas dizia não entender os poetas. Assim, o gênero não foi despertado em mim, exceto mais recentemente. Aprendi a ler poemas em voz alta e lentamente para poder ver o ritmo, a métrica e a rima. Passei a compreender e a admirar ainda mais os seus pares. Aos poemas musicados, - o que lhes acrescenta mais valor -, sempre disse: caso os poetas não tivessem sido inventados teriam de sê-lo, e logo. Viver sem poesia não dá.

Klaudiane Rodovalho disse...

Esta crônica está inspiradora.
Sua iniciativa de divulgar o dia dedicado à poesia no face foi ótima!
Infelizmente parece que as escolas não acontecem, a politicagem não deixa...
Mas, li seus poemas postados e Beijo Sonhado é o meu predileto; é delicado, simples e tem sua identidade como poeta, enaltecer as relações humanas de um modo ousado e romântico sem vulgaridades. Obrigada por rezar a vida em sua poesias e assim nos proporciona esta " oração" quando lemos.
Abraço.